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Crescer é uma transformação corporal

No documento O mundo Panará em criação (páginas 62-73)

CAPÍTULO 2 O CORPO QUE CRESCE

2.2. Crescer é uma transformação corporal

Na história da Jaburu, o homem tinha pego uma filhote para criar, Nãpri ti pã (Jaburu estava filhote) conforme manifestado pelo narrador Sokriti. Pã é a palavra utilizada para retratar esta fase

27 Certa vez, Sokriti comentou que seu filho, Paturi, ainda era novo (intuê) para realizar estes discursos no pátio da aldeia. 28 (JÕKRÂ, aldeia Kôtikô, 2017)

63 do crescimento de quando é pequeno. Ela pode ser adotada para qualificar um pequeno córrego (pakiapã), uma folha pequena (sô pã), um milho pequeno (mõsysypã), além de conotar filhote quando conjugada a algum bicho, ou criança pequena ao envolver uma pessoa humana.

A narrativa segue discernindo que a cada acampamento, aquele filhote crescia. Tanto Sokriti como Sykian utilizaram a mesma expressão, Ky py mã saja para indicar que começava a aparecer pena no filhote (saja: pena; mã: indica a pessoa em quem a ação está acontecendo; py: marca a direção de um evento, precisamente, um movimento de deslocamento).

Igualmente, ambos usaram expressões coincidentes para indicar que no posterior acampamento o filhote cresceu e ficou grande, enunciando Jy to nâ. Jy assume aqui a conotação de um evento que de fato aconteceu; to é muito usado em situações que indicam o movimento de ir embora e nâ deriva de inâ que significa alto. Ao querer dizer que o filhote cresceu, inscreve-se a ideia do deslocamento da situação anterior de filhote, contornando o crescimento como ir embora para outra situação, notadamente, a de ficar grande30.

Paralelamente, é caracterizado que cresceram penugens e penas no corpo todo, identificando as presenças de penas pequenas e grandes nas asas e noutras partes. Jy nâ pampam kuyn foi uma frase comum enunciada por ambos os narradores demarcando esta outra específica fase do crescimento, em que a Jaburu estava coberta de penas. Jy nâ indicando que cresceu e pampam, situando que foi no corpo todo e kuyn, contemplando as penugens e penas31.

Remarca-se que a mesma palavra usada para “alto” assumiu o sentido de “crescer”, reconhecido também na seguinte oração pronunciada, Ky py mã inâ intuê, significando que cresceram peninhas no corpo da jaburu (intuê: pequeno; mã: no corpo da jaburu; ky py inâ: cresceu). Se inâ é um substantivo utilizado para qualificar, particularmente, pessoas altas, desdobra-se como verbo para caracterizar o movimento de crescer.

A descrição de cada movimento de crescimento da filhote faz parte da narrativa e ela é importante para definir que a transformação da jaburu-mulher em mulher-jaburu aconteceu quando o filhote deixou de ser como tal, precisamente, quando o seu corpo já estava coberto de penas, sendo estas últimas já grandes, além de ter aumentado a sua altura.

Crescer é, portanto, destacado nesta narrativa e a transformação aparece como situada, notadamente, quando a Jaburu já é grande. É revelada a atenção que se dá ao movimento do

30 Na narrativa de Sykian é afirmado, Nãpri jy ty twatũ tã – Jaburu morreu quando estava velha. (Nãpri: Jaburu; jy ty: morreu; twatũ: velha). Chama a atenção que tã é uma palavra que indica movimento em direção a algum lugar específico. Quando se conjuga uma fase de crescimento, notadamente, twatũ, ao tã, inscreve-se o sentido de que crescer é um deslocamento para outra situação, operando a noção do corpo como um movimento.

64 crescimento, sendo isso, portanto, parte intrínseca da maneira de perceber o corpo e a capacidade de transformação dele.

Enquanto a história enfatiza as mudanças na aparência física da Jaburu, as explicações adjacentes a ela estendem-se às considerações de outros aspectos. Conversando com Tukokian, ele me explicou que a Jaburu era filhote e que “Ela só virou gente quando cresceu até sĩtepeĩpêara” (informação verbal)32.

O aumento da altura da Jaburu e das suas penas foi correlacionado na explicação dele a uma específica fase de desenvolvimento das pessoas, na medida em que sĩtepeĩpêara é um termo genérico utilizado para aqueles reconhecidos como adultos.

Tanto o Tukokian quanto a senhora Jõkrâ usaram o termo sĩtepeĩpêara sob a intenção de enfatizar que o pessoal proveniente da Jaburu era alto. De um lado, está impresso o fenômeno de uma mudança de tamanho que no caso da Jaburu é grande, que cresceu muito. Neste aspecto, em particular, incorre uma oposição às pessoas baixas vindas da Anta, qualificadas como kiĩârĩsi (baixas), isto é, que pouco cresceram.

É operante o valor dado ao crescimento como um movimento que especifica pessoas altas e baixas, conforme já discutido anteriormente, sob a conotação de um atributo que diferencia corpos de Jaburu e de Anta. De outro lado, incide a atenção dada ao movimento do crescimento que é transversal aos corpos, independentemente de suas descendências específicas.

Portanto, considerar que a Jaburu cresceu até sĩtepeĩpêara, significa afirmar que ela cresceu até ficar adulta, além de ela ter crescido muito porque é alta e não baixa como o pessoal da Anta. De qualquer forma, põe-se em relevo que crescer é sinônimo de se tornar adulto.

Em relação às fases de crescimento de uma pessoa, há outras categorias sociais que ao classificarem quem é criança, jovem, adulto e mais velho, são observadas as alterações nas aparências físicas, as quais indicam este movimento do corpo.

O início do crescimento dos seios nas meninas é uma manifestação valorizada. Piõtuê é o nome dado à moça nova, sem filhos e tende a ser aplicado às mulheres que ainda estão com os seios pequenos, sob a perspectiva do aumento dos mesmos ser um devir.

Piãtuê é o nome dado ao rapaz novo, que já aumentou a sua altura e deixou de ser criança, isto é, uma pessoa crescida, mas ainda magra e fina e que não tem filhos. Sitekiatiĩtuê ou Sitekiĩtuê é o nome dado a outra fase de crescimento da mulher, em que o fato de os seios terem aumentado mais é considerado, sendo eles já grandes, somando à experiência de já ter começado a ter filho.

65 Sitepeĩpeĩtuê refere-se ao homem adulto que já está casado, que tem filho e com o corpo mais forte e desenvolvido. Sitekiatiĩpe ou sitekiati diz respeito ao momento em que a mulher já tem muitos filhos e começando a ter netos, além de ter o corpo mais largo. Para o homem, o termo correspondente é sitepeĩpe sendo notado o fenômeno de seu corpo ser largo e robusto.

É notável a consideração de que as moças e os rapazes, bem como os (as) jovens adultos (as) estão ainda sob o movimento do crescimento corporal. Já aqueles reconhecidos como adultos de verdade (sitepeĩpe e sitekiati) tendem a ter seus corpos mais largos, fortes e grandes.

A procriação é um dos atributos valorizado na consideração da dinâmica do crescimento. É acompanhado o movimento de quando uma pessoa tem pouco filho até ter muitos e depois de começar a ter netos. As mocinhas quando iniciam a sua vida conjugal podem ser consideradas como jovens adultas (sitakiatiĩtuê), igualmente, com os homens que podem ser reconhecidos como jovens adultos (sitepeĩpeĩtuê), durante o seu período inicial de paternidade.

No entanto, na época em que eu trabalhava na aldeia Nãsêpotiti, entre 1998 e 1999, observei que do ponto de vista dos mais velhos, havia uma tendência em permanecerem considerando-os como piãtuê (rapaz) e piõtuê (mocinha), mesmo eles tendo um ou dois filhos.

Portanto, reconhece-se uma instabilidade no posicionamento de uma pessoa em relação à sua fase de crescimento, sendo tênue a fronteira entre rapaz/mocinha e jovem adulto (a). A condição de os filhos serem pequenos também contorna este momento de os homens e as mulheres serem posicionados como jovens.

O reconhecimento de uma mulher como mais adulta acontece quando ela já tem mais filhos, podendo ser a partir de quatro, mas isso também tende a oscilar conforme outros atributos físicos que o corpo apresenta, sendo instável também a fronteira entre os jovens adultos e os adultos de verdade em relação à quantidade de filhos.

De qualquer modo, pode-se afirmar que ter seis ou sete associa-se a um momento em que o homem e a mulher são efetivamente reconhecidos como adultos de verdade, até mesmo porque já tem filhos mais crescidos. As categorias twatũ e toputũ para mulheres e homens mais velhos, respectivamente, referem-se às pessoas que já têm muitos netos.

A possibilidade de fazer pessoas pode acontecer sem o matrimônio. Hoje em dia, aliás, observa- se a incidência de mulheres solteiras que possuem muitos filhos a partir de namoros com diferentes homens, ou de mulheres separadas que não se casaram mais, no entanto, continuam a gerar mais pessoas, namorando outros homens.

Vale lembrar a história do Anta em que a mulher engravidou de um amante não implicando, necessariamente, o vínculo matrimonial entre os genitores. Portanto, antepõe-se o valor dado à multiplicação de pessoas, ainda que seja relevante a experiência do matrimônio.

66 Quadro 1 –Terminologia das fases de crescimento

Feminino Masculino Tradução superficial Algumas características

Intuê Intuê Neném Novo, osso mole

Ĩprĩ Ĩprĩ Criança Pequeno, pouco crescido

Piõtuê Piãtuê Moça/rapaz Altura maior, seio pequeno, osso duro

Sitakiatiĩtuê Sitepeĩpeĩtuê Jovem adulta (o) Seios grandes, muitos filhos, mais largo Sitakiati Sitepeĩpe Adulta (o) Corpo grande, filhos crescidos, poucos netos

Twatũ Toputũ Velha (o) Corpo grande, seios grandes, muitos netos

Fonte: construção da autora.

O vocábulo intuê refere-se à neném, mas também pode conotar o que é novo e imaturo. É notável que ele faz parte da composição dos nomes aplicados para rapaz – piãtuê – e para moça – piõtuê –, bem como para jovem adulta – sitakiatiĩtuê - e jovem adulto – sitepeĩpeĩtuê - reforçando, contudo, esta concepção de eles ainda retratarem o movimento do crescimento o que carrega o significado de pouco desenvolvimento corporal.

Já aquele termo sĩtepĩpêara adotado por Tukokian e Jõkrâ, ao tempo em que se referiu ao pessoal Jaburu que, particularmente, é alto, também considerou o deslocamento da fase de moça para a de adulta, o que implicou situar um momento em que a produção de muitas pessoas pôde se realizar.

Se ara indica coletividade, a versão em singular seria sĩtepeĩpe, cuja palavra é composta com o termo ĩpe. Este último pode assumir o sentido de intensificar determinada qualidade que está em pauta, significando muito e, sobretudo, é utilizado para distinguir a condição de algo ou alguém como uma verdade no sentido de ser uma realidade definida.

Neste particular, é necessário esclarecer que não parece operar a ideia de uma propriedade absoluta e intrínseca às coisas. Ainda que algo possa ser considerado ĩpe (verdadeiro), antepõe-se a noção de uma realidade que se tornou estabilizada como tal, ainda reconhecendo que isto prescinde de um movimento anterior que contribuiu para configurar tal verdade.

Esta noção aparece, inclusive, na própria narrativa da Jaburu. Primeiro ela era jaburu de verdade, depois ela virou gente de verdade e permaneceu como tal. Esta palavra ĩpe, portanto, assume este sentido de identificar uma condição estabilizada a qual foi engendrada por um movimento anterior a ela.

É nesta perspectiva, portanto, que se compreende o termo sĩtepĩpe, conotando o deslocamento para uma fase de adulto, firmando-se como tal, sob a noção de que este crescimento prescindiu de um

67 movimento antecedente. Crescer até adulto significa o deslocamento das fases anteriores, conotadas como imaturas, expressas nos termos intuê (neném), prĩ (criança), piõtuê (moça) e piãtuê (rapaz).

Desse modo, inscreve-se na percepção do crescimento a noção de que ele é um movimento orientado para a procriação, o que é valorizado na formação de pessoa, ter muitos filhos e netos é uma fase de prestígio social.

No cotidiano da vida comunitária panará, o tamanho dos seios é notado e quando eles são grandes, isso é justificado porque a mulher já teve filhos e amamentou. Inclusive, durante os banhos no rio, muitas vezes as mulheres jovens e mais velhas insistiam em me questionar se eu tinha filhos porque os meus seios eram grandes e quando eu respondia negativamente, elas achavam muito estranho, comentando: “Mas os seus seios são grandes”.

O tamanho dos seios se associa ao fato de ter ou não filhos. Observamos que a distinção entre a mocinha e a mulher adulta pode ser baseada neles também, a primeira com pequenos e a segunda com grandes, conforme a senhora Krempy33 enfatizou.

Produzir pessoas é uma transformação corporal revelada no aumento do tamanho dos seios e essa alteração do corpo é notada. É emblemático caracterizar as mais velhas (twatũ) como aquelas pessoas que têm muitos netos e, inclusive, que tem seios maiores. A produção de mais pessoas torna- se considerada como crescimento do corpo.

Na história da Jaburu, a jaburu-mulher transformou-se em mulher-jaburu depois que o filhote cresceu até adulto. A transformação corporal de crescer foi a condição para ser concebida a metamorfose em gente e, por decorrência, o momento para acontecer a aliança matrimonial com o homem. Além disso, foi depois de casada que ela se transformou em outras pessoas formando uma aldeia nova do pessoal jaburu. É enfática a percepção de que a produção de mais pessoas é subjacente à fase adulta, pondo em evidência que o crescimento do corpo antepõe-se e, acima de tudo, configura- se como condição para o desenvolvimento da multiplicação de pessoas.

Tukokian me explicou que a Jaburu apenas se multiplicou depois que menstruou e essa ação converte-se noutra expressão de transformação corporal, compreendida como manifestação de crescimento, em que a produção de mais pessoas pode acontecer.

Nas palavras de Sykian: “Jaburu era verdadeira, era pequena no começo, ela cresceu, virou e ficou Panará” (informação verbal)34. Ao ser afirmado que agora “Nãpri é Panará” (Jaburu é Panará),

reitera-se de um lado, que acabou a transformação em jaburu-mulher, fixando-se como gente. De outro, envolve o histórico de que as mulheres vindas da Jaburu se casaram com os homens tendo filhos e que estes crescidos também se casaram, perpetuando a reprodução de pessoas jaburu. 33 (KREMPY, aldeia Nãsêpotiti, 1999)

68 Conforme enunciou o Kiampopri, “Agora Jaburu vem do Panará” (informação verbal)35. O

crescimento é, portanto, decisivo na maneira de se conceber a transformação da jaburu-mulher em mulher-jaburu que, por sua vez, articula crescimento e produção de mais pessoas.

Na história da Velha, é explicitada a noção de que seu corpo pôde se multiplicar em muita gente como se isso fosse uma potência dele mesmo, já que ele já estava bem crescido. Se velha é ter muitos netos, porque ela multiplica-se, confundindo-se como expressão de seu crescimento, é significativo que aquela mulher que virou muitas outras mulheres era mais velha (twatũ).

O estatuto de velha assume o sentido de uma fase da vida específica que, por sua vez, tem íntima relação com a produção realizada de pessoas. Contudo, na história da Velha, o termo twatũ que a qualifica assume o sentido dessa potência de multiplicação. Conforme enunciou Sykian, Twatũ ti hĩ ikjêti – Velha virou muitas pessoas36 (Twatũ: velha; ti hĩ: virou; ikjêti: muito).

Na história da Jaburu, a multiplicação dela é associada também ao fato de ela ter muitas penas, intensificando mais a quantidade de pessoas que ela virou. Em todas as versões ligadas à narrativa da Velha é emblemático descrever a antiga situação em que existia uma única senhora com quem os homens namoravam e por ela estar cansada de ter relações sexuais, ela orientou os homens a cortarem- na para multiplicar-se em outras mulheres com quem eles pudessem se casar e tivessem filhos.

Figura 4 – Netas de Pâripôa

Foto: Acervo da autora, aldeia Kôtikô, 2017.

35 (KIAMPOPRI, Poconé, 2012). O Kiampopri também participou do seminário “Mapeamento das Mitologias” ocorrido em Poconé-MT. Em conversa pessoal, ele desenvolveu explicações sobre a história da Jaburu que foi apresentada oralmente por Mĩkre.

69 Conforme discutimos acima, a autoridade dos mais velhos é socialmente reconhecida, já que eles têm compreensão fortalecida acerca das coisas do mundo. Há atividades específicas que só podem ser assumidas por aqueles que são toputũ, justamente porque são homens crescidos e, então, podem ensinar. Pẽpa é uma delas (discursos no pátio central), inkreantê é outra (fazedor de festa). A iniciativa de propor festa bem como a de assumir o incentivo e a animação do coletivo para participar das atividades ligadas a ela é praticada por aqueles mais velhos.

Observamos que ter muitos netos também é outra consideração que configura status a eles, inscreve-se a ideia de experimentar corporalmente a produção de filhos, assim como ter possibilitado a multiplicação de muitas pessoas.

O fato de o crescimento ser uma pauta relevante para as pessoas panará reincide quando na narrativa da Jaburu, depois de casada com o homem, ela ainda se transformou em mais pessoas, cada qual numa fase de crescimento, abrangendo os gêneros feminino e masculino. É especificado que as crianças se transformaram das penugens, os mais jovens das penas e os adultos das penas grandes. Neste momento, Sokriti identificou Ĩkuyn pã pampam priara – De todas as penugens vieram as crianças (ĩkuyn pã: penugens; priara: crianças). Seguiu detalhando, Sitepe ĩkuyn sikiã - Os adultos viraram das penas das asas (sitepe: adultos; sikiã: asa) e depois afirmando, Pampam sitepe inkjara kow ra impyara kow ra inkjara – Tudo virou, mulheres adultas e homens adultos (inkjara: mulheres; impyara: homens; kow ra: viraram).

É explicitada a preocupação em correlacionar o tamanho das penas e a fase de crescimento das pessoas que vieram das mesmas, no sentido de que tanto as penas como as pessoas experimentaram o deslocamento para outra situação deste movimento do crescer.

Na história da Velha, contada pela senhora Jõkrâ, incide a mesma ênfase em demarcar que as mulheres transformadas dos pedaços de sua carne cortadas pelos homens eram adultas e bonitas. Tal como é afirmado que eles se casaram com elas e as engravidaram. Ambas as narrativas coincidem neste fato de as mulheres estarem numa fase de maior crescimento, em que a multiplicação de mais pessoas aparece a ela associada.

Relativo às categorias vinculadas ao crescimento, pondera-se que elas não são manejadas sob o horizonte de enquadrar as pessoas como pertencentes à determinada fase, estabilizando fronteiras fixas entre elas. Observa-se um dinamismo na maneira de classificar as pessoas, em que diferentes aspectos podem ser mais enfatizados que outros, ora as alterações na aparência física, ora o domínio de determinados saberes e práticas sociais, sem perder de vista a articulação entre ambos.

Em 1998, tive a oportunidade de conhecer a festa denominada suampiu, a qual a primeira menstruação de uma moça é celebrada, tornando público o seu casamento que, por sua vez, passa a se manifestar por meio de uma vida conjugal, não consumada até então. Essa festa é patrocinada pelas

70 famílias que pertencem ao mesmo clã da moça menstruada. Num determinado momento dela, todos os jovens e adultos, homens e mulheres que são do clã que promove a festa vão dançar e cantar no pátio central. Há uma rotatividade entre as pessoas, de modo que a dança é realizada com duas ou três pessoas de cada vez (às vezes, até quatro). Na festa do clã krenõwãtêra, ligada à primeira menstruação de Sampu, casada com Naprâprâa, alguns jovens iriam dançar pela primeira vez. Testemunhei um homem já adulto procurar uma pessoa mais velha para lhe ensinar como se cantava a música. Ele o fez um pouco antes de assumir esta atividade publicamente.

Dois aspectos são detectados nesta questão, um deles é que a manifestação pública do conhecimento daquele homem adulto, ligado àquelas específicas dança e música, dependeu do momento da realização de uma festa patrocinada pelo clã ao qual ele pertencia e que era imperativa a sua participação. O outro, é que a prática da dança e do canto não significou, necessariamente, a manifestação pública de um saber já dominado. Neste caso, não era a primeira vez que ele realizaria tal exibição no pátio central, desvelando os contextos específicos dessa festa como oportunidades para aperfeiçoar o seu conhecimento. Põe-se em evidência, ademais, que o aprofundamento de saberes acontece na prática, sob o julgo de eles terem momentos adequados para começarem e continuarem a se desenvolver publicamente.

Associado a tais considerações, o crescimento do corpo é outra questão importante. As crianças pertencentes ao clã dono da festa não compõem este conjunto de duas ou três pessoas que, rotativamente, dançam e cantam ao longo de vários dias, no pátio central, pintadas e ornamentadas adequadamente. São incorporadas para a participação dessa exibição púbica apenas aquelas pessoas mais crescidas e que já não são mais crianças.

Os rapazes, as moças, os adultos e os velhos, homens e mulheres são os que compunham o conjunto de dançarinos. Sendo assim, o crescimento corporal é parte da construção das condições sociais para os conhecimentos serem mais aprofundados. Mesmo assim, é importante partilhar que as crianças invadem o pátio central interessadas em dançarem junto às gerações mais velhas, porém, sendo expulsas e muitas vezes, nestas circunstâncias, nominadas como sampanõ (sem conhecimento). Ou, elas podem se juntar formando um grupo e dançando em outro espaço da aldeia, mais distante, realizando o seu desejo e a sua maneira específica de participarem da festa.

O envelhecimento é valorizado na coletividade panará, o que vai ao encontro com o debate de

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