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A ÉPOCA E O AMBIENTE

No documento A Natureza Mística do Marxismo (páginas 36-42)

PARTE I: MARX O HOMEM E O MÍSTICO /

Capítulo 2. A ÉPOCA E O AMBIENTE

AÉ

POCA E O

A

MBIENTE

H

ISTÓRICO DE

M

ARX

Contrapolítico

No ano de 1842, Marx entrou em uma séria disputa com o congresso de Rhein. O congresso havia reformado os estatutos para impedir que os pobres cortassem lenha nos bosques, pretendendo evitar a devastação dos mesmos (convém lembrar que a lenha era, nessa época, uma das principais fontes de energia. Portanto, o corte da lenha nos bosques pelos camponeses lenhadores, devia ser controlado e restrito a certas áreas). A lenha dos bosques era a principal fonte de renda para os camponeses, razão por que Marx abriu a disputa com o congresso. Por esse acontecimento, podemos inferir todo um conjunto de fatores para uma melhor compreensão da personalidade de Karl Marx aos 24 anos de idade. Marx era já um intelectual não-cristão. Como vimos anteriormente, o seu sentimento cristão para com os outros homens era bem acentuado. Assim, a disputa com o

congresso de Rhein revela-nos o sentimento humanista de Marx (reflexo original da natureza humana e vestígio do Cristianismo) e, face à sua fraqueza e impossibilidade de disputa contra o governo prussiano e vencer, Marx deve ter ficado profundamente revoltado com o Estado; e como este era composto da classe mais alta da sociedade prussiana, como todos os homens ricos e poderosos da Prússia. Noutra ocasião em que Marx era o editor do jornal Rheinische Zeitung, foi pressionado e censurado pelo governo prussiano e obrigado a renunciar ao jornal. Aqui estava mais uma das causas do ressentimento de Marx contra o Estado. Posteriormente, Marx revela esse ressentimento em sua Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel ― Introdução, quando declara:

“Guerra à condição germânica! Por todos os meios! Eles estão abaixo do nível da história, abaixo de qualquer crítica, mas mesmo assim, são objetos de crítica, como o crime, que está abaixo do nível da humanidade, é também objeto do carrasco... (o objeto da crítica).Não é para refutar, mas para exterminar... Seu sentimento essencial é a indignação, sua atividade essencial, a denúncia.”

Neste trecho da sua obra, Marx revela claramente o incrível ódio que passou a nutrir pelo governo prussiano, motivado pelo seu caráter contestatório.

Contraeconômico

Um fator de significativa importância a cerca de personalidade de Marx foram as circunstâncias históricas que o envolviam na época Marx nasceu em 1818, 19 anos após a deflagração da Revolução industrial na Inglaterra e a Revolução Francesa. Logo ele viveu e cresceu no alvorecer da sociedade liberal, em seu período mais imperfeito e desumano . Em virtude das reformas agrícolas, milhares de camponeses emigravam para as zonas urbanas e se convertiam em assalariados e sub-empregados. Outros caíam em miséria extrema. A exploração dos donos de fábricas para com os homens empobrecidos, mulheres, jovens e crianças, pagando salários baixíssimos (devido ao excesso de mão-de-obra disponível para o número de fábricas) e, por outros lados, elevando o tempo de trabalho para até 16 e 18 horas diárias, onde centenas de crianças trabalhavam, gratuitamente, sob o título de “aprendizes” até o esgotamento, a era escandaloso. A própria região em que Marx nasceu (Renânia) era, então, uma zona altamente industrial.

Engels, no seu livro A Situação da Classe Operária na Inglaterra, descreveu a situação da época de Marx nos seguintes termos:

..”.crianças dos abrigos de menores eram empregadas em quantidade, alugadas por número determinado de anos aos fabricantes, como aprendizes. Elas dormiam, eram alimentadas e vestidas em comum. Eram portanto, os escravos dos seus senhores, por quem eram tratadas com a maior desconsideração e barbarismo... A grande mortalidade das crianças da classe trabalhadora, é especialmente entre esses operários de fabricas, é prova suficiente das condições insalubre nas quais eles passam seus primeiros anos. Essas influencias ocorrem, portanto, entre as crianças que sobrevivem, mas não tão poderosamente como entre as que morrem. O resultado no mais favorável dos casos é uma predisposição para a enfermidade, ou certo atraso no desenvolvimento, e conseqüentemente, saúde e constituição física abaixo do normal.”

O Dr. Sang Hun Lee, o conhecido teórico do pensamento deusista, em sua já citada obra Comunismo - Crítica e Contraproposta tece um pequeno comentário sobre essa época nos seguintes termos:

.”. nesta primeira fase do sistema liberal de produção foram inventadas muitas maquinas, mas ainda eram muito imperfeitas. Tal equipamento não podia corresponder à procura sempre crescente dos produtos. Daí que, para os donos das fábricas, a solução mais eficaz parecia ser tratar os trabalhadores mais duramente, o que fizeram sem hesitação. Contudo, os efeitos sociais desastrosos repercutiam-se por todas as partes. Onde a miséria se manifestava de modo mais severo era na Inglaterra. Pelos epítetos como eram chamadas as fabricas daqueles tempos, tais como “fábricas de suor”, “Bastilha para os pobres” e “Casa de Terror”, podemos imaginar o tratamento duro e desumano que os trabalhadores recebiam. Os baixos salários, as longas jornadas de trabalho, as tarefas difíceis e as condições insalubres e perigosas eram pouco melhores do que a dos escravos.”

O historiador Harold Perkins diz:

“Em muitas cidades de grande porte da nova era, a angústia era mais concentrada, mais visível, mais clamorosa e, conforme afetava maior número de pessoas descontentes, era mais temida como detonador de explosões revolucionárias do que na antiga sociedade, onde tal condição era menos provável de gerar descontentamento político. Na primeira metade do século XIX cada lapso maior provocava uma onda de protestos políticos e cada crise política coincidia com um período de crise no

mercado...Havia crescente segregação da sociedade urbana nas ruas, bairros e subúrbios diferentes, de acordo com a renda e status, o que formava classes isoladas e mutuamente hostis.”

Revolucionarismo

Paralelamente a essas circunstâncias deploráveis, a Europa da juventude de Marx estava respirando os ares da recente e vitoriosa Revolução Francesa (naturalmente as barbaridades cometidas pelos revolucionários, durante e após a revolução, eram praticamente desconhecidas). Estava em plena expansão o Liberalismo Clássico. O Feudalismo e o Absolutismo, onde quer que se mantivessem, geravam graves conflitos entre as forças conservadoras e liberais, especialmente na Alemanha. Vemos assim que, no apogeu de sua juventude, Marx estava envolto em uma atmosfera revolucionária por todos os lados. Ao entrar para a universidade de Berlim em 1835, Marx, igualmente, encontrou o mesmo clima de tensão e conflito ideológico. Especialmente entre os seguidores de Hegel, que haviam se bipartido em hegelianos de direita e de esquerda. Marx, por sua posição humanista e ateísta, e por sua revolta contra o establishment, tornou-se um hegeliano de esquerda. As transformações econômicas, políticas e sociais da primeira metade do século XIX, engendraram uma grande desorganização social e originaram um amplo sofrimento, especialmente para aqueles mais empobrecidos. Recordamos que Marx foi um Cristão e, naturalmente, deveria se questionar quanto ao papel que o Cristianismo deveria assumir, face ao seu grande poder e às circunstâncias históricas que presenciava. Lamentavelmente, para o desencanto e a revolta de Marx, o Cristianismo não levantou a bandeira da justiça e da igualdade que teoricamente tanto ensinava. Pelo contrário, os industriais e latifundiários exploradores eram cristãos e os próprios religiosos eram os mais ricos e poderosos. O Liberalismo Clássico foi uma reação do homem medieval contra a estrutura político-econômica-religiosa, que se tornara um entrave ao avanço do desenvolvimento. Em 1513 e 1517, respectivamente, dois homens tiveram especial importância : Nicolau Maquiavel e Martinho Lutero. Em 1513, Maquiavel escreveu O Príncipe, uma obra de índole ateísta onde separa completamente a religião da política e propõe aos governantes da Itália, à sua época, um método de tomada e conservação do poder sem as “tolices da

moral e dos escrúpulos da fé.” Escreveu Maquiavel:

.”.. devido à minha intenção de escrever algo útil para aqueles que o

entendam me pareceu mais apropriado ir em busca da verdade eficiente do assunto, em vez daquilo imaginado... Porque há tal abismo entre o como se

vive e o como se deveria viver que, quem muda o que está feito por aquilo que deveria fazer, se encaminha mai sà ruína do que à prosperidade; porque o homem que deseja fazer da bondade uma vocação, encontrará sua ruína muitos que não a praticam. Portanto, é necessário para um príncipe que deseje manter sua posição, aprender a nãp ser bom...”

Esse trecho da obra de Maquiavel, juntamente com os seus famosos “Os 10 Mandamentos de Maquiavel” (entre os quais o de que ‘o fim justifica os meios’), nos revela, sem sombras, a natureza da obra maquiavélica, como também a motivação sentimental de Maquiavel ao escrevê-la (caberia lembrar que Maquiavel foi um italiano nacionalista e, à sua época, hordas bárbaras europeias andavam invadindo, conquistando e saqueando porto da Europa). A obra de Maquiavel tornou-se famosa rapidamente e não havia governante ou político que não a possuísse entre seus livros. Ainda hoje, O Príncipe alcança popularidade similar. Aproximadamente na mesma época, em 1517, um outro homem desencadeava uma das mais extraordinárias revoluções religiosas da história: Martinho Lutero. Monge Agostino, Lutero pensou em ajudar a igreja a se do estado deplorável em que estava imersa, escrevendo e publicando as suas famosas 95 Teses Luterana, fixando-as na porta de uma igreja na cidade de Wittenberg. Essa atitude de Lutero revela um outro anseio do homem do século XV, dirigindo para a liberdade religiosa e para a autêntica vida de fé. O Luteranismo provocou um renascimento do pensamento e do ideal cristão originais sintetizados nos 10 Mandamentos da

Lei Mosaica. Uma nova e autêntica vida de fé desabrochou e floresceu

rapidamente em toda a Europa. Devemos, pois, concluir que essas duas correntes de pensamento surgidas no início do século XVI representaram as bases do liberalismo clássico, que deram seus frutos mais claramente na Revolução Francesa (Maquiavelismo) e no Grande Despertar Germânico (Luteranismo). Marx nasceu e cresceu nessa época da história e precisamente em meio a essas ideias. Primeiramente foi protestante enquanto morava na Alemanha e estudava na universidade de Berlim; posteriormente mudou-se para Paris onde se casou com Jenny Von Westphalem, filha de um aristocrata prussiano; conheceu Engels e sofreu a influencia do clima intelectual parisiense. Essas são, pois, as raízes do pensamento de Marx. Como cristão, Marx.provavelmente teria esperado uma do Cristianismo condizente com o que se ensinava nos púlpitos das igrejas. Tal porém, nunca aconteceu. Marx observou que os cristãos e, o que é pior, os lideres religiosos, eram os ricos e poderosos exploradores. Pior ainda, possuíam uma justificativa para a miserável situação em que vivia a

grande maioria dos homens: a Predestinação. Reafirmada por Lutero e mais amplamente difundida e utilizada por João Calvino, a Teoria da Predestinação justificava a miséria e a exploração vigentes. O historiador Max Weber na sua obra A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo lembra que a Teoria da Predestinação justificativa até mesmo a segregação racial. Alguns homens nasceram para ser ricos e destinados ao céu (ser rico é uma benção divina) e outros à pobreza e ao inferno. Deus é Todo

Poderoso e não cai uma folha de uma árvore sem o Seu consentimento.

Essa era a ideia vigente, os menos favorecidos deveriam conformar-se à sua condição, haja vista que era a Vontade de Deus (dentro dessa mesma visão, as torturas da Inquisição tinham por justificativa a imposição de castigos físicos para purgar o pecado de alguns hereges, possibilitando-lhe uma chance de salvação). Encontramos hoje uma ideia similar à predestinação na camada Teoria da Reencarnação: uma pessoa é miserável em virtude do “karma” que herdou do seu passado. Portanto, a miséria de cada um é culpa dele mesmo. É perfeitamente justa a sua condição. Essa forma de pensamento nega a injustiça, ignora e inocente as atitudes egoístas e gananciosas dos homens. Necessita, portanto, de uma revisão urgente. Marx analisou a posição do Cristianismo face ao problema social e descobriu esse lamentável erro. Essa constatação o fortaleceu mais nas suas propensões já anti-religiosas.

Descobriu, paralelamente, que os ideais originais do Cristianismo estavam sendo defendidos com o risco da própria vida pelos revolucionários franceses. É obvio que Marx sentiu atração pelas ideias do Iluminismo e uma forte repulsa pelo Cristianismo. Numa frase, diríamos que o marxismo nasceu como conseqüência das falhas do Cristianismo e representa tão somente “uma acusação sistematizada contra os erros do Cristianismo e uma contraproposta a ele”

No documento A Natureza Mística do Marxismo (páginas 36-42)