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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 O DARK SIDE DAS ORGANIZAÇÕES

3.1.1 A ética organizacional e o Dark Side das organizações

Na área da ética empresarial, ao invés das demandas morais da sociedade gerarem um caminho de questionamento ético ao mundo das empresas, resultou com essas últimas ditando sua “ética” para a sociedade (MEIRA, 2010). Freitas (2005) afirma que, geralmente, o mau comportamento nas empresas é considerado como “natural” e existente desde o início dos tempos. A autora afirma que é evidente que tratar algo como “natural” e atemporal não acrescenta nada à discussão. As organizações buscam sempre um comportamento ideal controlado, mas elas mesmas criam determinadas condições que favorecem comportamentos reprováveis e imorais ou são negligentes para com eles, especialmente, se o autor for alguém que prive de certos privilégios ou apresente bons resultados quantitativos (FREITAS, 2005). As práticas convencionais das empresas se tornam modelo ético, a ética sucumbe aos negócios, e a visão pragmática hegemônica triunfa (MEIRA, 2010).

Dessa forma, existe um círculo que enclausura a crítica ética, pois ela, sendo feita sob medida para as empresas, perde sua função crítica, “Por isso, não se deve depositar uma fé exagerada na crítica que esta ética produz, ela será forçosamente uma crítica comportada – nos dois sentidos da palavra, ao mesmo tempo reprimida e abarcada pelo objeto visado” (MEIRA, 2010, p. 132).

Para Meira (2010), a reflexão ética é muito mais importante do que os resultados que venham a produzir, ela vai além das prescrições sobre o certo e o errado e excede a descrição das convenções sociais. A ética empresarial não pode ser tributária de sua ampla aceitação pelas Escolas de Administração, e nem mesmo depender da efetiva transformação dos negócios (MEIRA, 2010).

O comportamento ético é uma exigência de nossa sociedade, que sofre de profundo mal-estar das consequências do triunfo da racionalidade instrumental. Para que as organizações não mudem nada na ordem das coisas, mas consigam legitimidade social, é necessário que o seu discurso ético seja aceito como o oficial. Para tanto, a ética, que analisa as relações entre os seres morais, é deslocada e acaba praticamente se limitando apenas aos

impactos dos indivíduos sobre a organização, e se impondo, de dentro para fora, sobre a sociedade (ENRIQUEZ, 1997). Percebe-se que, se a ética empresarial se afirma pela moralização dos negócios, é a moral da gerência seu lugar de destino. Dessa forma, a autonomia gerencial sendo o núcleo da doutrina, não parecerá espantoso que a palavra ética seja utilizada como argumento de legitimação do poder e o controle gerencial acabe sendo oferecido como solução moral (MEIRA, 2010).

Em vários casos, algumas empresas conseguem fazer crer a seus membros e à sociedade, que ela é virtuosa, que considera os seres humanos, suas opiniões e sua vida e que ela pode ser, o polo idealizado por excelência. As empresas se transformam no novo sagrado, novo totem, e se tornam responsáveis (ilimitadamente) pelo desenvolvimento econômico, social, psicológico e cívico da nação (ENRIQUEZ, 1997). Estamos vivendo numa Sociedade de Organizações (PERROW, 1991), uma sociedade orgocêntrica (EGRI; PINFIELD, 1998) onde as (grandes) organizações se transformam cada vez mais no centro das atenções e do poder.

Nas empresas, de uma forma geral, existe uma abordagem ética de atuação instrumental e estratégica, centrada nos resultados financeiros (KREITLON, 2004). Em boa medida, as respostas organizacionais limitam-se ao que é lei e não necessariamente são morais, ou seja, não estão relacionadas com valores como a dignidade, equidade, integridade e honestidade (FREITAS, 2005). No Brasil, ética e legalidade se confundem e ética é sinônimo de respeito à lei, mas, com isso, também existe a ideia de que, se não houver condenação legal, não houve prática antiética (SROUR, 1994). Para Freitas (2005), os valores “morais” de algumas organizações são conciliados com resultados voltados para o seu sucesso e buscam evitar um comportamento que a sociedade possa considerar imoral ou que seja “duvidoso”, e não levante interesse da mídia. Trata-se de uma ética que vem por imposição de fora, ideológica, que tem o objetivo de evitar ações que possam prejudicar-lhe a imagem ou imbróglios jurídicos, e incorporar a “novidade” como forma de melhor gerir os negócios (FREITAS, 2005). Ou seja, nessas situações, não é uma decisão ética, é apenas uma decisão estratégica.

Diante desse contexto, e a partir de uma perspectiva crítica, é necessário expor as faces ocultas, as estruturas de controle e de dominação e as desigualdades nas organizações. Mas esse é apenas um primeiro passo, fundamental no compromisso com mudanças possíveis para a ampliação do potencial emancipatório humano.

Atualmente, na produção acadêmica nacional, costuma-se enxergar a questão da ética empresarial, em especial, por duas maneiras distintas. Na primeira, o ambiente organizacional

é, em grande medida, avesso a comportamentos éticos, e, além disso, ele amplia a possibilidade de comportamentos antiéticos (BERTERO, 2012). A partir dessa perspectiva, o comportamento antiético habita as organizações, e deve-se (ou não) fazer um esforço para não cair em tentação.

Na outra maneira, num ambiente que vive de exploração e objetificação do ser humano, só pode existir uma “ética menor” (FREIRE, 1996) aceita por questões ideológicas. Em um ambiente no qual a ética empresarial resulta da predominância da racionalidade instrumental, os indivíduos sempre serão meios, instrumentos (ENRIQUEZ, 1997). O problema não estaria em cumprir os códigos e leis definidos, pois em si já existe uma relação assimétrica de poder e dominação.

No primeiro caso, os acadêmicos acabam por legitimar uma “ética” econocêntrica (BARRETO, 2016), em que é socialmente aceito que, se não aparecerem os excessos da visão capitalista, não existe problema numa preocupação principal com o lucro e uma racionalidade econômica, mesmo que essa imponha relações desiguais. A postura assumida é de que a ética ajuda a consolidar uma imagem positiva perante clientes e funcionários, o que, por sua vez, é fundamental para a perenidade da empresa (MOREIRA, 2000). A partir dessa visão, o sucesso é o que conta, variando de empresa para empresa um enfoque maior no curto ou no longo prazo. “O discurso majoritário destas empresas não passa perto da ideia bíblica de que uma mão não deve saber o que a outra está ofertando” (MOREIRA, 2000 p. 7). Não é uma visão ética, é uma utilização estratégica. Essa abordagem utilizada pelas empresas recentemente, classificada como Gestão de Questões Sociais, é de cunho instrumental, voltada para a gestão estratégica das questões éticas e sociais (KREITLON, 2004), legitimando as grandes empresas e desprezando a dimensão pública e o Estado (FARIA; SAUERBRONN, 2008)

Segundo Kreitlon (2004), a ênfase dessa abordagem é afirmar que “a ética é um bom negócio”, não fazendo mais do que adaptar as teses econômicas neoclássicas às últimas tendências de gestão estratégica. Essa abordagem é resultado da preocupação, nos círculos gerenciais, em amenizar (e transformar em vantagem competitiva) os inevitáveis e crescentes conflitos inerentes às interações entre empresa e sociedade (KREITLON, 2004).

Os críticos dessa abordagem (ver MEIRA, 2010; FREITAS, 2005; ENRIQUEZ, 1997) primam por uma ética humanista, que não subordinam as pessoas ao econômico, e, com isso, não as transformam em objetos. Dentro dos estudos organizacionais sobre ética, existem diversos trabalhos com uma postura crítica quanto a exortação do econômico em detrimento ao humano. Ainda assim, até mesmo esses trabalhos não consideram a possibilidade de

inclusão de uma preocupação ética com as demais espécies, ou seja, não adotam uma perspectiva que amplia o círculo de consideração moral nas organizações.

Mesmo uma ética centrada no ser humano como alternativa ao foco no lucro pode deixar de lado considerações importantes que dizem respeito a nossas relações de opressão e dominação sobre as demais espécies da natureza. Ou seja, existe uma relação entre os diversos tipos de dominação? Até que ponto, essas relações, muitas vezes cruéis para com os animais e os ecossistemas, podem nos brutalizar e nos tornar indiferentes e insensíveis ao sofrimento (humano e animal)? Tese essa defendida por filósofos desde a antiguidade, como Plutarco e Porfírio (FELIPE, 2009).

Algumas das produções acadêmicas em administração (ver CARRANCO, 2011; EGRI; PINFIELD, 1998), quando tratam de assuntos como gestão ou responsabilidade socioambiental ou (desenvolvimento) sustentabilidade chegam a abordar questões que se aproximam de uma ética ambiental. Mas ou esse não é um aspecto central, ou, na maioria dos casos, o respeito pelo meio ambiente é visto a partir de uma perspectiva antropocêntrica, ou seja, importante para a sobrevivência das gerações (humanas) futuras.

Na detalhada revisão bibliográfica que Medeiros (2013) realizou em sua tese, a autora identifica as vítimas dos crimes corporativos, e apesar de muitos utilizarem em sua abrangência seres vivos ou vida, geralmente são incluídos apenas indivíduos ou grupos humanos e o meio ambiente (várias vezes como objeto que serve ao humano e não com valor inerente). A partir do exposto, posso afirmar que na perspectiva teórica do dark side das organizações existe uma aproximação com o discurso antropocêntrico, ou seja, a visão é de que apenas os humanos podem ser agentes e pacientes morais. O lado sombrio, os crimes e os efeitos negativos existem apenas quando prejudicam o ser humano, seja direta ou indiretamente, como no caso dos impactos ambientais que lhes são nocivos (BARRETO et al., 2014).

Apesar disso, na prática de muitas organizações, se não são incluídos os animais como stakeholders, existe uma consideração instrumental com os mesmos, à medida que se tornam fonte de preocupação para os seus consumidores (BARRETO et al., 2015).

Minha proposta, detalhada durante a tese, é que os animais humanos e os animais não-humanos tenham consideração moral, não-instrumental, dentro do escopo do Dark Side das Organizações, ou seja, os efeitos nocivos que impactam essas vidas devem levados em considerações pelos teóricos.

Essa proposta é ancorada em dois aspectos principais, que serão detalhados ao longo do texto: 1) o critério predominante atual (antropocentrismo moral) é falho e 2) existe uma

percepção em nossa sociedade atual de que os animais devem ser bem tratados (mesmo que apenas alguns deles) e os dirigentes das empresas que lidam com animais entendem isso, tanto é que seu discurso é de que os animais são bem tratados por elas, ou seja, eles importam!

A seguir, discorro sobre o pensamento “ético” dominante em nossa sociedade, a ética antropocêntrica e sobre uma possibilidade de ampliação da consideração moral.

3.2 ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA E SUAS