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CAPÍTULO –

CONTAS DE ANGOLA 1.2.1 Considerações Gerais

1.4. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FINANCEIROS A OBSERVAR PELO TRIBUNAL DE CONTAS NO MOMENTO DA ACTIVIDADE DA

1.4.1. Aspectos gerais

1.4.2.3. Princípio da Imparcialidade

O Princípio da Imparcialidade advém do Direito Processual e da experiência dos tribunais, que radicava na exigência de imparcialidade do juiz em relação às partes na contenda (Art.º 4º, da Lei n.º 3/10, de 25 de Março, Lei da Probidade Pública).

A imparcialidade fundamenta-se como um dos Princípios estruturantes da Constituição Financeira Angolana e, por conseguinte, no controlo e fiscalização dos dinheiros públicos; encontra-se intimamente ligado aos outros Princípios de Direito Financeiro, designadamente o Princípio de Boa Governação, Princípio da Transparência e o Princípio da Publicidade, que constituem um dever e uma obrigação dos controlados e controladores para cunhar a boa-fé200.

O Princípio da Imparcialidade é corolário do Princípio da Justiça, daí a representação desta de uma imagem humana que tem na mão uma balança com dois pratos e uma venda nos olhos201.

No controlo e fiscalização dos dinheiros públicos o juiz deve representar, efectivamente, aquele ideário da simbologia da justiça coberto de imparcialidade, configurado na dupla vertente, positiva e negativa, isto é, o juiz na sua actividade jurisdicional deve garantir a independência através da imparcialidade, pois é-lhe exigida uma conduta que se mostre justa e que, na tomada de decisão, não o faça por questões subjectivas como a amizade, a inimizade, a partidocracia, o nepotismo, a religião, entre outros, em relação aos gestores da coisa pública.

200 No mesmo sentido Cfr. OLIVEIRA, FERNANDA PAULA/DIAS, JOSE EDUARDO FIGUEREDO –

Noções Fundamentais do Direito Administrativo, Almedina, 3ª edição, 2013, Pág. 348.

201 Cfr. AMARAL, DIOGO FREITAS DO – Curso de Direito Administrativo, Almedina, 2ª edição, 2011,

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92 1.4.2.4. Princípio da Proporcionalidade

Historicamente, o Princípio da Proporcionalidade nasceu e desenvolveu-se no Direito Administrativo como Princípio de Polícia e como mecanismo de controlo de legalidade do Poder Executivo, para evitar excessos e abuso do poder. Rapidamente, devido à Revolução Burguesa, do século XVIII, a doutrina Iluminista consagrou-o como um Princípio Constitucional.

Como sustenta o Prof. JORGE BARCELAR GOVEIA, “a configuração do Princípio da Proporcionalidade assenta numa limitação material interna à actuação jurídica-pública de carácter discricionário, contendo os efeitos excessivos que eventualmente se apresentem na edição das providências de poder público de cariz ablatório para os respectivos destinatários”202.

Já MARIA LÚCIA AMARAL entende que o Princípio da Proporcionalidade é subjacente a duas ideias essenciais:

a) Os actos do Estado nunca devem ser excessivos, quaisquer que sejam as funções que através deles se exerçam;

b) Este imperativo de medida, ou de equilíbrio, da actuação jurídico-pública decorre da ideia de segurança contida no Princípio (materialmente entendido) do Estado de Direito. Conclui dizer que as decisões que o Estado toma, justamente pelo facto de não poderem ser ilimitadas nem arbitrárias, têm que ter, todas e cada uma delas, uma certa finalidade ou uma certa razão de ser. Estas finalidades prosseguidas por cada decisão estadual devem ser para os seus destinatários – como para qualquer membro da comunidade jurídica – detectáveis, domináveis e compreensíveis, na “justa medida” para que não se utilizem canhões para atirar a pardais (…)203.

Por seu turno, PAULO BONIVIDES, da doutrina Brasileira, defende que “o Princípio da Proporcionalidade abrange a parte não escrita ou não expressa dos direitos e garantia da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado

202 Cfr. GOUVEIA, JORGE BARCELAR – Direito Constitucional de Angola, Lisboa/Luanda, 2014, Pág.

237.

203 Cfr. AMARAL, MARIA LÚCIA – A Forma da República, Coimbra Editora, reimpressão, 2012, Pág.

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93 de Direito e dos Princípios que este consagra e que fazem inviolável da unidade da Constituição”204. Este autor estende o seu pensamento no âmbito do pluralismo

jurídico a que estão voltados os sistemas constitucionais205.

O Princípio da Proporcionalidade constitui um limite para a actuação dos poderes públicos, tanto da Administração Pública, como do Poder Judicial (Cfr. Art.º 57º e 98º, da CRA, e Art.º 8º, da Lei n.º 3/10, de 25 de Março, Lei da Probidade Pública).

Ora, este Princípio é inerente à própria ideia de Direito e de Justiça que se manifesta no controlo e fiscalização financeira na ponderação entre os meios que esses representam e as finalidades que se assinalam à respectiva consecução, ou seja, julgar as Contas do Estado pressupõe fazer um juízo que permite o equilíbrio entre o fim almejado e os meios empregues para poder intervir, no caso da imputação da responsabilidade sancionatória, de modo proporcional na esfera do gestor público, em função da carga coactiva, para não sacrificar outros direitos fundamentais dignos de tutela jurídica, pois no Estado Democrático de Direito, a pessoa humana é a causa e o limite do Direito, o que o coloca em constante tensão moral206, atento os pressupostos de proibição de excessos judiciais que radicam

nas sanções que se afiguram nas seguintes vertentes207: legitimidade, adequação,

necessidade e racionalidade, como bem orienta o Legislador Angolano no Art.º 57º, da CRA, Art.º 29º, nº 2 e 3, e Art.º 31º, nº 3, da LOPTC.

Podemos concluir, facilmente, que o Princípio da Proporcionalidade constitui o limite das decisões do Tribunal de Contas em virtude dos valores imanentes da adequação, necessidade, legitimidade, ponderação e racionalidade, para evitar arbitrariedade e ilimitadas medidas injustas que possam lacerar outros direitos fundamentais constitucionalmente tutelados.

204 Apud. LUÍS, PEDRO MANUEL – Curso de Direito Constitucional Angolano, Qualifica Editora, 2014,

Pág. 150.

205 No mesmo sentido Cfr. FEIJÓ, CARLOS MARIA – Coexistência Normativa entre o Estado e as

Autoridades Tradicionais na Ordem Jurídica Plural Angolana, Viseu, 2012, Pág. 89 e seguintes.

206 Cfr. PINTO, EDUARDO VERA-CRUZ – Curso de Direito Romano, Principia, 2009, Pág. 67.

207 Cfr. ALEXANDINO, JOSÉ MELO – Direitos Fundamentais, Principia, 2ª edição, 2011, Pág. 134. e

Jurisprudência Constitucional Português, Acórdão n.º 103/87, em Acórdãos do TC, 9º Vol., Pág. 112, Acórdão n.º 285/92, em Acórdãos do TC, 22º Vol., Pág. 159 e seguintes, Acórdão n.º187/01, em Acórdãos do TC, 50º Vol., Pág. 29 e seguintes.

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94 1.4.2.5. Princípio da Transparência e Boa Governação

Vamos antes dar a noção de “transparência”, porque importa assinalar que a definição de transparência não tem sido consensual na doutrina, por abarcar níveis diferenciados de transparência, nomeadamente: política, económica, administrativa, além dos valores democráticos que comandam as actuais sociedades abertas e activas, ao “Estado Democrático de Direito” que, em todo o caso, deve prosseguir os interesses colectivos. Logo, isto pressupõe que no Estado Democrático de Direito, as instituições, os seus órgãos e servidores sejam colocados, não só ao serviço de interesses de alguém ou de alguns, que tenham beneficiado de oportunidades208, ou outras situações sociais subjectivas. Assim

sendo, segundo a noção dada pela OCDE209, a transparência é tida como “o

resultado da mútua comunicabilidade entre os governos e os seus concidadãos, que se vai configurar na perspectiva orçamental, financeira e monetária, e no domínio do comércio internacional.”

No entanto, a Prof. ELISA RANGEL entende que “a transparência parece resultar sempre que estejam em presença de interesses de vários actores, ou salvaguarda de interesses de uns por mandato de outros, pelo que importa ter garantias de que a sua actuação é de modo visível, disponível e avaliável que viabilizará uma maior abertura para solicitação de prestação de contas, que pode conduzir à responsabilização, por não observância das regras a que esses actores se achem sujeitos”210.

A transparência revela-se como um dado fundamental para a boa governação, mas a sua falta, embora muitas vezes não seja a consequência directa e imediata, é sublinhada e considerada, grosso modo, como sinónimo de corrupção211.

208 RANGEL, ELISA, Ob. Cit., Pág. 414.

209 OCDE – Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Económico. 210 RANGEL, ELISA, Ob. Cit., Pág. 400.

211 Corrupção em latim diz-se corruptione, o que significa “quebrado em pedaços” o estudo da

corrupção pode ser definido como a utilização do poder ou autoridade para conseguir dinheiro público para seu próprio interesse, de um integrante da família ou amigo. A corrupção está intrinsecamente ligada à gestão da coisa pública, SEBASTIÃO, FRANCISCO – Justiça Penal em Angola, Vol. II., 2011, Pág. 34 e 35.

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95 Aos gestores públicos, lato sensu, é-lhes exigida transparência nas suas funções como elemento de análise de desempenho durante o seu mandato político- administrativo, uma vez que a unidade, o organismo orçamentado ou os fundos autónomos, se constituem como pessoa jurídica própria constituída por massa patrimonial financeira que não se confunde com a pessoa do gestor, de um lado. Por outro, a transparência faz parte da amálgama de imposições constitucionais (Art.º 104º, nº 4, da CRA e Art.º 5º, da Lei n.º 18/10, de 6 de Agosto, Lei do Património Público).