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Ação dos alimentos na forma de crescer

No documento O mundo Panará em criação (páginas 92-101)

CAPÍTULO 2 O CORPO QUE CRESCE

2.6 Ação dos alimentos na forma de crescer

Enquanto o corpo está crescendo, muitas orientações alimentares e comportamentais são veiculadas no cotidiano, nos ambientes domésticos e até mesmo no discurso do pẽpa (aquele que fala- compreende-ensina). Ao formular que o modo de conhecer o crescimento corporal é constituinte da

93 socialidade, inspirando-se nas reflexões de Overing (1999; 2006), são consideradas as constantes ações para fazer crescer.

Nos argumentos que justificam o que o jovem e a criança podem ou não comerem estão impressos estes saberes, articulado ao interesse de um controle social no jeito de as pessoas crescerem. Portanto, a relação entre o alimento e o corpo é relevante, não apenas no sentido de o primeiro ser ofertado a outrem, conforme discutimos anteriormente, mas enquanto consumo mesmo.

No âmbito familiar mais íntimo, ocorrem os ensinamentos do pai para o filho e; da mãe para a filha, cultivando tais saberes ligados ao que cada alimento agencia no corpo. É no campo da intersubjetividade que se realizam os discursos e as práticas na construção desses conhecimentos. Essas experiências relacionais, tangentes ao aprendizado de tais saberes, manifestam-se, inclusive, como uma lembrança. Muitas pessoas com quem conversei sobre este assunto fortuitamente declaravam “Aprendi as regras com o meu pai e vou ensiná-las para os meus filhos”.

É contemplado que, enquanto criança, é a mãe que controla qual o alimento seu filho consome. É expoente nesta fase de crescimento, a responsabilidade dos pais no compromisso de seguirem as prescrições alimentares para fazerem crescer os corpos de seus filhos. Vale relembrar que são eles que assumem a iniciativa de pedirem aos homens mais velhos (toputũ) na casa dos homens (ikâpy) a gestão e a realização da festa da criança.

Pessoas que hoje são adultas relembram de seus desejos em consumirem carnes de determinados bichos na sua infância, mas que se viram frustradas pelo fato de a mãe tolhê-las, em função de tais orientações. Embora haja memória desses desejos irrealizados, aparece a valorização daquela pessoa que seguiu a orientação e contribuiu para a fabricação de seu corpo forte.

Muitos adultos preocupam-se com a permanência desses ensinamentos para os seus filhos, visando à fabricação neles de um corpo forte e animado. Escutei de um deles que está esperando crescer para ser pẽpa quando, então, comunicarão os saberes ligados aos alimentos por meio das oratórias nas aldeias.

Nesta oportunidade, pude perceber que não é apenas no ambiente doméstico que incide a construção destes saberes, na medida em que os mesmos são veiculados pelas autoridades públicas, as quais assumem a corresponsabilidade pelo ensino deles, notadamente, os pẽpa (aquele que fala- ensina). Além de aos mais velhos serem atribuídas as competências da gestão das festas, das expedições de caça, da edificação de casas, inclui-se a participação deles na construção dos corpos das pessoas.

Fazer crescer, contudo, é constituinte da socialidade, operante nas ações dos mais velhos no centro da aldeia e nas dos adultos nas relações intersubjetivas, desenvolvidas no dia-a-dia.

94 Apresentam-se algumas prescrições alimentares, sublinhando que as mesmas são voltadas às crianças, às moças e aos rapazes, cujos corpos estão em crescimento, portanto, imaturos ainda.

O que é recomendado não ser consumido pelos mais jovens, em contraposição é permitido aos mais velhos, homens e mulheres, contornando o fato de que as prescrições não são voltadas às pessoas que já têm os seus corpos fortes e grandes.

O interesse em produzir um corpo corajoso e disposto ao trabalho reincide nas justificativas de algumas orientações alimentares. No entanto, esclarece-se que é amplo o repertório das prescrições alimentares abrangendo preocupações com outros aspectos ligados ao crescimento dos produtos cultivados na roça; à cura dos corpos adoecidos de parentes próximos; à fartura na produção de mel; ao jeito de consumir a carne dos bichos para os espíritos ligados a eles não ficarem bravos, limitando a oferta deles à caça; ao sucesso na caça; aos cuidados com a menstruação, entre outras coisas.

Quanto à intenção em fazer crescer o corpo humano, destacam-se que as carnes de veado, paca, capivara e cutia são permitidas aos jovens, porque os corpos destes bichos são bonitos e altivos. Esses alimentos são concebidos como capazes de fazerem o corpo crescer bonito e altivo tal como estes bichos os são.

Os jovens não podem comer a carne de porco que é criado na aldeia, porque ficarão cansados. A preocupação é que eles não sejam trabalhadores, “Não vão ajudar os sogros”. A carne de tracajá é interditada aos jovens uma vez que eles ficarão medrosos tal como o tracajá o é. Além disso, faz o corpo deles ficarem magros, “Não fica forte”.

Igualmente as carnes do jacu, da jacutinga e da arara não devem ser consumidas, já que são bichos medrosos, e os jovens se consumirem a carne deles ficarão magros, fracos e medrosos. Já aos mais velhos é permitido. A carne da capivara é incentivada como um alimento porque ela faz o corpo ficar forte e gordo. O jacaré é recomendado, visto que a pessoa fica sem medo do rio.

Relativo à anta, é interditado à moça consumir a carne da região da vagina, permitindo-lhe apenas a parte da genitália masculina. O mesmo com o rapaz, a ele é apenas permitido consumir a região feminina, se o rapaz comer o testículo da anta, crescerá e ficará grande o dele também.

Antigamente, eram consumidas as carnes de sucuri e de outros tipos de cobra visando à coragem e a força delas, inclusive, passava-se a banha na canela e na coxa para elas ficarem fortes. No caso da sucuri, o consumo dela também fazia a pessoa não ter medo do rio.

Os exemplos revelam a concepção de que o corpo humano é dinâmico e que há possibilidades múltiplas na maneira de ele crescer, abrangendo a sua aparência física e seu comportamento. As características destacadas nos corpos dos animais aparecem como atributos que os especificam. Ter “saco grande” é do corpo da anta, ser medroso ou fraco são comportamentos que especificam os corpos da jacutinga, do jacu e da arara.

95 Compreende-se que as prescrições alimentares são fundadas na concepção de que o corpo humano é dinâmico, instável, incompleto e passível de ser construído. Paralelamente, apreende-se que as carnes dos bichos podem atuar na transformação dos corpos das pessoas que as consomem, sobremaneira daquelas em crescimento.

O interesse em controlar a dieta dos jovens e das crianças se correlaciona à percepção de que se pode manejar essas transformações que as carnes dos bichos são capazes de fazer. Se o bicho apresenta comportamento corajoso, essa característica é compreendida como parte do corpo dele, desdobrando-se como uma força transformativa nos corpos humanos.

Se a carne da sucuri pode tornar um corpo corajoso, não se trata que o consumidor virou sucuri, mas corajoso como ela. São específicos comportamentos e aparências físicas que se tornam destacados num dado animal conforme a maneira de eles serem observados e assimilados. Incorre uma seleção de o que se reconhece como presente no corpo destes bichos, constituindo-se como alvo de desejo.

Não é novidade na disciplina reconhecer que os diferentes povos na América do Sul apresentam uma filosofia social ligada ao corpo em que a percepção dele como incompleto e passível de ser construído é imperativa (DAMATTA, 1971; SEEGER et al..., 1987; COELHO DE SOUZA, 2001; VIVEIROS DE CASTRO, 2002).

Em Viveiros de Castro (2002), mantém-se essa abordagem do corpo humano como incompleto, reiterando-o como uma fabricação contínua. Mas em sua formulação, o autor ainda considera que os povos ameríndios percebem os animais como pessoas, dotados de alma e, portanto, da capacidade de ter um ponto de vista de mundo, compartilhando a mesma cultura que os humanos, decorrendo no fato de que a relação entre animais e humanos pode ser de caráter social.

O autor argumenta que os esforços em modificar uma pessoa não se voltam à transformação da alma, mas do corpo. Este último é definido como lugar de afetos, capacidades, hábitos, costumes, enfim, como sendo a referência explicativa de um específico jeito de ser. A anta é distinta da onça, como do jacaré e assim por diante, convertendo as manifestações comportamentais como atributos que particularizam os corpos de cada espécie.

Ele advoga que no pensamento ameríndio a diferença entre os seres (reconhecidos como pessoas) não se baseia nos aspectos fisiológicos, nem nos espirituais, mas nos jeitos de sentir e de fazer. É sob este prisma que a possibilidade de redefinir as afecções de uma pessoa implica em necessariamente mudar o corpo dela, tornando inteligível este último realizar-se como local, por excelência, para a construção social do parentesco.

O alimento é, então, compreendido como detendo uma força transformativa e, por isso, é relevante o controle de o que se come ou não. Recomenda-se evitar o consumo dos animais, cujas

96 capacidades e afetos são desvalorizados, pois a carne deles, igualmente, têm força transformativa, reiterando que o alimento é algo a ser controlado, dada essa maneira de percebê-lo como agente criativo.

Discutimos, anteriormente, que o corpo revela o seu comportamento social, pois muitas pessoas baixinhas são assimiladas como aquelas que tiveram relações sexuais cedo, antes de crescer. Do mesmo modo, afetos e comportamentos de uma pessoa podem espelhar os hábitos alimentares dela. Antepõe-se a idealização em manejar o crescimento, praticando um controle consciente de o que se consome ou não a favor da construção de um corpo forte, corajoso e disposto. A intenção humana é a que conduz a manipulação da carne e o consumo da mesma. As orientações dadas voltam- se à seleção e ao controle de o que ingerir.

O que está em questão é a premissa de que as competências podem ser transversais aos animais e aos humanos como a força, a agilidade para correr, a coragem e a braveza, assim como aquelas indesejadas como o medo, a vagarosidade, a fraqueza, entre outras. Estas últimas, por sua vez, quando reveladas no comportamento humano, são assimiladas como desvios das prescrições alimentares.

É expoente o ponto de vista de que os corpos presentes no mundo têm capacidades criativas e transformativas noutros corpos. Mesmo que indesejadas as afecções da fraqueza e do medo, por exemplo, se houver o consumo de carnes dos animais que as possuem, a agência transformativa de tal alimento se desenvolverá naquele corpo que consumiu tais animais. Portanto, os casos de pessoas que não resistiram ao consumo daquelas carnes que são recomendadas a serem evitadas, terão seus corpos construídos por elas.

É reiterada a percepção de um corpo que não nasce pronto e que a sua configuração em termos comportamentais e físicos é uma fabricação, conforme já apontado por Viveiros de Castro (2002). De modo associado a isto, observa-se que o engajamento em construir um corpo forte, disposto e corajoso envolve a inconstância da capacidade de controlar os hábitos alimentares. Ao considerar os conhecimentos acerca das prescrições alimentares, enfatiza-se que as mesmas não retratam o comportamento cotidiano das pessoas em crescimento, porque o desvio delas é parte constituinte do socius também.

Alguns rapazes e moças (piãtuê e piõtuê), hoje em dia, afirmam o descrédito desses conhecimentos. Segundo Tukokian, eles dizem, “Pessoal de antigamente não sabe nada” (informação verbal)68. Paturi, similarmente, depôs que os novos não se interessam mais, “Eles não acreditam no

pai e na mãe” (informação verbal)69.

68 (TUKOKIAN, aldeia Kôtikô, 2017) 69 (PATURI, aldeia Sõkwê, 2017)

97 A mudança no padrão alimentar abrange de um lado, o afrouxamento da prática quanto às prescrições alimentares e, de outro, o consumo estabilizado de alimento não indígena. Esses jovens nasceram num momento em que a alimentação não indígena já fazia parte dos hábitos alimentares de suas famílias. É importante discernir que os adultos de hoje são aqueles nascidos no Parque Indígena do Xingu, posterior ao contato com a frente dos irmãos Villas Bôas, nos anos 70. Tratam-se daqueles com quem tive oportunidade de conviver quando eram rapazes e moças, no período que trabalhei em Nãsêpotiti, em 1998-99.

Eles já nasceram e cresceram numa realidade em que o consumo de alimentos preparados da caça, da pesca, da roça e da coleta impunham-se. Foi num período em que já estavam adultos que a alteração dos hábitos alimentares começou a se desenvolver. Pode-se compreender que o referencial biográfico deles é diverso daqueles jovens dos tempos atuais. Ainda que os adultos de hoje valorizem a importância dessas prescrições alimentares, creditando nelas a potência de construírem um corpo forte, eles mesmos também são responsáveis pela manutenção do consumo de alimentos não indígenas quando empenham-se em comprá-los e prepará-los.

Foi observado o consumo de arroz, feijão, macarrão, biscoitos, frango congelado, óleo, sal, açúcar, café e leite disseminado em todas as famílias. A alteração nos hábitos alimentares é mantida pelo interesse de todas as gerações, desde os mais velhos até os mais novos. Todos demonstram-se apreciadores dos novos sabores que agora fazem parte de seu universo de desejos de consumo.

Fração dos recursos da aposentadoria; dos salários de professores, de agentes sanitários indígenas, de auxiliar de enfermagem; e do arrendamento de terra para a pecuária entre outros são visados para o consumo de bens e de alimentos não indígenas. Além disso, há a própria merenda escolar fornecida pela prefeitura de Guarantã do Norte-MT que contribui para a permanência de tal hábito alimentar.

Algumas pessoas situam que essa modificação do padrão alimentar começou a se desenvolver na época em que as famílias panará receberam recursos financeiros em função de uma indenização recebida da União e da Fundação Nacional do Índio, no ano de 2000, a qual girou em pouco mais de um milhão de reais, à época, para a comunidade Panará.

A compra de alimentos não indígenas e o afrouxamento na produção da roça foram novos comportamentos adjacentes a tal indenização. Muitos depuseram sobre o consumo indiscriminado de tais recursos que, hoje são afirmados como inexistentes70.

70 Esta ação foi movida desde 1994 e teve como motivo a reparação dos danos materiais e morais sofridos pelas famílias panará desde o contato, em 1973, até 1994, quando foram transferidos à Terra Indígena Panará, então delimitada. Lendo a ação (REVISTA DO TRF, 2000), é possível capturar informações que, inclusive, destoam daquelas quecostumaram ser veiculadas nos documentos oficiais, bem como no jornalismo impresso acerca da transferência dos 79 panará sobreviventes. Destaca-se a demonstração da falta de uma equipe médica presente na Frente de Atração Peixoto de

98 Limitada em definir historicamente como essa alteração no padrão alimentar se desenvolveu e permaneceu na realidade cotidiana das famílias panará, importa discutir que a mesma altera o jeito de o corpo crescer, conforme o ponto de vista recorrente entre as pessoas desse povo.

Conforme a avaliação do senhor Akâ, “Nós comemos arroz, açúcar, macarrão, feijão, por isso ficamos fracos”, complementando adiante, “Nós antigos comíamos coisa boa” (informação verbal)71.

Reconhecer a comida do branco como prejudicial na formação de um corpo forte e animado é recorrente entre as pessoas, no entanto, isso não tem inibido a continuidade do consumo de tais alimentos, ainda que percebidos como ruins.

Essa observação é significativa para, inclusive, discernir que seguir as prescrições alimentares, mesmo entre os antigos, não significa praticar um comportamento ortodoxo, pois a relação entre o ideal e a prática não é harmônica, equilibrada e estável, o que reitera a perspectiva de que não há um controle pleno das forças transformativas.

Tal ponderação é relevante para compreendermos que a relação com o alimento não é determinada absolutamente pelas orientações reificadas nos discursos dos mais velhos, bem como nos do pai e da mãe. Inscrevem-se o desejo, o prazer e a tentação que contornam, de modo desestabilizado, o comportamento efetivo das pessoas na relação entre o corpo e o alimento.

É nesta dinâmica tensa e instável que se constrói a relação com a diversidade de alimento que se torna disponível ao consumo no dia-a-dia. Ainda que os desvios das prescrições possam se realizar, sendo admitidos, inclusive, preocupa-se a estabilização dos mesmos. Independentemente disso, impõe-se que a maneira de o corpo se fazer presente no mundo está diretamente associado ao que foi consumido por ele. A reflexão sobre a alimentação, portanto, é uma importante pauta para as pessoas panará, sob o prisma de contemplar o comportamento e a aparência física do corpo.

Costumam comparar que no tempo em que essa novidade alimentar não fazia parte do cotidiano, os homens saíam para caçar e andavam longe, carregando a caça em longa distância, sem

Azevedo, sob a responsabilidade da Funai, associada à falta de iniciativa em isolar uma área dentro do próprio território tradicional, evitando os contatos permanentes entre as pessoas panará e os empregados engajados na construção da BR- 163, os quais favoreceram o veículo e a propagação de gripe e diarreia que ocasionaram uma grande depopulação, além de introduzir o alcoolismo e a prostituição. Outras irresponsabilidades foram consideradas que violaram o dever de a Funai proteger as pessoas deste povo de recente contato, como um próprio funcionário desta autarquia federal ter praticado relações sexuais com meninas novas, além de ter sido acusado da introdução de práticas homossexuais. A transferência dos sobreviventes para o Parque Indígena do Xingu, em 1975, foi afirmada como arbitrária e refratária às próprias regulamentações presentes no Estatuto do Índio (Lei N° 6001 de 1973), na medida em que não foi determinada por um Decreto do Presidente da República, aliás, inexistente, tampouco antecedida pela busca de alternativas que contornassem as situações ameaçadoras em prol à conservação da população no seu território tradicional. Nesta ação reparadora de danos morais, considerou-se ainda a irresponsabilidade de o próprio Governo Federal não ter alterado o traçado da rodovia BR-163, mesmo sabendo da presença de um povo indígena na região, articulada à ausência de uma programação do Ministério de Transportes para garantir a segurança da terra tradicional do povo Panará, sendo omissos diante da invasão na região do Peixoto de Azevedo.

99 parar. Já os jovens, na atualidade, são retratados como fracos, porque não têm resistência, força e ânimo para caçar tal como os mais velhos têm.

O comportamento corporal é observado desde que se constitui como alvo de uma fabricação social. Ser fraco e preguiçoso é avaliado negativamente, na medida em que crescer forte e animado está intimamente relacionado à produção de cuidados mútuos no ambiente familiar. Garantir a sustentabilidade no dia-a-dia é um valor que o pai e a mãe da esposa estão observando. É comum os mais velhos, nas suas oratórias, chamarem a atenção de jovens que estão deixando os seus filhos chorarem de fome, porque não estão caçando e pescando.

Nesse momento em que o consumo dos alimentos não indígenas tornou-se um hábito, coexiste a preocupação em manter a caça, a pesca, a roça, a coleta, enfim, o consumo de o que pode ser generalizado como alimento dos antigos, um termo utilizado quando em comparação com este novo alimento do não indígena.

Portanto, a preocupação com os mais jovens se intensifica, ao passo que se observa que eles se apresentam como menos ativos e mais interessados com a escuta de música na televisão, no celular ou na caixa de som e, consequentemente, menos envolvidos de modo ativo nas ações de carregar madeira e palha, bem como de pescar, ajudando os mais velhos. Até mesmo foi comentado sobre o desinteresse deles permanecerem na casa dos homens, onde é local privilegiado para aprenderem e desenvolverem a confecção de cocares, cintos, cestaria entre outras peças.

Tais comportamentos são associados aos alimentos que estão sendo consumidos, cuja força ativa não é a favor do ânimo e da disposição. É recorrente o argumento de que eles alteram a qualidade do sangue, revelando a percepção de que a força ou a fraqueza, o ânimo ou a preguiça estão no sangue, dado que ele é explicitamente alterado pelo alimento.

Sôpôa, certa vez, indignou-se que uma vez foi arranhar e que seu “Sangue saiu fraco, como óleo claro” (informação verbal)72. É oportuno incluir o registro de que ele mesmo ficou preocupado

em se estimular a consumir mais os alimentos, conforme as orientações dos mais velhos, subvertendo a preguiça que seu corpo manifestava.

A estabilização do consumo de alimentos do branco, usando os termos que eles mesmos utilizam, é vista como uma força ativa no jeito de o corpo crescer, reconhecendo a associação desse tipo de alimentação com a preguiça e a fraqueza.

O corpo preguiçoso, por sua vez, é pensado sempre de modo associado a um comportamento social mais inativo e que prejudica, portanto, a própria condição de garantir a sustentabilidade de sua família, sob o compromisso de cuidar do outro. Está em consonância com a premissa de que o jeito

100 de o corpo crescer se revela no aspecto físico e comportamental e que é coextensivo à produção de

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