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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.2 ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA E SUAS POSSIBILIDADES DE AMPLIAÇÃO

3.2.2 Ética Animal

3.2.2.1 Objeções à ampliação ética aos animais

Geralmente, as objeções aos direitos animais surgem de uma visão moral antropocêntrica, que como já vimos anteriormente, é de uma superioridade moral e centralidade da espécie Homo Sapiens, devido a sua virtude da racional específica, legitimando seu próprio interesse e justificando a escravização e objetificação da vida não- humana (NACONECY, 2006; FELIPE, 2009).

Para Naconecy (2006, p. 66), o argumento antropocêntrico, a grosso modo, tem a seguinte estrutura:

(i) Animais não têm status moral, pois eles não têm consciência, racionalidade, linguagem, etc.

(ii) Logo, em termos morais, não importa como os tratamos. Nenhum tratamento é imoral - exceto pelos eventuais efeitos nocivos indiretos sobre os humanos.

(iii) Na prática, todo uso de animais por parte dos humanos está eticamente permitido. Regan (2006) afirma que existem 11 principais objeções contra os direitos animais. Baseado no texto desse autor, durante os parágrafos seguintes vou apresentá-los e mostrar suas contra-argumentações.

1. E as plantas?

Esse argumento tem a seguinte estrutura: plantas e animais estão relacionados, pois são utilizados para nossa alimentação. Então para defender os animais, deve-se defender também o direitos das plantas. Se a plantas não podem ter direitos, os animais também não o podem ter.

O autor distingue as plantas dos animais, pois apenas esses últimos são sujeitos de uma vida (consciência de sua vida e subjetividade), e compartilham com os seres humanos: um senso comum (ambos são criaturas psicológicas complexas, que têm consciência do mundo e de si, e para ele tem importância o que lhe acontece), comportamento comuns (comportamentos semelhantes em circunstâncias semelhantes), corpos comuns (sentidos e órgãos similares), sistemas (nervoso) comuns e origem (evolutiva) comum.

Mesmo não reconhecendo direitos iguais a todos os seres vivos, não implica que os defensores dos direitos animais não tentem minimizar o dano que se causa a outras vidas, inclusive as plantas. Mas a estrutura lógica do argumento em favor dos direitos animais não compromete-nos “a advogar direitos para alcachofras” (REGAN, 2006, p. 77).

2. Os animais não são seres humanos

O que pretende se alegar com isso é que os animais não têm direitos porque não são membros da espécie Homo Sapiens. Direitos morais nunca podem ser negados por razões arbitrárias, preconceituosas ou moralmente irrelevantes. Exemplos desses já foram citados quando tratamos sobre especismo (discriminação de espécies), que tem lógica similar ao racismo e sexismo, pois ambas são diferenças biológicas (respectivamente de espécie, raça e gênero).

3. A ideia dos direitos animais é absurda

É uma suposição de que os animais não têm direitos, a menos que tenham todos os direitos que os humanos (como, por exemplo, votar, liberdade religiosa, etc). Esse argumento pode ser facilmente oposto porque, entre os humanos, isso também ocorre, ou seja, os humanos não precisam ter todos os direitos para poder ter algum. Quando pensamos por exemplo em humanos (que têm direitos) como crianças ou bebês, mesmo não tendo o direito

de votar mantém os direitos que os demais de sua espécie têm. A ideia dos direitos animais é que os animais tenham alguns direitos, os que estão relacionados com as características que têm em comum com os humanos, a senciência, por isso, o respeito à sua vontade de não sofrer maus-tratos e morte.

4. Os animais não entendem o que são direitos

Nenhum outro animal que não seja humano compreende o que são direitos. A ideia é de que se os animais não sabem o que são direitos, portanto, eles não os merecem. Regan (2006) afirma que ninguém acredita nisso de verdade, ou seja, que antes de você ter uma coisa você precisa entender o que seja. Essa lógica levaria a afirmações como: um bebê não tem fígado (porque não sabe que tem), nossos antepassados não tinham genes (porque não compreendem sobre isso). Também esse argumento não é coerente para defender os direitos humanos, crianças ou adultos que não compreendem os direitos não os merecem ter? Se não aceitamos essa ideia para os direitos humanos, porque devemos aceitá-la para os (não) direitos animais?

5. Os animais não respeitam os nossos direitos

Se os animais não respeitam nossos direitos, eles não têm nenhum direito a ser respeitado pelos humanos. Muitas respostas podem ser dadas, mas o autor se limita a apresentar duas: não exigimos que as pessoas respeitem os direitos humanos antes de reconhecermos os delas. Mesmo que crianças façam algo que prejudique alguém, não vamos tirar todos os direitos dela e nem o direito de todas as crianças por isso (REGAN, 2006). Alguns animais (geralmente os carnívoros como os leões) podem nos prejudicar, e as vezes o fazem, então seria o caso de não dar direitos a esses? Galinhas, porcos, vacas (entre outros que tem comportamentos diferentes) deveriam ser penalizados pelo que os leões fazem?

6. O que seria de nós?

Elaborada a partir da objeção anterior, seria uma conclusão sobre se os leões têm direitos, então as pessoas que estão sendo atacadas não podem fazer nada, a menos que violem os direitos dos leões. Se um humano não puder se defender dos animais, ele poderia morrer.

Qualquer defensor coerente dos direitos animais reconhece o direito à autodefesa, ajustado, por outras considerações, como a proporcionalidade (ou seja, não deve-se usar mais força, se menos força já for suficiente). Essa lógica serve também para um agressor humano que pode violar direitos e ameaçar ou causar danos a uma outra pessoa.

É um pensamento similar ao item anterior, só que associa o tratamento dos animais não para com os humanos, mas para com os outros animais. Se um leão come uma gazela, como podemos estar errados em comer um bife?

A diferença mais óbvia é que alguns animais “têm que comer outros animais para sobreviver. Os humanos não. Portanto, o que um leão tem de fazer não se traduz, pela lógica, no que nós podemos fazer” (REGAN, 2006, p. 81 grifos do autor).

Essa objeção também diverge muito da prática normal do ser humano, pois, se os humanos forem imitar outros animais em seus hábitos alimentares, também deve-se seguir seus comportamentos e virar selvagens? Parar de usar carros, roupas, computadores, etc.? Por que colocar o que os animais carnívoros comem numa categoria única, como sendo a única coisa feita por eles que nós deveríamos imitar?

8. Os animais não têm consciência de nada

Derivada do pensamento cartesiano, algumas pessoas dizem que os animais, diferente dos humanos, não têm mentes e não conseguem se comunicar conosco através da linguagem. De outra maneira, os animais não são conscientes de nada porque não podem dizer nada, ou, mais precisamente, não têm a habilidade de usar uma linguagem humana.

É óbvio que ter consciência do mundo não depende de ter habilidade para usar alguma linguagem. As crianças, por exemplo, antes de aprenderem a falar já tem consciência do mundo (uma consciência pré-verbal). Animais como os chimpanzés conseguem se comunicar pela linguagem de sinais, portanto, existe uma consciência não-verbal, tanto em humanos quanto em animais não-humanos.

9. Os animais não têm almas

Essa é uma afirmação de natureza religiosa. Para algumas religiões, os animais não tendo alma, não existe para eles “vida além-túmulo”.

Supondo essa afirmação, existe uma contra-argumentação lógica: ter ou não alma imortal não tem relação lógica com possuir direitos. Pois os direitos em questão estão relacionados aos seres enquanto estão vivos, e não depois de mortos.

Um argumento teológico que pode ser utilizado é que seria perverso ensinar que já que os animais não têm vida depois da morte, estamos livres para fazer o que quisermos com eles enquanto estão vivos. O que se espera de uma crença num Deus amoroso (e não sádico)? Se eles não têm vida após a morte, os humanos deveriam fazer tudo ao alcance para assegurar suas vidas tão longas e boas quanto possível, pois eles não terão compensação futura.

É um outro argumento religioso. “E Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e à nossa semelhança: e vamos deixá-lo ter domínio sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre o gado e sobre toda a Terra...” (Gênesis 1:26-28)

O que poderia estar mais claro do que a ideia de que os outros animais foram criados para nosso uso? De que “não fazemos nada de errado ao limitar sua liberdade, ferir seus corpos ou tirar suas vidas para atender às nossas necessidades e saciar nossos desejos?” (REGAN, 2006 p. 84).

Já que é uma argumentação religiosa (cristã, geralmente), Tom Regan utiliza uma argumentação baseada nos textos bíblicos. O autor enxerga que o domínio não significa: carta branca para saciar nossos desejos, mas, sim, responsabilidade de ser o representante do Criador, ou seja, “nós fomos chamados por Deus para sermos tão cheios de amor e de zelo por aquilo que Deus criou quanto o próprio Deus foi cheio de amor e zelo ao criar tudo” (REGAN, 2006, p. 84)

Em complemento, Regan (2006 p. 85) afirma que, na Bíblia, no relato da Gênesis, Deus criou os outros animais no mesmo dia que Adão e Eva. No mesmo texto, “E Deus disse Vejam, eu lhes dei todas as ervas com sementes sobre a terra, e todas as árvores, nas quais estão os frutos com sementes; para vocês, isso será a carne” (Gênesis 1:29).

A mensagem não podia ser mais clara. Não há caçadores no Éden, mas só coletores. No mais perfeito estado da criação, os seres humanos são veganos; não comemos carne de animais nem qualquer produto de origem animal, como leite ou ovos. Portanto, se perguntarmos o que Deus esperava de nós "no início", em se tratando de comida a resposta não está aberta a discussões: Ele não esperava Big Macs nem omeletes de queijo... Os animais do Jardim do Éden viviam no paraíso precisamente porque ninguém violava seus direitos - e é isso o que, na minha opinião, os cristãos deveriam querer para os animais, hoje (REGAN, 2006, p. 85, grifos do autor).

11. Vamos resolver os problemas humanos primeiro

De fato, essa objeção não desafia os direitos animais, só pretende colocá-lo no “devido lugar”, “lá no final da fila”, pois “Há tantos problemas humanos terríveis diante de nós, fome, guerra, analfabetismo”, depois de resolver isso, aí sim, poderemos voltar nossa atenção para os direitos animais (REGAN, 2006 p. 86).

Sabe-se que, se for pensar dessa maneira, sempre haverá algum problema humano para ser resolvido e nunca chegará o dia em que as pessoas poderão se voltar aos direitos animais. Na experiência pessoal de Regan (2006), esse argumento geralmente é dito por pessoas de má-fé, que, efetivamente, não estão praticando o auxílio aos humanos necessitados.

Os defensores dos direitos animais não veem esses problemas como uma disjunção, ou você faz um ou faz o outro. Mas, sim, como uma conjunção na qual ambos podem ser

trabalhados ao mesmo tempo, pois os direitos animais não precisam tomar a conta da vida inteira de uma pessoa para ser parte dela.

A base filosófica apresentada acima é fortalecida pelo aparato científico, em especial a partir do ano de 2012, com a Declaração de Cambridge, explicada a seguir.

3.2.2.2 Contribuições científicas para a Ética Animal: A Declaração de