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1.4. OS MODELOS DOS SISTEMAS DE CONTROLO FINANCEIRO EXTERNO NO DIREITO COMPARADO

1.4.2. Controlo Jurisdicional

O controlo jurisdicional, como o próprio nome indica, prende-se com a actividade financeira de controlo externo levado a cabo por um órgão judicial independente, cujas competências resultam da Constituição. Dito de outro modo, o

65 Aliás, foi inspirado, a nosso ver, nesta Fonte do Direito por questões de fortes traços culturais e

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

37 controlo jurisdicional é uma forma de controlo externo exercida por um órgão de soberania – Tribunal especial em função da matéria, com uma precisa designação de Tribunal de Contas, cuja actividade vai consistir em julgar as contas do Estado.66

Este sistema de controlo jurisdicional vigora em alguns países da Europa como Espanha, França, Itália e na comunidade Lusófona, na qual Angola se insere.

Como sustenta o Prof. SOUSA FRANCO, para fazer jus ao modelo de controlo jurisdicional, entende que, ‘’normalmente, os Tribunais de Contas têm orgânica e processos de decisão colegial (a decisão organiza-se em várias instâncias e é tomado por vários magistrados), ao passo que os auditores-gerais tendem a ser órgãos singulares”67.

Os Tribunais de Contas68 são, por via disso, constituídos por responsáveis

com o estatuto de juízes, embora auxiliados por funcionários que, por vezes, têm um estatuto especial de independência (auditores; há, por vezes, juízes de instância inferior, ao passo que os auditores-gerais são órgãos unipessoais,

66 Cfr., Art.º 182º, da CRA.

67 Cfr., FRANCO, SOUSA – Dinheiros Públicos, Pág. 58.

68 Cfr., FRANCO, SOUSA – Dinheiros Públicos, Páginas 59 e 60. Este Professor sintetiza os sistemas ou

Modelos de Tribunais de Contas nos seguintes termos: Modelo I – Tribunal de Contas:

1 – Variante I-A

 Instituição com estatuto orgânico de Tribunal colectivo, com poderes e funções jurisdicionais (a par de outras não jurisdicionais em todos os casos): no exercício dos poderes não jurisdicionais podem cooperar mais ou menos, frequentemente, com os Parlamentos. Ex.: Portugal, Espanha, França, Itália.

É neste modelo e variante que se enquadra o Tribunal de Contas de Angola; 2 – Variante I-B

 Instituição com estatuto orgânico de colegialidade e forma orgânica jurisdicional, mas sem poderes e funções jurisdicionais. Ex.: Alemanha, União Europeia.

Modelo II – Auditor (ou Controlador) Geral: 1 – Variante II-A

 Órgão singular e independente, com poderes jurisdicionais e com funções exercidas em cooperação independente, mas estreita, com o Parlamento como órgão de controlo político. Ex.: Reino Unido, Canadá.

2 – Variante II-B

 Órgão singular dotado de autonomia orgânica e técnica, mas com estreita dependência do Parlamento, nomeadamente na escolha das acções de controlo (plano de actividades) e no dever de comparência nos trabalhos parlamentares, exercido com frequência. Ex.: algumas instituições de África e da América Latina, que se julga inútil especificarem.

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38 normalmente desempenhados por auditores, e não magistrados, com mandato limitado no tempo, o que pode suceder ou não nos Tribunais de Contas).

Embora todos estes órgãos possam aplicar critérios jurídicos ou extra- jurídicos, como já se disse, os Tribunais de Contas têm, necessariamente, poderes jurisdicionais e os auditores-gerais estão desprovidos desse tipo de poder69, o que

significa dizer que é dominante na maior parte dos países que se identificam com a figura de Auditor-Geral, pelo que dir-se-á que é um órgão de certa feição muito próximo do Parlamento, uma vez que se posiciona em relação ao poder legislativo tendo em atenção que, por vezes, o “Auditor-Geral”recebe instruções directas do Parlamento, e em alguns casos, apesar de haver uma articulação, entende-se que a sua actividade de controlo financeiro subordina-se, de algum modo, à dependência técnica em relação ao órgão de controlo político.

De qualquer forma será importante assinalar, aliás, como defende o Prof. SOUSA FRANCO, que “ esta articulação orgânica não pode comprometer a independência de julgamento e, de modo mais ou menos extenso, a independência funcional, sob pena de não haver controlo externo independente de carácter técnico-jurisdicional, mas mera assessoria técnica prestada do controlo político exercido pelo Parlamento”70.

Ainda segundo este ilustre Professor, e reportando-nos à fundamental distinção – no que se refere à estrutura do Estado e à natureza dos poderes dos órgãos de controlo financeiro – entre o conteúdo do controlo jurisdicional e o do não jurisdicional, é evidente que o controlo jurisdicional se exerce, exclusivamente, através de critérios jurídicos (ou, no máximo, utilizando conceitos técnicos acolhidos pela ordem jurídica), enquanto o controlo não jurisdicionalmente jurídico não se vincula a estes critérios. Mas não se há-de esquecer que um órgão jurisdicional pode exercer poderes não jurisdicionais e, neste caso, é evidente que os juízes de facto e de valor ou qualificação que proferem não têm carácter jurisdicional, porque não concretizam a aplicação ex auctoritate da Lei aos factos numa situação controvertida, duvidosa ou litigiosa. Isso ocorre cada vez mais, mas, em certa medida, sempre aconteceu; recorde-se, por exemplo, a existência dos

69 Ibidem. 70 Ibidem.

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39 pareceres ou relatórios sobre a Conta Geral do Estado, que nunca constituíram julgamentos, mas apenas relatos de situações apuradas e avaliadas71.

Porque o processo do Tribunal de Contas não é um processo típico das partes, é evidente que, em alguns casos, é um processo especial com carácter jurisdicional que versa sobre a actividade gestionária, por outro lado, que os órgãos sem natureza jurisdicional também podem apurar factos de gestão financeira, aplicar o Direito aos factos e, até por vezes, dispor de poderes de autoridade, mas esta autoridade não se confunde com a jurisdicional, porquanto que esses órgãos nunca exercem actividades ou não dispõem de poderes jurisdicionais com ritos processuais do foro72.

Portanto, o modelo de controlo e fiscalização dos dinheiros públicos, em Angola, filia-se no controlo jurisdicional centrado no Tribunal de Contas, como instituição da expressão máxima do controlo financeiro no plano jurisdicional (Art.º 182º, da CRA), desde logo, insere-se no quadro da organização judiciária de Angola (Art.º 174º, da CRA).