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A sociedade civil pode ser definida como um conjunto de pessoas organizadas ou filiadas numa Igreja, Organização Não-Governamental, Associação, Clube ou Comunidade Tradicional de Autóctones que exercem, de algum modo, a sua actividade de participação social na comunidade onde vivem.141

Pergunta-se, nos dias de hoje: Será que é possível que a participação social da sociedade civil nos assuntos da comunidade verse, de entre outras actividades, sobre a fiscalização e controlo financeiro?

É importante, antes de equacionar qualquer proposta de resolução para responder à vexata quaestio, tecer algumas considerações pertinentes. Assim, podemos dizer que a sociedade civil constitui os grupos de pressão para defesa dos seus interesses financeiros difusos. Esta defesa de interesses financeiros vai realizar-se através dos mecanismos próprios de poderes de controlo da sociedade civil, e que se reputa na opinião pública, que consiste nas informações de interesses não organizados dos grupos de pressão feitas sem qualquer valor jurídico porque podem ser manipulados facilmente pelo poder político ou pelas elites dominantes na economia, igreja, associações que REINHOLD ZEPPELIUS designa de dirigismo da opinião pública142.

A sociedade civil realiza o controlo financeiro informal por simplesmente fazer uso da liberdade de participar na vida pública do País, nos termos dos Arts.º 17º, 47º 48º e 52º, da CRA, garantido através da comunicação social e, de algum modo, do controlo jurisdicional, por via do mecanismo de Acção Popular, previsto no Art.º 74º, da CRA, para defesa dos direitos subjectivos públicos ou difusos.

141 No mesmo sentido, Cfr. GUEDES, ARMANDO MARQUES – Sociedade Civil e do Estado em Angola,

Almedina, 1995-2005, Pág. 9 a 19.

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Mais desenvolvimento Cfr. ZEPPELIUS, REINHOLD, - Teoria Geral do Estado, fundação Calouste Gulbenkian, 1971, Pág.124.

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69 Convém, a este propósito, lembrar que já na Grécia Clássica, como escrevia ARISTÓTELES, “se considerava que a procuradoria voluntária era uma pedra angular da democracia. Por essa razão, para além dos procuradores oficiais (synegoroi), também os cidadãos tinham legitimidade para apresentar e sustentar uma acção em tribunal para defesa do interesse público”143.

Entretanto, como se sabe, os direitos subjectivos foram estudados inicialmente na Alemanha por SAVIGNY144, uma vez que em Roma se

desconheciam os direitos subjectivos145. Os direitos subjectivos vão desenvolver-se

a partir dos modelos históricos de Estado Liberal (do tipo concertado), Estado Social (do tipo prestador) e Estado Pós-Social146, (do tipo de infra-estrutura).147

Porém, como já asseverámos noutro lugar do nosso trabalho, foi no Estado prestador, potenciado pelo avanço da ciência e das tecnologias de informação, internet e por uma economia monetarizada e globalizada (economia financeira digital), que a assunção de novas funções acabou por alargar as demais tarefas económicas e sociais suportadas pelas despesas públicas, tudo para garantir o nível mínimo de bem-estar.

Assim, à luz do Princípio de Reciprocidade estabelecido pelo Estado e Cidadãos (fundado no dever fundamental do cidadão de pagar impostos e no dever do Estado de prestar contas), tal vai mobilizar a consciência de cidadania financeira e postular o surgimento de controlo financeiro da sociedade civil.

Portanto, o controlo da sociedade civil reputa-se na opinião pública, que consiste nas informações de interesses não organizados dos grupos de pressão

143 Apud, COSTA, PAULO NOGUEIRA DA – O Tribunal de Contas, Pág. 254.

144 Para SAVIGNY, o direito subjectivo seria um poder de vontade. Tal poder deveria ser entendido

como reconhecimento ao sujeito titular do direito de um âmbito da liberdade, independente de qualquer vontade estranha, Apud, CORDEIRO, ANTONIO MENEZES – Teoria Geral do Direito Civil,

Sumários das Lições dadas ao 2º ano jurídico, 1986/87, Vol.I, Pág. 178.

145 CORDEIRO, ANTÓNIO MENEZES – Teoria Geral do Direito Civil, Sumários das Lições dadas ao 2º

ano jurídico, 1986/87, Vol.I, Pág. 176, refere que no Direito Romano a pessoa que, nesse

ordenamento, detivesse uma posição favorável que lhe conferisse uma particular protecção do Estado, dispunha de uma Acção, isto é, da possibilidade de, junto de um magistrado, obter uma injunção que, caso se verificassem os competentes e alegados factos, habilitassem o juiz a determinar medidas concretas.

146 O Estado Social entra em crise a partir dos anos 70 e começa-se a discutir a crise do modelo de

Estado Social. Como principais sintomas ver com mais desenvolvimento o Prof. Doutor SILVA, VASCO PEREIRA DA – Para um Contencioso Administrativo dos Particulares, Pág. 56.

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70 feitas sem qualquer valor jurídico e que constitui uma observação financeira holística difusa.

1.8.1. Acção Popular Financeira

A Acção Popular foi historicamente importada de Roma, sendo naquela época conferida “a qualquer pessoa do povo” para defender e conservar as coisas públicas contra quem perturbasse o seu uso ou indevidamente se apossasse delas148.

Quando foi consagrada no Código Administrativo Colonial, de 1936-40 (Art.º 822º), foi-lhe atribuída a seguinte definição “faculdade conferida a qualquer eleitor ou contribuinte das contribuições directas do Estado, no gozo dos seus direitos civis e políticos, de recorrer das deliberações, que tenha por ilegais, dos corpos administrativos, comissões administrativas das federações de município, comissões centrais das uniões de freguesias, conselhos municipais e distritais, juntas de turismo, juntas autónomas do portos e comissões venatórias existentes e com jurisdição nas circunscrições em que se ache recenseado ou por onde seja colectado”. Trata-se, pois, como escreveu o Prof. MARCELLO CAETANO, de uma larguíssima faculdade de fiscalização cívica dada aos cidadãos para defesa dos interesses das colectividades locais149.

Será que a sociedade civil angolana também realiza o controlo jurisdicional? Para responder a esta pertinente questão iremos, primeiro, examinar as entrelinhas dos possíveis tipos de controlo e fiscalização que a sociedade civil supostamente realiza, atentos os critérios pré-estabelecidos.

Sendo assim, numa sumária análise, entende-se que a fiscalização e o controlo que a sociedade civil realiza podem ser qualificados como:

1 – Informal ou inorgânico – controlo social; 2 – Judicial – controlo orgânico jurisdicional.

148 Apud, CAETANO, MARCELLO – Manual de Direito Administrativo, Coimbra Editora, Lisboa, 9ª

Reimpressão da 10.ª Edição, 2010, Pág. 1363., no mesmo sentido ver RIBEIRO, NUNO CORDEIRA –

O Controlo Jurisdicional dos Actos da Administração Tributária, Almedina, 2014, Pág. 253.

149 Cfr. CAETANO, MARCELLO – Manual de Direito Administrativo, Coimbra Editora, Lisboa, 9ª

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71 Para dar substância, se na verdade a sociedade civil desempenha tanto a função de controlo inorgânico-informal bem como a função jurisdicional, vamos ver em que subsiste cada uma delas e como se opera na ordem jurídica Angolana.

Assim sendo, o controlo e fiscalização da sociedade civil no plano informal ou inorgânico é, efectivamente, quando resulta da participação da população, quer de forma institucional, manifestando a sua opinião através dos órgãos de difusão massiva, quer através de comícios, ou actuação política, Sindicatos, Associações, Organizações Não-Governamentais, entre outras plataformas de acção150.

Já o controlo jurisdicional, que resulta de uma Acção Popular, não é considerado como um acto processual autónomo, mas consiste no alargamento da legitimidade processual para defesa da legalidade e do interesse público, que pode ser exercido pessoal ou colectivamente através de associações de defesa dos interesses financeiros ou patrimoniais difusos de uma certa comunidade151.

A Acção Popular na Ordem Jurídica Angolana visa, por enquanto, a tutela de interesses inerentes à defesa da saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural, como é natural, pois que ainda não vislumbra, de modo claro, na Ordem Jurídica Constitucional a tutela da legalidade financeira através da Acção Popular, enunciados no Art.º 74º, da CRA.

No mesmo sentido, a LOPTC não prevê a Acção Popular junto do Tribunal de Contas para defesa da legalidade financeira, quanto muito, poderá haver uma possibilidade de denúncia pública de ilícito financeiro, cabendo simplesmente ao Ministério Público a referida função, como reporta o Art.º 28º, da LOPTC.

Mas, curiosamente, a Lei n.º 3/10, de 25 de Março, a Lei da Probidade Pública, parece oferecer aos cidadãos o mecanismo processual para enxertar um requerimento de denúncia junto do Ministério Público, nos termos do Art.º 32º da

150 Cfr. FRANCO, ANTONIO SOUSA – Dinheiros Públicos, Julgamento de Contas e Controlo Financeiro

no Espaço de Língua Portuguesa, Lisboa, 1995, Pág. 18.

151 O conceito do interesse público ou difuso resulta justamente da importação de uma criação

jurisprudencial italiana – interessi difusi à fruição de bens da colectividade – , forjada para explicar o alargamento da legitimidade processual a titulares de posições jurídicas substantivas diversas, quer do direito subjectivo, quer do interesse legítimo, Cfr. GOMES, CARLA AMADO – O Risco de

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72 referida Lei, para fazer valer os direitos dignos de tutela da norma financeira que constituem o bloco da legalidade financeira.

Todavia, como sustenta PAULO NOGUEIRA DA COSTA, “a efectivação de responsabilidades financeiras dos gestores de dinheiros públicos, tendo em vista a defesa da legalidade financeira, afigura-se-nos ser um dos casos em que se justifica a consagração da Acção Popular, que designamos aqui por “Acção Popular Financeira”152.

Segundo a concepção defendida por este autor, existe um nexo constitucional previsto no Art.º 52º, nº 3, com o Art.º 20º, nº 1, da CRP, de consagrar a Acção Popular153 e, por conseguinte, tal fadário para nós aqui entronca-se no mesmo

filamento de entendimento da CRA, ao consagrar Acção Popular Financeira.

Entretanto, no caso Angolano, se fizermos uma interpretação jurídica daquela norma constitucional, que consagra a Acção Popular através dos cânones da hermenêutica jurídica, teremos algum resultado animador e ver-se-á que se enquadra aí o instituto da “Acção Popular Financeira” dentro do Art.º 74.º, da CRA.

Portanto, na nossa opinião, os cidadãos são titulares de direitos subjectivos públicos, pois são os principais interessados na legalidade da gestão financeira Pública. E, por conseguinte, por estarem vedados a exercerem o controlo e fiscalização activa dos dinheiros públicos, propomos a construção de uma norma que habilite qualquer cidadão, ou seja, sociedade civil, a aceder ao Tribunal de Contas, nos termos permitidos pela Constituição (Art.º 29º, da CRA), através do mecanismo do instituto da “Acção Popular Financeira” (Art.º 74º, da CRA), para concretização do Princípio de Estado Democrático de Direito e do controlo jurisdicional dos dinheiros públicos em Angola.

152 Ibidem.

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