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Crescer para cuidar

No documento O mundo Panará em criação (páginas 149-160)

CAPÍTULO 3 O CORPO QUE CRIA

3.3 Crescer para cuidar

No capítulo anterior, foi discutido que no crescimento dos corpos incorre a agência de artefatos, plantas, árvores, festa sob a perspectiva de que as plurais presenças no mundo são concebidas como dotadas de forças criativas e transformativas. Dentre as múltiplas agências operantes na criação das crianças, estendendo-se à dos rapazes e das mocinhas, elas em comum, se conectam ao interesse em construir um crescimento, cujas afecções dos corpos revelem a capacidade de cuidar do outro.

Para além de as crianças serem cuidadas para se tornarem parentes (COELHO DE SOUZA, 2001), descortina-se também o interesse de elas serem construídas para cuidarem do outro.

150 Avançaremos agora para o discernimento de que, se a relação entre adulto e criança é abordada em termos de criar, a relação entre aqueles que já estão mais crescidos é em termos de realizar a reciprocidade dos cuidados.

A oferta de alimento constitui-se como expressão de um cuidado, conforme indicado na história da Jaburu e, que nela se revelou, notadamente, na relação entre o marido e a esposa. Mas a circulação do alimento no cotidiano não se restringe à criação ou à consolidação de matrimônio porque ela também abrange vínculos entre o irmão e a irmã; a avó e o neto; a mãe e o filho, reais e classificatórios.

Ademais, a busca compreensiva de como as dádivas acerca do alimento se desenvolvem não está dissociada da consideração de que no crescimento dos corpos, há esforços pessoal, familiar e coletivo para manejarem agenciamentos orientados à produção de força e disposição neles, considerando o devir de que relações poderão ser ativadas por meio da expressão dessas competências almejadas. A produção do alimento depende delas de um lado; e de outro; proporciona a ativação dessas relações, o que foi explorado no capítulo 2.

Portanto, a reciprocidade é aqui estudada como uma extensão dessa discussão anteriormente explorada em torno do crescimento dos corpos articulado à noção de que fazer crescer é uma construção social, agenciada por múltiplas forças criativas e transformativas e que o alimento, inclusive, é umas delas, conforme dissertado neste mesmo capítulo 2.

O interesse agora é aprofundar acerca de quais são essas relações que se ativam por meio da troca de alimentos, sob o prisma de que as mesmas indicam quais os vínculos sociais são valorizados para serem reatualizados, tornando-os configurados como expressões de uma dádiva.

Enquanto pôde ser reiterado o caráter daquelas relações que têm consonância com o que temos discutido, tangente à criação e à consolidação de laços entre a esposa e o marido, associado àquela entre a sogra e o genro; bem como entre os filhos e os pais de criação, outras serão apresentadas, ampliando a nossa compreensão acerca dos vínculos sociais visados que se articulam a esse valor dado à troca de cuidados.

Pela afinidade com os argumentos de Wagner (2010; 2012), visa-se a não estabilizar identidades de pessoas, grupos ou outras instituições a favor de uma maior atenção à mudança possível de essas mesmas pessoas desenvolverem diversas relações produzindo contextos sociais de ação diferentes. Centra-se esforços agora para especificar as múltiplas possibilidades de interações entre as pessoas tangentes à troca recíproca de alimentos.

Concentrou-se em como é distribuída a carne de caça e, de um modo complementar, atentou- se nas ofertas de outros alimentos como de carnes cozidas, pedaços de torta de mandioca com carne recheada, arroz cru ou cozido, e outras comidas preparadas pelas mulheres.

151 Por meio da forma como os pedaços da carne de caça são distribuídos, explicita-se que o vínculo do filho com a sua família natal permanece cultivado, paralelamente à ligação dele com a sua esposa e sogra. Uma das relações que são ativadas é aquela entre o filho e a sua mãe.

Nesta questão, em especial, no ponto de vista do homem, predominou a concepção de ofertar parte de sua caça para a sua mãe e não para o seu pai o que, igualmente aconteceu quando a carne foi tida como doação à sogra e não ao sogro.

Mas isso não se explica apenas pelo fato de a carne ser expressão da contribuição masculina na produção do alimento porque noutras relações capturadas, aconteceu a concepção de valorizar a referência do homem como receptor de sua doação e não a esposa dele, o que apresentaremos logo adiante. Fica explicitado, então, que há uma relação específica entre o filho e a mãe.

No entanto, a oferta de carne não considera a mãe, isoladamente, ao contrário, ela se desdobra como uma mediação para realizar a contribuição do filho com o seu pai também. Em contrapartida, enquanto o pai tem força e disposição corporal para continuar caçando, ele permanece participando da produção do alimento em sua casa, trazendo caça para a sua esposa.

Além disso, subsiste o interesse de que pedaços de carne sejam destinados às casas de seus filhos e filhas. Nesta oportunidade, esclarece-se que o filho solteiro também ajuda na oferta de carne para a sua família, bem como as crianças também podem ajudar a trazer o alimento porque gostam de pescar no rio próximo da aldeia.

Portanto, o alimento circulado na casa do pai contempla a contribuição do filho, tal como na casa deste último, tem a ajuda do pai. A troca recíproca de alimentos entre o pai e o filho é reconhecida como expressão de uma dádiva que se configura como uma reatualização dos vínculos do filho com o seu pai e sua mãe.

Não é incomum encontrar com pessoas que na infância foram dadas para outra família criá-las, sem interromper, no entanto, o vínculo delas com aos seus pais reais. A mãe de criação e a avó de criação são valorizadas na distribuição dos pedaços de carne do filho e neto, respectivamente.

Na circulação de alimento é incluída essa possibilidade de ela envolver uma relação específica do caçador com a mãe ou a avó de criação, o que explicita essa importância dada a quem criou, em que a referência feminina é preponderante. Essas relações aparecem porque elas foram retratadas em termos de o caçador dar para a mãe ou para a avó um pedaço de carne.

A criação impõe-se como produtora de relações específicas, cujo valor social é expoente. Por meio dela, é expandida a relação social com outra família. É feita a ressalva de que a mãe real não é marginalizada porque ela também é considerada na distribuição. Por desdobramento, demonstra que a relação de filiação real é, paralelamente, valorizada, na medida em que tais vínculos não foram rompidos pela condição de seus filhos serem criados noutras famílias, conforme já discutido.

152 Identificam-se, até então, as ligações específicas do filho com a mãe e do neto com a avó que, salvaguardadas as distinções entre elas, é invariante o fato de elas serem significadas como de cuidados mútuos. Registra-se aqui o enunciado de uma dessas pessoas que foi criada pela avó que explicita o caráter de uma dádiva nesta relação: “minha avó cuidou de mim, desde criança e agora, eu cuido dela” (informação verbal)117.

O fato de os pais e os avós, reais ou classificatórios, terem criado as crianças e de esse vínculo entre eles ter perdurado ao longo do crescimento implica na configuração de dádivas envolvendo tais pessoas. Os caçadores já crescidos estão preparados para retribuírem os cuidados recebidos. Essa dádiva pode ser reconhecida na relação com o pai e a mãe, com a avó e o avô (maternos e paternos) que lhes criaram quando estavam em crescimento, tal como acontecia com a sogra, quando ela ajudava a criar o genro, conforme discutido acima. Cuidar e ser cuidado, contudo, é explicativo de relações específicas que se revelam por meio de como o alimento circula.

Ademais, os homens crescidos podem ativar novas relações por meio da troca recíproca de alimentos. O fortalecimento da relação de germanos é visado e ele se reconhece na ligação específica entre o irmão e a irmã, e naquela entre o irmão e o irmão. Discrimina-se que a circulação de alimento entre eles é praticada recorrentemente. Ela permanece até o envelhecimento e, por ser um laço ativado continuamente, indica a importância dada à referência da família natal. Os pais deles morrem, e a aproximação entre as pessoas com a mesma filiação permanece cultivada.

Decorre que o alimento comungado numa casa pode contar com a contribuição do pai e do irmão, além da irmã que realiza a sua dádiva por meio da caça do seu marido, o cunhado. A aproximação entre eles, independe de residir numa mesma casa. Evidencia-se que a experiência de ter partilhado a mesma casa, comungado do mesmo alimento, sobretudo, no momento do crescimento até rapaz ou mocinha, engendra um vínculo potente, tornando-se referenciais significativos, mutuamente.

Tangente a aqueles que são considerados como irmãos, cuja relação é esperada ser mantida ao longo da vida, incluem-se as pessoas que tanto possuem uma idêntica filiação, como as que possuem apenas a mãe em comum ou o pai.118 Enquanto o vínculo do pai com os filhos pode ser rompido pela separação ou falecimento, aquele entre os filhos deles tende a ser mantido, reiterando a importância dada à relação de germanos.

117 (SÃKÔRÃ, aldeia Nãsêpotiti, 2017)

118 É enfática a importância da relação entre irmãos e isso pode ser explicitado numa ocasião em que uma pessoa informava que antigamente os feiticeiros foram mortos pelos próprios parentes, destacando que até o irmão o fazia. Ao tempo em que valorizou essa relação específica entre irmão e irmão, pôs em relevo que o feiticeiro é tão menosprezado socialmente que até o irmão ajuda a aniquilá-lo.

153 Reforçando isso, num caso de uma separação conjugal, cuja mãe ficou sozinha com muitos filhos em sua casa, um de seus irmãos, passou a residir com ela a fim de contribuir na construção cooperativa do alimento. Por ele ser casado, levou a sua família consigo, o que implicou em não seguir o padrão uxorilocal.

Igualmente, um dos filhos casados dessa irmã também permaneceu residindo com a sua mãe. O alimento apareceu como mobilizador do encontro íntimo e cotidiano da irmã e do irmão, bem como da mãe e do filho, revelando que essa relação social foi constituída pelo interesse em cuidar119.

Variações de relações são construídas em função de desenvolver cuidados mútuos, entre as quais, as relações de germanos é expoente.

Ainda neste campo relacional entre irmãos, pode-se encontrar casos em que a carne é ofertada para pessoas que são consideradas irmãs (ĩkjẽtõ: minha irmã) não porque elas tenham a mesma filiação. A identidade da descendência matrilinear é operante para essa classificação articulada ao fato de ter sido uma vizinha imediatamente próxima.

Uma pessoa, então, pode ter crescido e tornado adulta sob a condição da permanência dessa mesma vizinhança, tornando a relação diferenciada com as pessoas ligadas à família natal dessa casa vizinha. Logo, a oferta da caça pode acontecer com a mãe, o filho e a filha dela que, em comum, são as pessoas ligadas a aquela casa que foi vizinha da de seus pais, todos considerados como irmãos (tõ), do mesmo clã.

Doar caça para uma pessoa identificada como irmã, envolveu este tipo específico de relação. Mesmo que o caçador não seja mais vizinho imediato atualmente, essa relação com a irmã classificatória permanece valorizada. No entanto, a captura dessa ligação, em particular, não é uma prática recorrente, mesmo assim expressa o valor dado à vizinhança articulada à mesma descendência matrilinear, tornando-os próximos por serem do mesmo clã.

No entanto, é preciso esclarecer que a relação de intimidade entre as famílias não se justifica apenas pelas mulheres dessas famílias partilharem a mesma descendência matrilinear. Entre as casas do mesmo clã, há gradientes de aproximação e distanciamento. É relevante a experiência do convívio cotidiano e permanente.

O laço com a irmã do pai (FZ) é outro que se torna passível de ser diferenciado neste sentido de estabelecer uma reciprocidade na troca de alimentos. Se o irmão ajuda a irmã e o irmão na produção do alimento, tem-se que essa possibilidade de ajudar estende-se à irmã do pai. A dádiva de cuidados também se reconhece nesta relação, na medida em que sob o ponto de vista do pai, ele também

119 O padrão de residência é uxorilocal, porém, o interesse em cuidar da irmã se sobrepôs a ele. O irmão casado foi morar com a sua irmã. E o filho casado permaneceu na casa de sua mãe. Isso aconteceu porque a irmã estava separada de seu marido e os pais dela moram noutra aldeia. Revela-se, contudo, a ênfase no valor de cuidar do outro, entre os irmãos.

154 recebeu a ajuda de sua irmã e irmão. No do filho, converte-se numa ajuda do tio (FB) e da tia (FZ) paternos.

Esse compromisso de cuidados são repassados de geração a geração, envolvendo os irmãos do pai e os irmãos do ego. Para as pessoas panará, os irmãos do pai equivalem a pai (sũpiâ), mas também podem ser tratados sob o termo uwysũ (tio). Disso deriva a criação do vínculo dos filhos com os irmãos do pai que, por sua vez, também é valorizada na construção da circulação de alimento.

No entanto, ela é preterida em relação às dádivas com a mãe e a avó. Se a caça for pequena, a amplitude de pessoas para quem ofertar é menor, podendo ser excluída a tia paterna. Mesmo assim, a possibilidade de o alimento inclui-la, notadamente, quando for um porco, permanece indicada a valorização daqueles vínculos ligados diretamente à família natal. Neste caso, estendendo-se às irmãs do pai.

Nesta oportunidade, informa-se que na terminologia de parentesco panará, irmã do pai (FZ) é igual a avó (tuapiâ). É sob o caráter de uma relação entre neto e avó, portanto, que essa interação vigora. A irmã do pai ocupa uma posição equivalente à da mãe do pai, ambas retratadas como avó.

Se um filho do irmão (BS) oferece pedaço de sua caça para a irmã do pai (FZ), um pedaço será retribuído para esse filho do irmão (BS) por meio da caça do marido dela, manifestando uma troca recíproca. Nesta oportunidade, esclarece-se que é preponderante a referência do ponto de vista do caçador para orientar a distribuição da carne120 que tende a envolver a mãe, a avó, a irmã, o irmão, o tio e a tia dele.

A troca pode abranger as pessoas vinculadas à esposa do caçador, como por exemplo, essa que significou uma retribuição para o filho do irmão (BS). No caso em que isso se manifestou, observou- se que o caçador referiu-se ao nome do neto e não ao da esposa dele. Ainda assim, compreende-se que é uma ajuda à família para a produção de alimento, a carne não era do neto, em absoluto, mas ele foi a motivação de uma ação caracterizada como troca.

O irmão da mãe (MB) é considerado tio, uwysũ, e a relação com ele também é valorizada. Aqui está retratada a importância de ativar os vínculos com as pessoas ligadas à família natal da mãe, particularmente, com os irmãos dela.

120 No cotidiano, tende a ser a mulher quem a divide, mas já testemunhei situações em que a anta na mata foi cortada nas mãos de um homem, como também já observei uma filha dividir um porco em pedaços seguindo a orientação de seu pai que lhe acompanhava. O homem tem um papel central na orientação de para quem vão ser dados os pedaços. Pode- se inferir que há uma relação entre o feminino e a aldeia e, entre o masculino e a mata contornando esta troca de posição de quem corta a caça na aldeia e na mata.

155 Tal como discutido acima, tem-se que os irmãos da mãe ajudam-na na construção do alimento, ofertando-lhe pedaços de sua caça que, sob o ponto de vista dela, trata-se da expressão de uma relação de germanos. Os filhos mantém esse vínculo com o seus tios maternos, retribuindo esses cuidados.

Contudo, revela-se que os irmãos do pai ajudam o pai, tal como os irmãos da mãe ajudam a mãe. A relação de germanos acaba por engendrar uma ligação entre os irmãos com os filhos deles, notadamente quando estes últimos estão casados e constituíram uma família com sua esposa. Tais vínculos, então, são mantidos.

O irmão da mãe (MB) pode ter laço de reciprocidade com o filho e a filha de sua irmã e, subsiste nesta relação a identidade clânica entre eles, dada a descendência matrilinear. Há casos de alianças matrimoniais em que o irmão (B) e a filha da irmã (ZD) reais se casaram com dois irmãos de uma mesma família natal.

No ponto de vista dessa referida filha, trata-se do tio materno (MB) que estabeleceu aliança matrimonial com a irmã de seu marido. Embora eles morem em casas distintas, identifica-se uma relação de proximidade entre ambas as casas, operante numa troca recíproca de alimentos entre elas. O tio oferta parte de sua caça para a filha da irmã (ZD).

Figura 10 – Tio oferta caça para a filha da irmã

Fonte: construção da autora

Outra relação observada é com o irmão do pai (FB), sendo ele considerado como tio (uwysũ). Conforme me foi explicado, esse termo tem o valor análogo ao pai, em que a expressão sũpiâtõ (irmão do pai) é outra alternativa em lhe ser atribuída. Compreende-se, contudo, que na ausência da família do pai na mesma aldeia, os referenciais ligados a ele passam a ter mais relevância para o caçador na ativação dessas relações ligadas à circulação do alimento. Reincide, então, a importância dada aos vínculos com as pessoas de uma mesma filiação abrangendo, por extensão, aqueles tangentes ao pai e à mãe.

156 Afirmava-se que esse vínculo entre o (FB) e o (BS) é mais valorizado quando há a ausência dos pais na mesma aldeia, evidenciado no fato de que o tio (pai) pode receber a cabeça de uma caça que, por sua vez, representa um prestígio, dado que ela é destinada apenas às pessoas mais velhas (Homens: toputũ; mulheres: twatũ). A oferta nestes casos é retratada em termos de ser para o tio e não para a esposa dele, o mesmo acontece quando pedaço de carne é destinado ao irmão.

Uma outra relação que foi descortinada, mas que não é recorrente, é a de o caçador ajudar o filho da irmã do pai (FZS), considerado como pai (sũpiâ). Quer dizer, o filho crescido pode desenvolver uma relação de dádivas com o pai real (F), com o irmão do pai real (FB) que também é pai e com o filho da irmã do pai (FZS), igualmente, pai. Indica-se o valor dado na relação entre pai e filho, portanto.

No caso em que se identificou a relação com o filho da irmã do pai (FZS), observou-se que as casas do caçador e do pai (FZS) são bem próximas, subsistindo uma relação de vizinhança entre os mesmos. A oferta de parte da caça é priorizada a ele em detrimento de uma ajuda aos seus pais, ou irmãs reais que moram na mesma aldeia do caçador. Supõe-se que o fato de a irmã da esposa do pai (FZS) ser solteira e ter filhos e morar na mesma casa dele (FZS) motive essa oferta, configurada como ajudar a cuidar.

Salvaguarda-se que a oferta de carne para a esposa e a sogra é assegurada na construção de como o alimento circula, independentemente, de o bicho caçado ser grande ou pequeno. A relação do genro com a sogra é mediada pela filha e isso está retratada na própria forma de parte da caça chegar até ela. O caçador dá a carne para a sua esposa que a divide e dá para a mãe dela, sogra de seu marido.

Em relação à sogra, outras particularidades foram capturadas. O caçador além de ter construída essa relação com a mãe de sua esposa, pode acabar se envolvendo com mais intimidade com os pais de sua sogra. Neste particular, observou-se que a mãe dela pode ser considerada como avó, tuapiâ, dele, sendo neutralizada aquela etiqueta da evitação. Em decorrência disso, põe-se em relevo que a relação entre o genro e a sogra de fato é ímpar.

Dada a uxorilocalidade, a tendência é que a relação com essa avó se desdobre como uma relação de vizinhança, na medida em que a esposa tende a residir na mesma região de suas irmãs, mãe e avó materna. Essa relação específica não é incomum e confunde-se com o fortalecimento de laços com o vizinho bem próximo. A esposa tem um papel central em também fazer chegar às suas irmãs pedaços da carne de caça de seu marido, crus ou cozidos. O marido, portanto, contribui na produção de alimento nas casas das irmãs vizinhas.

Quando o bicho caçado é pequeno, diminui-se a amplitude de pessoas que receberão um pedaço da carne crua e, pode acontecer de nessas ocasiões o vizinho ser priorizado em detrimento daquelas relações de filiação do caçador. Pondera-se, contudo, que há o esforço em contemplar os parentes da

157 família do caçador, lhes ofertando pedaços menores de carnes cozidas que, por sua vez, derivam daquele pedaço que tinha sido destinado para a sua esposa e família dela.

Na situação de os pais, as irmãs e os irmãos do marido não morarem na mesma aldeia que ele,

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