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CAPÍTULO –

MOMENTO DO CONTROLO E FISCALIZAÇÃO DOS DINHEIROS PÚBLICOS O Tribunal de Contas, enquanto autoridade em matéria do controlo externo

1. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA COMO EFEITOS DO CONTROLO JURISDICIONAL

1.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE FINANCEIRA

Assim sendo, é incontornável o facto de, neste excurso pelas concepções que versam sobre o conceito de responsabilidade, termos que partir de um ponto de referência que é colhido da doutrina da filosofia desenvolvida pelo célebre alemão IMMANUEL KANT. Este desenvolve uma visão ética do conceito de responsabilidade, definindo a autonomia como a capacidade de se determinar de forma moral. Na sua visão, a liberdade não é apenas um pressuposto da responsabilidade, mas também o fundamento da liberdade292.

Neste sentido, mais uma vez nos encontramos, face a face, com a idealização de uma actuação livre, com a pressuposição de actos voluntários. A liberdade

291 Tribunal de Contas – Comemorações dos 150 anos do Tribunal de Contas, Lisboa, 2000. Pág. 138. 292 A ética kantiana é uma ética de dever. Entendendo o dever como a necessidade de consumar

uma acção por respeito à Lei, Kant via a responsabilidade como a consequência moral de uma actuação baseada numa vontade autónoma, mais desenvolvimento Cfr. GODINHO, INÊS FERNANDES – A Responsabilidade Solidária das Pessoas Colectivas em Direito Penal Económico, Coimbra Editora, 2007, Pág. 18 e 19.

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

145 assume, assim, um lugar cimeiro na construção de uma ideia de responsabilidade. Sem a pressuposição da liberdade não poderá haver lugar à responsabilidade.293

Para GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL, a responsabilidade, enquanto conceito, significa uma obrigação de responder pelas acções próprias ou, em certos casos, pelas acções dos outros. Este autor elevava a sua concepção de liberdade a uma ideia de Direito que, por sua vez, representava o patamar último da espiritualidade e ponto de partida da vontade livre294.

A “responsabilidade”, no seu sentido etimológico, corresponde à capacidade de responder; a possibilidade de assumir e respeitar compromissos e de assumir acções próprias e, inclusive, alheias. Traduz-se, assim, como a capacidade de alguém de prestar contas ou ser imputado pelos compromissos (livremente assumidos) e por actos e acções que cada um desenvolveu individual ou colectivamente.

Desta forma, na perspectiva civilista, como nos apresenta ANTUNES VARELA, “a responsabilidade cabe tanto à responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou de Lei (responsabilidade contratual), como resultado da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízos a outrem (responsabilidade extra-contratual)”295.

Noutra formulação simples, a responsabilidade consiste na obrigação de reparar os prejuízos produzidos e sofridos por outrem. Ainda nesta asserção civilista, que no nosso sistema jurídico é matricial e a mais abrangente, a responsabilidade pode decorrer da violação de uma obrigação, de um acto ilícito (responsabilidade subjectiva) ou, ainda, de um acto lícito ou do próprio risco que certas actividades comportam (responsabilidade objectiva), ex vi lege, Art.º 483º do CC.

293 Apud, GODINHO, INÊS FERNANDES – A Responsabilidade Solidária das Pessoas Colectivas em

Direito Penal Económico, Coimbra Editora, 2007, Pág. 18 e19.

294 GODINHO, INÊS FERNANDES – ibidem, Pág. 14 a 19.

295 Cfr. VARELA, ANTUNES – Das Obrigações Em Geral, Vol. I, Almedina, 10ª edição, 2011, Pág. 519 e

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

146 Nesta óptica, a responsabilidade traduz-se na obrigação que alguém tem, em virtude de uma situação própria ou de uma acção ou inacção, de indemnizar quem, por causa de uma sua conduta, foi vítima de um prejuízo296.

No plano financeiro, o conceito evolui ao longo tempo, desde o século XIX, no sentido de cunhar uma noção de responsabilidade dos então denominados contáveis. No entanto, esses contáveis estavam sujeitos à prestação e ao julgamento das contas que, em geral, deveriam apresentar no final do exercício ou de gestão financeira297.

Assim, ANTÓNIO CLUNY reporta-nos que a responsabilidade financeira corresponde à situação em que se encontra alguém que, em virtude da imputação de uma infracção financeira, no âmbito do controlo jurisdicional sucessivo exercido pelo Tribunal de Contas, é obrigado a repor nos cofres públicos as importâncias abrangidas pela infracção298.

Para JOSÉ MATIAS-PEREIRA, da doutrina Brasileira, a responsabilidade financeira apresenta-se como um código de conduta para os administradores públicos de todo o País, nos três poderes299.

Já PAULO NOGUEIRA DA COSTA diz-nos que a responsabilidade pode ser entendida numa perspectiva intersubjectiva, na qual um indivíduo responde perante a sua própria consciência pelas condutas que adopta. Para este autor, o agente é responsável perante a entidade e, por conseguinte, a responsabilidade surge como dimensão da justiça redistributiva da accountability (prestação de contas) e justiça restaurativa300. De acordo com esta asserção infere-se,

basicamente, que a responsabilidade financeira é suportada pelo Princípio da Redistribuição e Restauração do Mal pela Sociedade.

Todavia, ao subscrevermos a ideia acima descrita, entendemos que esta justiça redistributiva ou de restauração, que aí se afere, surge como consequência

296 Cfr. CLUNY, ANTÓNIO – Responsabilidade Financeira e Tribunal de Contas, Coimbra Editora,

2011, 1ª Edição, Pág. 29.

297 Ibidem, Pág. 31.

298 CLUNY, ANTÓNIO – Ibidem, Pág. 205.

299 MATIAS PEREIRA, JOSÉ – Finanças Públicas, a Política Orçamentaria no Brasil, 4ª edição, Atlas

Editora, São Paulo, 2009, Pág. 320.

300 Cfr. COSTA, PAULO NOGUEIRA DA – O Tribunal de Contas, Pág. 277. No mesmo sentido sublinhou

HANS KELSEN, apud, GODINHO, INÊS FERNANDES – A Responsabilidade Solidária das Pessoas

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

147 do mal provocado à sociedade pelo gestor da coisa pública que vai corresponder, desde logo, na aplicação das sanções jurídicas, políticas-jurídicas e políticas- sociais, por observarem a relação de confiança quebrada por causa daquela conduta ilícita financeira.