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2 A África sem ilusões: Racismo e Antirracismo

Capitulo I: A representação africana: avanços e desafios

I. 2 A África sem ilusões: Racismo e Antirracismo

A descrição que foi feita da África, assim como a ideia a ela atribuída, tem como marca fundamental a noção de raças humanas30, e nesse contexto a classificação racial entre superiores e inferiores. De acordo com M´Bokolo (2009), o olhar para África foi, e muitas vezes ainda continua sendo, um olhar de racialização, no qual estão embutidos valores construídos ao longo dos séculos e que procuraram de maneira pseudocientífica justificar e autorizar a invasão e dominação dos países africanos. Essa estratégia, de acordo com Certeau, é a marca de quem está no poder, e com isso profere um discurso de legitimação. Esta análise coincide com o que Chartier (1999) procura despertar a atenção para que as relações de representação sejam devidamente analisadas em seus contextos. Nesse caso, a representação feita pela Europa para si mesma foi a da superioridade intelectual e espiritual, já a África e outros povos do mundo fariam parte da barbárie e da selvageria. A percepção social que cada povo tem de si e que se coloca num lugar central de onde profere seu discurso se enuncia nos dizeres de Chartier,

Não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas (1999, p. 17).

A ideia de que um homem seja superior ao outro ainda prevalece em muitas ocasiões, revelando um aspecto delicado da condição humana, a luta pelo poder em detrimento do seu semelhante.

Munanga reconhece no período colonial as marcas da superioridade racial presentes como justificativa das estratégias e práticas de dominação.

Convencidos de sua superioridade, os europeus tinham a priori desprezo pelo mundo negro, apesar das riquezas que deles tiravam. A ignorância em relação à história antiga dos negros, as diferenças culturais, os preconceitos étnicos entre duas sociedades que se confrontam pela primeira vez, tudo isso mais as necessidades econômicas da exploração predispuseram o espirito europeu a desfigurar completamente a personalidade moral do negro e suas aptidões intelectuais. (2009, p.24).

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Sobre a questão racial, especialmente no Brasil, indicamos o livro O espetáculo das raças:

cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930) da historiadora e antropóloga Dra.Lilia

A partir deste contexto, as relações entre estes grupos passam a ser motivadas principalmente pela condição social construída, a ideia racial, que então se torna a principal referência para ambos os grupos no seu processo de identificação. Estava então estabelecido o mundo branco e o mundo negro, que tomaria proporções ideológicas cada vez mais sofisticadas, transcendendo a questão da cor da pele, como atesta Munanga:

O negro torna-se, então, sinônimo de ser primitivo, inferior, dotado de uma mentalidade pré-lógica. E, como o ser humano toma sempre o cuidado de justificar a sua conduta, a condição social do negro no mundo moderno criará uma literatura descritiva dos seus pretendidos caracteres menores. O espirito de muitas gerações europeias foi progressivamente alterado. A opinião ocidental cristalizara-se e admitia de antemão a verdade revelada negro=humanidade inferior. À colonização apresentada como um dever, invocando a missão civilizadora do Ocidente, competia a responsabilidade de levar o africano ao nível dos outros homens. (2009, p.24).

Esse olhar foi muito bem constituído ao longo da história por renomados intelectuais europeus, que em sua necessidade de atender a interesses de uma época souberam eficazmente construir ideologias que pudessem dar conta de minimizar ou destituir essa região do globo e seus povos de uma condição humana legítima. Aqui é interessante analisar o tom incisivo do militante negro Stokely Carmichael31,

Portanto, a situação que temos é que a história foi escrita, mas na realidade ela foi assim distorcida. Acho que uma das maiores mentiras que a sociedade ocidental podia ter dito era de dar a si própria o nome de civilização ocidental. Agora por toda a história vimos estudando a civilização ocidental, e isso significava que tudo o mais era incivilizado. E as crianças brancas que hoje leem isto, jamais reconhecem que lhes estão dizendo que elas são superiores a todos os outros porque produziram a civilização (...) sim a civilização ocidental tem sido tudo, menos civilizada. Na verdade, tem sido extremamente bárbara. Somos informados de que a civilização ocidental começa com os gregos, e o epítome disso é Alexandre Magno. Só que posso lembrar a respeito de Alexandre Magno é que aos 26 anos de idade, ele chorou porque não tinha mais gente para matar, assassinar e saquear. E isso é a epítome da Civilização Ocidental. (1968, p.50).

Os anos de 1960 foram marcantes na história do movimento negro nos Estados Unidos, pois era o ápice das discussões e dos embates pelos direitos humanos naquele país. Esse período também coincide com o das lutas de

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Stokely Standiford Churchill Carmichael (1941 – 1998) foi um dos fundadores do grupo Panteras Negras. Ao final de sua vida distanciou-se das ideias radicais dos panteras, e junto com sua esposa Miriam Makeba (cantora da Africa do Sul), mudou-se para a Guiné, onde se tornou assessor do presidente Ahmed Sekou Touré.

independência dos países africanos. Foi um momento em que as buscas pela identidade africana e negra foram intensificadas, a luta pela representação se fortalecia. É nesse contexto que vários movimentos se apresentam nos Estados Unidos influenciando outras ações em outros países, inclusive no continente africano. Entre esses movimentos temos: os liderados por Martin Luther King32, os muçulmanos negros com Elijah Mohammad33 e Malcom X34 e os próprios Panteras Negras com Stokely Carmichael. Esses movimentos com formas de organização e ação diferenciadas tinham em comum a luta pela questão dos direitos dos negros naquele país e o reconhecimento e valorização de uma identidade negro-africana no mundo. Era uma representação construída em oposição ao racismo ideológico da Europa, em torno de uma identidade negra.

De acordo com Appiah (1997) a construção ideológica do racismo por parte da Europa é histórica. É desse modo que Descartes, Locke, e mesmo Kant considerado um humanista, não souberam poupar em suas reflexões a abordagem de que esse lugar do mundo era o palco da penumbra. O filósofo alemão Hegel em seus famosos cursos de história da filosofia chega a dizer que a África é um continente destituído de história.

Vejamos,

At this point we leave Africa, not to mention it again. For it is no historical part of the world; it has no movement or development to exhibit. Historical movements in it-that is in its northern part belong to the Asiatic or European world. (HEGEL, 1956, p.99).

O universo religioso também se fez exemplar nessa posição, veja-se a bula papal Romanus Pontifex (1454) do então Papa Nicolau V, Tommaso Parentucelli, que dizia da inferioridade de negros e índios. Ainda no universo religioso é possível encontrar traços não menos marcantes em várias tendências religiosas do ocidente. De modo geral, pensa-se que a espiritualidade seja um patrimônio do ocidente, e

32 (1929-1968) – Um dos mais importantes líderes mundiais no enfrentamento do racismo e na

busca pelos direitos humanos.

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(1897-1975) Líder religioso de um seguimento dissidente do Islã, chamado Nação do Islã, que pregava uma ideia de separação racial.

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Al Hajj Malik Al-Shabazz é conhecido como Malcolm X (1925-1965), um dos mais representativos líderes da comunidade negra norte-americana. Abandonou métodos radicais para seguir uma perspectiva de diálogo entre os homens. Sua visão de mundo foi alterada quando fez a sua peregrinação a Meca, cumprindo o ritual do hajj, e lá viu pessoas de diferentes culturas e origens étnicas convivendo em igualdade e respeito.

que as formas mais elaboradas de expressão religiosa sejam daí decorrentes. Vejamos o que nos diz o teólogo suíço Hans Kung,

Nós europeus não temos nenhuma razão para nos considerarmos superiores, pois... De onde viemos? Também nós, por evolução, procedemos da natureza. E o que existia entre nós antes da escrita, antes da história escrita, antes da ciência? Primeiramente na fria Europa da idade do gelo, o primitivo homem de Neandertal. Com sua fronte diminuta e uma herança genética em parte diferente da nossa, ele não foi nosso ancestral direto, mas de qualquer modo era um parente do homo sapiens. Também ele já possuía uma admirável e elevada cultura: sepultava seus mortos, cuidava dos idosos e dos doentes, presume-se que possuísse uma linguagem evoluída. Extinguiu-se há cerca de trinta mil anos, deixando o lugar para o homo sapiens, o homem atual. Causa-nos surpresa saber que também na Austrália foi encontrado o esqueleto de um homo sapiens do sexo masculino com trinta mil anos de idade. Estava coberto de ocre, o sinal mundialmente difundido da ideia de uma vida após a morte. Ou seja, esse homem, ao que tudo indica, foi sepultado ritualmente. Um primeiro testemunho claro da cultura e da religião entre os primitivos! Então o que é cultura? Na cultura ou civilização, em sentido lato, a religião sempre está incluída. Cultura é o conjunto de conhecimentos e procedimentos que caracterizam uma determinada sociedade humana, sejam eles de natureza técnica, econômica, científica, social ou religiosa. (2004, p. 22).

Hans Kung ainda reflete que a base do pensamento religioso está no continente africano, pois este é o berço da humanidade. Vejamos,

O homem é um ser que incessantemente reflete sobre suas origens na religião, na filosofia, nas ciências. Muitos sábios acreditam que o homo sapiens, o homem assim como ele é hoje, se teria desenvolvido em diversos lugares do mundo. A maioria dos pesquisadores, no entanto, com base em convincentes e também recentíssimas descobertas, estão convencidos disso: o homo sapiens provém da quente e selvosa África tropical e subtropical, muito provavelmente do Great Rift Valley siro – africano ao norte do Zambeze. A África é, pois, nossa origem comum. (2004, p.38).

Na história ocidental um dos mitos mais conhecidos e utilizados ainda na construção e legitimação dessas distinções raciais talvez seja o mito camítico. De acordo com Munanga (2009,p.29), “segundo ele, os negros são descendentes de Cam, filho de Noé, amaldiçoado pelo pai por tê-lo desrespeitado quando este o encontrou embriagado, numa postura indecente”. A partir de uma interpretação intencional e não contextualizada do texto bíblico, a maldição de Noé destinada ao filho Cam, descrita em Gênesis cap.9:22-27, estava legitimada a condenação do negro.

Segundo Edwin Black em sua obra “Guerra contra os fracos” (2003)35

, quando Francis Galton, primo irmão de Charles Darwin, emprestou muitos dos elementos da teoria da evolução das espécies para criar a sua própria teoria de evolução do homem, soube também com muita propriedade caricaturar com nome de ciência uma ideologia que pretendeu legitimar a superioridade dos povos não negros sobre os demais. Essa teoria foi bem desenvolvida atingindo outros povos, sendo financiada por empresas conhecidas no cenário mundial, entre elas a IBM36 e a Ford, ajudando nos investimentos dessa pesquisa inventada sobre dados imprecisos e irreais, que declarava explicitamente a valorização de um ser humano sobre outro, pautada em valores terminantemente raciais, dividindo a espécie humana em raças, cujas funções sociais eram estabelecidas pela maior ou menor possibilidade do uso da razão. Tal empreita não atinge mais somente os povos africanos e negros de modo geral, mas também ciganos, entre outros, que, quer seja por uma atribuição racial, opção sexual ou religiosa, estavam marcados pela condenação diante de uma sociedade estruturada em valores ideológicos homogêneos e fechados.

Nos Estados Unidos, a campanha de extermínio de grupos étnicos inteiros não foi empreendida por exércitos bem armados nem por seitas que cultuam ódio as minorias. Ao contrário, essa perniciosa guerra enluvada foi promovida por respeitados professores, universidades de elite, ricos industriais e funcionários do governo que conspiraram um movimento racista e pseudocientífico denominado eugenia. O objetivo: criar uma raça nórdica superior. (BLACK, 2003, p. 19).

O historiador Elikia M`bokolo, reafirma essa mesma opinião.

O trabalho dos homens de ciência produziu também de maneira mais insidiosa, ao lado das reconstruções históricas mais refletidas e mais duradouras, estereótipos tanto mais persistentes, pois apareciam aparelhados com todos os emblemas da legitimidade “científica“ ou acadêmica, ao mesmo tempo em que confortavam as falsas evidências do senso comum. Será um dia necessário, no próprio interesse do desenvolvimento do trabalho histórico na África mais do que pela busca de uma polêmica, empenhar-se em dilucidar a arqueologia mais antiga destas teorias e mitos “científicos”, a sua genealogia, a sua filiação até os nossos dias. (2009, p.49).

Um dos momentos mais críticos da história humana, e que ao mesmo tempo foi a apoteose do pensamento racial de caráter eugênico, se dá com o advento e a

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Nesta obra Edwin Black trata do pensamento eugenista e dos seus desdobramentos na sociedade contemporânea.

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plenitude do nazismo sob a égide endeusada de Adolf Hitler37, que fez revelar ao mundo, à custa de uma estética distorcida, aquilo que pretendia ser uma raça perfeita, a raça ariana. Esse momento da história traduziu muito bem a ambiguidade da condição humana, a da sapiência e a da demência. Se somos capazes de amar e criar, somos capazes de odiar e destruir; estava, pois, dada a fragilidade de muitas de nossas reflexões.

Porém, a experiência eugênica teve na África o seu início mais aterrorizador. Autores como Catherine Coquery Vidrovitch38 desenvolvem pesquisas que revelam que foi no massacre do povo herero da Namíbia que as experiências com campos de concentração tiveram início. Nesse país foram desenvolvidas pesquisas em seres humanos, levando muitos deles à morte. A Namíbia sofreu com esta ação em 1840, ou seja, 100 anos antes do episódio nazista. No entanto, o massacre do povo herero ainda é pouco conhecido e divulgado.

Essa representação forjada ao longo de séculos na Europa foi imposta ao mundo pela força militar, pela mídia, pela educação e cultura. O que temos então é um cenário constituído por uma representação que, mesmo já estando desgastada em muitos aspectos, não deixa de se sobrepor as outras.

Tem-se ainda a busca pelas constituições de representações dos outros grupos, mas ainda fortemente influenciados pelas características deixadas e herdadas da perspectiva europeia. Hampaté Bâ (2004) reflete essa situação como um confronto cultural em que os grupos subordinados procuram com um esforço muito grande lembrar-se do que são, da cultura que possuem, mas também é enorme o esforço daquele que a todo preço insiste em ocupar a posição de centralidade e referência.

O teólogo e filósofo Leonardo Boff, na sua obra A voz do Arco Irís (1998), fala da necessidade do outro, em que as diferenças entre as pessoas não deveriam, e não devem ser utilizadas como muros que as separam, mas sim, como pontes para novos encontros.

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Sobre o pensamento de Hitler é indicada a leitura de seu texto autoral Mein Kampf: Minha

luta, no qual descreve as suas motivações e esclarece a maneira eugênica pela qual acreditava que a

sociedade alemã devesse ser estabelecida.

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Historiadora francesa especialista em estudos sobre a África. Autora de vários livros sobre a temática da colonização e o seu impacto nas civilizações africanas. Entre estas obras estão Afrique

Noire: permanences et ruptures ( 1985 ) e L´Afrique occidentale au temps des Français, colonisateurs et colonisés: 1860 – 1960 ( 1992 ).

Gruzinski (2001, p.16) afirma que “a mestiçagem seria a extensão calculada ou suportada da globalização no campo cultural, ao passo que a defesa das identidades se ergueria contra o novo Moloch universal“. O conceito de mestiçagem ajuda a refletir a natureza desses encontros, assim como possibilita verificar e entender melhor a necessidade do reconhecimento cultural oriundo da diversidade humana, frente a formas de representação centralizadas e homogêneas.

É esse cenário que, quando não discutido e refletido, permite que muitos povos no mundo sejam observados por valores e categorias que os destituem da condição humana. São olhares construídos por métodos das ciências, da filosofia, da própria história, que possibilitaram que fosse constituída uma educação da inferiorização e da negação. Desse modo, a marginalização ou mesmo a invisibilidade do outro foi propagada.

A partir das reflexões de Cavalleiro (2005) pode-se pensar que no Brasil a formação do educador que trabalha com uma realidade pluricultural que revela a diversidade do povo brasileiro deve tomar o cuidado de sensibilizá-lo, sendo provocadora de uma consciência crítica sobre a condição humana. Nesse caso, essa diversidade deve ser vista como um fenômeno o qual se abraça com o intuito da inclusão e da participação comum na construção de uma sociedade em que todos se sintam participantes. Esses encontros historicamente acontecidos em solo brasileiro retratam de modo especial o que Gruzinski analisou sob a ideia de pensamento mestiço. Aliás, é necessário certo cuidado com o entendimento deste conceito de Gruzinski, pois ele não diz respeito à banalização dessa mistura, mas, pelo contrário, diz respeito ao entendimento e à valorização dessas diferenças culturais e à interação entre elas dentro de uma dinâmica existencial própria da cultura, e que esta sim torna o ser humano mais capaz para seu desenvolvimento.

As ciências sociais começam a nos fornecer pistas e luzes sobre a questão. Uma antropologia livre enfim de seu fascínio pelos povos selvagens e uma sociologia sensibilizada pela mistura dos modos de vida e imaginários têm muito a nos ensinar sobre o alcance e o sentido das mestiçagens que se desenvolvem por toda parte diante dos olhos. (GRUZINSKI, 2001, p.44).

A análise de Gruzinski procura dar conta de um fenômeno intenso que estamos vivendo oriundo de um momento da história atual, no qual as relações humanas e os contatos entre os povos foram intensificados devido aos meios de comunicação e tecnologias avançadas. No entanto, essa comunicação não alterou

de fato a natureza profunda dessas relações e os nichos de poder estabelecidos pelas formas de representação centralizadas que ainda são motivadores da forma como se estabelecem a natureza desses encontros. Para Gruzinski um dos desafios de hoje é exatamente compreender a relevância desses encontros, as modificações no cenário cultural que são propostas e a procura por garantir que as diferentes culturas sejam reconhecidas nesse cenário de mudanças.

No entanto, a questão racial é ainda bastante complexa, tanto para estudar as civilizações africanas como também as relações étnicas no Brasil, pois se não existem raças efetivamente falando em termos biológicos, essas ideias raciais fizeram por gerar o racismo, no qual grande parte da organização social se constituiu, delimitando lugares sociais bastante formais para os diferentes grupos humanos, inclusive no Brasil. A representação racial através da ideia do “ser branco”, estabeleceu lugares e posições nítidas na sociedade que ainda insistem na sua condição de poder.

Embora alguns sociólogos, antropólogos e historiadores no Brasil e no mundo rejeitem a ideia racial, entre eles Yvone Maggie39, Demétrio Martinelli Magnoli40, propondo que o que ocorreu nesses processos de conquista e dominação foi caracterizado por motivos sociais e não raciais, o fato é que se o mesmo não tivesse ocorrido o fenômeno de reorganização mundial dessas pessoas a partir da ideia de raça não teria acontecido. Aliás, como diz Munanga (2009), se a raça é biologicamente rejeitada em comprovação científica, ela é sociologicamente comprovada pelo que gerou o racismo, no qual pautaram-se as ideologias de desenvolvimento político e econômico que moveram por séculos os países europeus em relação à escravização e à colonização da África e ao “descobrimento“ da América e Caribe.

Dizer que não somos racistas é negar uma infinidade de vivências e evidências que estão por todos os lados. Como tantos de nós, sei de casos de racismo contra pessoas de alta renda e/ou alta escolaridade – professor universitário negro barrado por porteiro na portaria da faculdade em que trabalha, estudante negro da graduação abordado e agredido por policiais, aluna negra da pós-graduação associada a ocupação manual que não exige nenhuma escolaridade. Nesse sentido, estar sentada na minha confortável

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(1944-). A autora é uma especialista em religiões afro-brasileiras, possuindo trabalhos de relevância nesta área. No entanto, questiona de modo incisivo as políticas de ação afirmativa, em especial as cotas. Para saber mais http://redeglobo.globo.com/globouniversidade/noticia/2012/03/em-