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1.4. OS MODELOS DOS SISTEMAS DE CONTROLO FINANCEIRO EXTERNO NO DIREITO COMPARADO

1.4.3. Controlo Misto

Vamos agora, sumariamente, falar do controlo misto no quadro dos modelos dos sistemas de controlo financeiro, tipo de modelo de controlo que tem sido caracterizado como um controlo externo mitigado por ser um modelo híbrido e que, por conseguinte, vigora em alguns países europeus, como na Alemanha e na Holanda.

Como defende de maneira sucinta PAULO NOGUEIRA DA COSTA73, do qual

nós demos nota, “em alguns países, os órgãos de controlo financeiro externo, apesar de terem uma estrutura colegial e de serem designados por Tribunais de Contas, não exercem funções jurisdicionais ”.

Este entendimento, que é prática jurídica de controlo financeiro de alguns países da Europa, suscita dúvidas quanto à bipartição de competências que, de certo modo, não nos permite, com rigor, escrutinar em verdade quem exerce na

71 Ibidem. 72 Ibidem.

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

40 plenitude o controlo dos dinheiros públicos desenhado, naquela dicotomia, entre controlo interno e controlo externo no âmbito da separação de poderes.

Mas, já nos parece interessante saber duas questões de nota que merecem resposta, designadamente: Em que consiste o controlo financeiro misto? e Como se realiza?

Ora bem, para responder à primeira questão será importante referir os ensinamentos do Prof. SOUSA FRANCO que nos reporta que “ (…) os Tribunais são antes órgãos de controlo financeiro e só depois órgãos jurisdicionais de resoluções de litígios financeiros”74.

Pois bem, percebe-se desta ideia, assim como também estabelece o preceito das disposições combinadas dos Art.º 182º, da CRA, e 67º, da LQOGE, que o Tribunal de Contas não julga e nem controla as opções políticas e ideológicas do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Mas é tido como certo que fiscaliza os actos normativos em desconformidade com a Constituição vigente escrita, ou não, no âmbito do pluralismo jurídico Angolano75.

Entretanto, também na nossa modesta compreensão, podemos inferir que os Tribunais de Contas exercem uma dupla função – jurisdicional e não jurisdicional – , à luz dos critérios técnicos e jurídicos, formais e informais, em harmonia com a dimensão da actividade financeira do Estado, isto tudo com o objectivo de satisfazer as necessidades colectivas com base no postulado legislativo e de justiça.76 A actividade administrativa de gestão financeira, que é levada a cabo por

um conjunto de órgãos e organismos unipessoais indigitados pela direcção dos partidos políticos, desde logo, prima facie, são responsáveis políticos a gerirem os dinheiros públicos e auxiliados pelos altos funcionários públicos e agentes administrativos do Estado77.

Porquanto que, em certa maneira, no plano de controlo fica complexo o controlo monista, seja ele jurisdicional ou não jurisdicional, pois que, fundado num

74 Cfr., FRANCO, SOUSA – Dinheiros Públicos, Julgamento de Contas e Controlo financeiro Institucional

– Lisboa Lex, 1995, Pág. 44.

75 Vide Art.º 7º e 223º, da CRA.

76 JUSTIÇA – A ideia da Justiça tem a ver com os critérios da justiça geral; comutativa e distributiva,

mais desenvolvimento, Cfr., TADEU WALDEMAR, Guia de Estudante de Direito – Ciência Política e

Direito Constitucional II, Escolar Editora, 2011, Pág. 162.

77 Estes funcionários e agentes administrativos estão ou deviam estar apetrechados com o saber

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

41 só modo claudica, tornando impossível tirar partido de um bom controlo de todas as contas públicas com a exactidão requerida, bem como alcançar aquele sistemático desiderato dos indicadores macro-financeiros de controlo na dimensão de legalidade, economicidade, avaliação da gestão, eficiência e eficácia e da boa governação, com detalhes pormenorizados de dispêndios dos dinheiros públicos.

Todavia, na nossa opinião, o controlo monista não satisfaz a vontade popular, como lembra, e bem, o Primeiro-Ministro Português: “Como é possível um órgão sem legitimidade popular – Tribunal Constitucional – poder anular um acto do poder representativo do povo – AR?”78

Porém, esta incongruência de eficácia, como se nota no ordenamento Português, sintomaticamente também o tem sido em Angola. Por conseguinte, esta contradição parte do princípio do que resulta do modelo do sistema de fiscalização da constitucionalização das leis no ordenamento jurídico angolano, no que tange ao OGE, que alguns doutrinadores denotam em larga medida de um modelo misto, isto é, caracterizado, nota-se, como é desenhada a forma de governo – é Presidencialista-Parlamentar de tipo sui generis, desde logo, como se vê, efectivamente enclausura-se no sistema de coabitação entre o tradicional “sistema Americano” e o “sistema Austríaco” de justiça Constitucional difusa, consubstanciado no controlo concentrado79.

Grosso modo, tanto em Angola como em Portugal, a Lei Fundamental não permite o acesso directo dos cidadãos à jurisdição constitucional.

Feitos os excursos, podemos dar a noção do controlo misto como sendo “aquela actividade que se traduz numa função essencialmente de controlo externo, que se reputa na fiscalização Jurisdicional (técnico e jurídico) e Parlamentar (político e social), cujo escopo essencial é o controlo integrado dos dinheiros públicos”80.

78 Palavras de COELHO, PASSOS, Primeiro-Ministro de Portugal, referindo-se ao Tribunal

Constitucional, Agência Lusa, 5.06.2014, Cfr., NOVAIS, JORGE REIS – Em Defesa Do Tribunal

Constitucional – Respostas aos Críticos, Almedina, 2014, Pág. 5 e 34 e 35 – em resposta a essa

pergunta, comenta o Prof. REIS NOVAIS que o Primeiro-Ministro podia e devia fazer a mesma pergunta em relação a si próprio: “ (…) como foi possível atribuir tanto poder a alguém tão mal preparado para o exercício das suas funções?”

79 Cfr., MARTINS, ANTÓNIO – A Jurisprudência Constitucional Sobre as Leis do Orçamento do Estado e

(in) Constitucionalidade do OE 2014, Almedina Editora, 2014, Pág. 19.

Francisco Mário – O Controlo Jurisdicional dos Dinheiros Públicos em Angola

42 Na segunda questão parece mais compreensível, porquanto ela já se encontra respaldada no conceito do controlo misto.

Daí, sumariamente, podemos inferir que o controlo misto se realiza através da actividade de fiscalização técnica jurídica, feita por um órgão de natureza jurisdicional ou administrativa do poder jurisdicional ou parlamentar, de algum modo especializado no quadro do controlo predominantemente externo, tudo isto, para fidelizar o balança da justiça de controlo financeiro, feio contra pesos a que os Americanos apelidam de “checks and balance”.