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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.2 ÉTICA ANTROPOCÊNTRICA E SUAS POSSIBILIDADES DE AMPLIAÇÃO

3.2.2 Ética Animal

3.2.2.3 O uso dos animais e o processo de industrialização

Apesar dessas tendências no processamento, no início do século XX, os animais ainda eram em grande escala criados em fazendas e ranchos, mais ou menos da mesma maneira de sempre – e como a maioria das pessoas continua a imaginar que sejam. Não havia ocorrido ainda aos fazendeiros tratar os animais vivos como se estivesse mortos” (FOER, 2011 p. 110, grifos nosso).

No passado existia um entendimento maior das características individuais dos animais, as diferenças sutis nas “personalidades” individuais. As pessoas viviam muito mais perto dos animais, muitas vezes compartilhando suas casas, e apesar de as vezes cruéis, eles tratavam seus animais como indivíduos que poderiam sofrer como eles. Mas é inevitável que uma vez que o número de animais de propriedade torna-se grande, suas identidades individuais são perdidas. Este tem sido o resultado inevitável da agricultura industrial no mundo moderno, onde o grande número de animais domésticos, utilizados para alimentar a população humana crescente, são tratados como produtos hortícolas animados, todos criados para parecem idênticos e criados em fileiras de gaiolas, para ser colhidos quando necessário. Considerando a crueldade que humanos infligem sobre os animais, é irônico que nas sociedades ocidentais parece que estamos em um curso paralelo, encarcerando-nos em baterias de pequenos edifícios limpos e protegido de ameaças físicas, e com uma percepção muito reduzida do mundo vivo e seus outros habitantes (CLUTTON-BROCK, 2003).

Os animais domesticáveis têm recebido pouca atenção por parte de historiadores e antropólogos, principalmente considerando seu papel fundamental na produção e reprodução das cidades: além de seus usos para a alimentação, os animais são matéria-prima para inúmeras outras mercadorias, tais como medicamentos, extintores de incêndio, filmes fotográficos, lubrificantes aeronáuticos, graxa para máquinas, velas, tintas, pneus, filtro de ar, cosméticos e anti-inflamatórios, para citar apenas alguns exemplos (DIAS, 2009)

A dissertação de Dias (2009) busca a historicização da categoria de “animal de açougue” na produção industrial brasileira. A tese de Barboza (2014) faz também um breve resgate da indústria da carne. O livro Comer Animais, de Jonathan S. Foer (2011) também apresenta um resgate histórico do início do processo de industrialização da criação de animais para consumo humano. Devido à escassa quantidade de trabalhos que tratam dessa temática, o início dessa seção terá nesses trabalhos as fontes principais, as vezes única. Apesar de existir uma enorme variedade de outros animais usados pelo ser humanos, vou dar um destaque ao consumo dos animais para alimentação, devido à sua maior quantidade e, por isso, relevância.

O consumo de carnes no Ocidente passou por três momentos cruciais que marcaram a relação homem e animal. O primeiro foi baseado nas ideias dos gregos clássicos, que apregoavam a existência de um vínculo original que interligava todos os seres vivos. Num segundo momento, foi caracterizado pelo entendimento de que o contraste na capacidade de racionalização das espécies humanas e não humanas tornava o ser humano apto ao domínio dos animais. Esse período permaneceu inalterado durante muitos séculos na Europa cristã. O terceiro momento crítico aconteceu com uma nova concepção da exploração animal, que resultou na alteração da paisagem rural tradicional, devido ao rápido processo de industrialização e de mecanização das práticas agrícolas em prol da incessante busca pela racionalização da produção de carnes (CAVALIERI, 2006 apud BARBOZA, 2014).

Com a industrialização, a natureza passou a ser vista como um input para fins econômicos, o que resultou num alto nível de exploração dos recursos naturais e, também, da vida dos animais (DIAS, 2009; BARBOZA, 2014). A racionalidade econômica objetifica a vida, não apenas a humana. A relação da humanidade com os animais a partir da criação industrial passou a lembrar as guerras de extermínio (FOER, 2011).

O crescimento das cidades e à emergência das indústrias tornou os animais cada vez mais marginais ao processo de produção e distanciou a vivência dos homens deles. Isso favoreceu a consolidação contemporânea de um novo modelo de produção alimentar, especialmente animal, baseado no processo de produção industrial. De forma geral, a produção e o consumo de carnes modernos se capitalizaram em torno do domínio do ser

humano, reconhecendo o criador de animais de fazenda, atualmente denominado como pecuarista, como o recurso mítico ideal para caracterizar de forma confiável o dever de resguardar o sofrimento dos animais apenas quando lhe for necessário (WILLARD, 2002 apud BARBOZA, 2014).

A criação industrial se caracteriza como um sistema de cultura intensificada e intensiva na qual os animais, abrigados em dezenas ou centenas de milhares, são geneticamente preparados, têm mobilidade restringida e recebem como alimentação uma dieta não natural (incluindo quase sempre várias drogas) (FOER, 2011). Geralmente os animais são armazenados nas CAFOs (Confined Animal Feeding Operations – Operações de Engorda de Animais em Confinamento), estima-se que cerca de 74% da produção mundial de aves e 43% da de bovinos seja feita nesses sistemas de confinamento, com tendência a aumentar o percentual (TAVARES, 2012), 450 bilhões de animais terrestres, nos Estados Unidos representam 95% dos animais comidos ou utilizados para produzir leite ou ovos. “Então, embora existam exceções relevantes, falar sobre comer animais hoje é falar sobre criação em escala industrial” (FOER, 2011 p. 40).

Mais do que qualquer conjunto de práticas, a criação em escala industrial é um modelo mental: reduzir custos de produção a um mínimo absoluto e ignorar sistematicamente ou externalizar outros custos, como degradação ambiental, doenças humanas e sofrimento animal. Por milhares de anos, proprietários rurais ganharam sua sobrevivência usando processos naturais. A criação em escala industrial considera a natureza como um obstáculo a ser vencido (FOER, 2011 p. 40).

Nos galpões duma CAFO, os animais não têm acesso suficiente a uma série de recursos essenciais, como luz natural, ar fresco, alimentação adequada, nem a oportunidade de desenvolver os comportamentos naturais de sua espécie. Nesses estabelecimentos os animais são tratados como máquinas destituídas de qualquer consciência ou sensibilidade ao prazer e à dor (TAVARES, 2012).

Com o processo de industrialização da produção, com a utilização de granjas industriais, houve um aumento considerável da rentabilidade e do lucro das organizações de exploração animais. A chave para o sucesso financeiro das locais de confinamento animal está nas seguintes condições: retirar os animais do ar livre para serem criados em locais fechados e reduzir o tempo entre o nascimento e a venda dos animais. A primeira é importante pois reduz o custo de funcionários para criar os animais, na indústria das galinhas poedeiras ou frango de corte uma quantidade comparativamente pequena de pessoas cria centenas de milhares de animais, o que seria impossível se eles estivessem livres. Sobre a segunda, para que o animal esteja o mais rápido possível no mercado, e produzir um animal com o maior peso no menor

tempo possível, costuma-se tomar medidas para limitar sua mobilidade, manipular (aumentar) seu apetite e estimular o aumento do peso com a adição de hormônios para o crescimento (REGAN, 2006).

O Brasil contemporâneo fornece um caso importante, uma vez que a normatização do abate é recente e configura, ainda, área de confronto entre diferentes atores sociais que intervêm no momento do abate, a saber, o Estado, a produção tecnocientífica e a indústria a ela relacionada, e as organizações de defesa animal. Esta normatização torna obrigatório o assim chamado “abate humanitário”. Tal método, considerado científico, consiste na mediação do abate por aparelhos de insensibilização, visando deixar o animal inconsciente antes da sangria, com vistas a evitar a dor e o sofrimento.

O processo de abate humanitário no Brasil deve ser compreendido à luz das transformações históricas do abate no país, e apresenta, nesse sentido, continuidade e articulação com a eficiência produtiva da indústria da carne, que supõe uma operação de reificação, enquanto parte de um processo de reavaliação estatutária e de afastamento simbólico entre animal e humano para que o abate se realize. Revela, assim, também, mudanças nos padrões de sensibilidade quanto ao tema (DIAS, 2009, p. 2).

A autora faz um resgate histórico do processo sobre os matadouros. O processo de modernização das instalações no país foi bem depois dos Estados Unidos e outros países com uma grande produção. Os matadouros, já na época do Imperador D. Pedro II causavam grandes problemas onde estavam instalados, seja pela visão da população sobre os abates, os odores putrefatos e contagiosos, o sangue derramado com seus aspectos indesejados e mazelas. Por isso desde aquela época, seguir a tendência de realizar suas instalações longe da cidade e manter o ocultamento de suas atividades poluentes, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo realizaram isso inspiradas em Chicago - maior matadouro do mundo - Argentina, França e Inglaterra. “o distanciamento geográfico entre local de abate e local de consumo, entre matadouro e açougue, reflete uma dissociação entre animal e carne, só plenamente obtida no processo industrial.” (DIAS, 2009, p. 13).

O desenvolvimento das estradas de ferro nos Estados Unidos ocorreu, em larga medida, aliada às necessidades de escoamento dos postos de abate para as redes de comércio. Os países grandes produtores de carne a partir de 1840 nos Estados Unidos e 1860 na Austrália, Nova Zelândia, Uruguai e Argente, utilizaram as estradas de ferro para a substituição progressiva da prática de conduzir, a pé, os animais até o lugar de negociação, ou seja, dentro da cidade. Mas um dos principais avanços que impulsionou essa indústria foram os frigoríficos (DIAS, 2009).

A produção industrial da carne não exigia trabalho qualificado e contava com um largo excedente de mão de obra barata e instável. Por isso ocorria a possibilidade de uma maior precarização do trabalho, com uma maior exploração da capacidade e do tempo do trabalhador. A superexploração do trabalho, que era uma característica marcante nessa época - século XIX e início do XX - nos matadouros frigoríficos era realizada sobre os miseráveis, os jogadores, as prostitutas, e toda a sorte de trabalhadores desqualificados. “Guardadas as diferenças em sua exploração, animais e homens compartilham uma mesma condição, da qual o trabalho do abate de animais fornece uma imagem sintética de abjeção.” (DIAS, 2009, p. 22). Só a extrema miséria levava o trabalhador a aceitar tais condições de trabalho e quem o aceitava já se sabia morto.

O processo industrial teve como um de seus alvos o ocultamento paulatino de toda a violência, contra homens e animais. A disposição dos frigoríficos, aprofundando a separação entre local de abate e local de consumo, de meados do século XIX a meados do XX, fez do negócio da carne – o abate de animais e o processamento de sua matéria – “um espaço apartado, onde se confinavam, fora da vista e longe dos espaços públicos, a sujeira, a doença, a violência e a exploração, ou seja, toda a poluição” (DIAS, 2009, p. 22). Na constituição da modernidade, quanto ao abate, ocorre uma passagem do espetáculo público à eficácia tecnocientífica, rápida, asséptica e a portas fechadas. O efeito do afastamento da visão poluidora do abate e processamento de corpos animais parece ter sido a intensificação do consumo de carne – ou melhor, da carne frigorificada, produto industrial – nos centros urbanos no século XX (DIAS, 2009).

Além das estradas de ferro, muitos dos avanços industriais foram utilizados primeiro ou em grande quantidade pelos matadouros de animais. O maior matadouro frigorífico americano, em Chicago, trouxe uma série de inovações no que diz respeito à organização do trabalho. A nova era em que surgia, em meio a um surto de mecanização, de desvalorização do trabalho individual – do conhecimento do processo de produção em todas as suas etapas – e de valorização do trabalho fragmentado, medido e padronizado, supôs também a racionalização do abate e processamento de corpos animais, tanto na dimensão externa quanto interna da produção. A produção requereu a criação de uma “linha de desmontagem”, processo criado em Cincinnati, Ohio, e aproveitado e aprimorado em Chicago, para mecanização do abate (DIAS, 2009).

Inverso simétrico da linha de montagem, processo utilizado para a fabricação de máquinas, a linha de desmontagem de Chicago trouxe, por sua vez, inovações importantes nas técnicas de produção em massa nos Estados Unidos – em particular pelo uso de esteiras rolantes e nórias, os ganchos

circulantes que pendem do teto e que inspiraram fortemente Henry Ford na criação da esteira móvel (DIAS, 2009 p. 24).

Rifkins (1992) afirma que o matadouro de Chicago teria sido a primeira indústria americana a desenvolver uma linha de montagem, fornecendo um modelo de organização do trabalho e produção em massa. Ford criou sua esteira móvel a partir de uma visita ao matadouro, “montar um carro é só desmembrar uma vaca ao contrário” (FOER, 2011 p. 109). Esse novo sistema adotado trouxe grandes mudanças no modo de produção, intensificando-a, diminuindo o domínio do trabalhador sobre o processo, alienando-o do mesmo. Além disso, ao fragmentar o corpo animal em partes, o torna irreconhecível e irrecuperável (DIAS, 2009). As primeiras instalações industriais (matadouros) substituíram o conhecimento habilidoso de açougueiros por um grupo de homens que executavam uma série de tarefas entorpecedoras da mente, dos músculos e das articulações: matadores, sangradores, removedores do rabo, das pernas e das patas, do traseiro, do flanco, esfoladores de cabeça, responsáveis por abrir a cabeça, tripadores, responsáveis por corta a carcaça ao meio, entre outros (FOER, 2011).

Grossman (1991 apud DIAS, 2009, p. 25-26) afirmou:

Durante as duas últimas décadas do século XIX, o abate e o processamento do gado atingiram um nível de eficiência sem precedentes na indústria norte- americana. Carregadores transportavam carcaças ao longo das salas de matança, e uma série de comportas expulsavam embalagens, ossos, órgãos e outros subprodutos para os departamentos apropriados. Todas as partes do animal eram transformadas em um propósito lucrativo; em 1920, um boi [...] fornecia 41 subprodutos [...]. Essa racionalização da produção, tornada possível pela “linha de desmontagem”, envolvia uma divisão de trabalho tão intricada que, 'do curral ao congelador', 126 homens participavam do abate de um único porco. Em uma firma de médio porte em Chicago, o grupo de 157 homens responsável pela matança abrigava 78 ocupações distintas [...]. Embora as tarefas fossem menos mecanizadas que aquelas em outros departamentos, esforços individuais carregavam pequena relevância para o produto final [...].

Em 1908, sistemas de esteiras transportadoras foram introduzidas nas linhas de desmontagem, permitindo pela primeira vez que ao invés dos trabalhadores, os supervisores controlassem a velocidade da linha. Durante mais de 80 anos a velocidade continuaria subindo, chegando a dobrar ou triplicar, e trazia como resultado, além dos maiores ganhos financeiros da indústria, um abate ineficaz e muitos ferimentos e mutilações associados ao local de trabalho (FOER, 2011).

Se nessa época estava já tínhamos um crescimento e aprimoramento da indústria do abate de bovinos, ainda não conhecíamos a indústria do confinamento de aves e outros animais. Em 1923, devido a um incidente em Oceanville também nos Estados Unidos, Celia Steele deu início à indústria aviária moderna e a criação intensiva. A proprietária recebeu um pedido errado, ao invés de 50 aves, recebeu 500. Em vez de se livrar, decidiu experimentar

manter as aves num local fechado durante o inverno e com a ajuda dos recém-descobertos suplementos alimentares as aves sobreviveram e ela continuou fazendo experimentações. Em 1935, Steele tinha 250 mil aves em sua granja (FOER, 2011).

Na década de 1930, Arthur Perdue e John Tyson, arquitetos de propriedades de criação industrial entraram nos negócios das galinhas e ajudaram a florescer a ciência moderna da criação desses animais com uma série de “inovações”, como a utilização de milho híbrido subsidiado pelo governo do seu país, a debicagem (remoção da ponta dos bicos com lâmina quente), luzes e ventiladores automáticos, a manipulação do controle da luz para influenciar nos ciclos de crescimento dos animais, a utilização de antibióticos e seleção genética nas décadas seguintes (FOER, 2011).

De 1935 a 1995 o peso médio dos frangos de corte aumentou 65%, o tempo até chegarem ao mercado caiu 60% e seus necessidades alimentares reduziram em 57%. Para se ter uma ideia dessa mudança, imagine uma criança humana crescendo até atingir 140 quilos em 10 anos, comendo apenas barra de cereal e vitaminas. O resultado de tanta seleção genética foi a substituição da biodiversidade genética pela uniformidade, a necessidade de drogas e o confinamento não apenas para aumentar os lucros, mas porque as aves já não podiam mais ser saudáveis ou sobreviver sem eles. “O que a indústria descobrir – e essa foi a verdadeira revolução – foi que você não precisa de animais saudáveis para ganhar dinheiro. Animais doentes dão mais lucro” (FOER, 2011 p. 116-117).

Para a indústria do abate a ideia de partes e fragmentos é fundamental. Além de serem os pedaços que se tornarão os grandes produtos de consumo da população, trabalhar com fragmentos também permite a essa indústria uma grande flexibilidade em sua preparação e aproveitamento, seja para consumo alimentar, seja para a produção de produtos não comestíveis. Dessa maneira, no caso de rejeições impostas às carnes em situações de lesões e doenças, há sempre partes aproveitáveis (DIAS, 2009)

Houve uma mudança considerável no ciclo de vida dos animais que se consumiam. Não apenas o seu tempo de vida seria encurtado, como pesquisas buscariam os melhores cruzamentos entre raças para atingir maior engorda em menor tempo, e a facilidade de transportar animais e grãos até o mercado. Essas mudanças contribuiriam para a ruptura entre os ciclos naturais de reprodução dos animais e as demandas sazonais do abate (DIAS, 2009).

A industrialização da vida e da morte dos animais atinge, assim, um grau de especialização e “refinamento” que torna possível, por exemplo, a existência de aves cujo ciclo de vida, de sete anos, em condições normais, seja encurtado para sete semanas. Acomodadas em gaiolas minúsculas e submetidas à luz constante, essas aves são induzidas a

um regime alimentar ininterrupto, de modo que, ao fim das sete semanas, muitas delas não suportam o próprio peso, fraturando seus ossos de sustentação. Outro exemplo é o animal que dá origem ao produto brasileiro conhecido por “Chester”. Resultado de manipulações genéticas a partir de aves escocesas e muito semelhantes ao frango com um aumento no percentual de carne nas coxas e peito de 45% para 70% (DIAS, 2009)

Em conjunto com esse movimento de especialização e fragmentação da produção, Gustavus Franklin Swift, dono da fábrica que leva seu nome, desenvolveu uma técnica que efetivamente revolucionou o mercado de carnes: a carcaça, cortada em inúmeros pedaços, era agora apresentada ao consumidor como peças de carne, o que permitiu significativa elevação dos preços: “a melhor forma de atingir esse objetivo era cortar a carne esteticamente em pedaços, da forma mais atraente possível e expô-los pelo menor preço (CRONON, 1991 apud DIAS, 2009, p. 28).

Para Dias (2009 p. 27) esse foi o passo decisivo para a cisão entre a carne, como produto industrial, e o animal, em sua integridade de corpo vivo. “Assim como a estratégia velava, em sua nova forma, a forma real do corpo do animal, ela permitia também que se desenvolvesse um mercado de pedaços, isto é, que se vendessem mais pedaços iguais de animais diferentes num mesmo local, suprimindo, completamente, a relação entre a parte do animal e a totalidade de seu corpo”. De fato, como argumentou Cronon (1991), o resultado mais importante da produção industrial de carne – mais do que a carne em si – é:

o esquecimento, este que faz o animal morrer duas vezes: uma primeira vez nas plataformas de matança e uma segunda, no pensamento dos consumidores. Este esquecimento, como sugeri anteriormente, pode ser visto como parte de um processo global de alienação – i.é, de transformação em mercadoria – , que se inscreve no corpo retalhado e, agora, irreconhecível, dos animais.

A propaganda, que virou parte importante da produção da carne, veiculava ideias de modernização e avanço tecnológico e assepsia. Criar uma imagem de empresas racionais, modernas, produtivas, eficazes e limpas (LOBATO, 2004 apud DIAS, 2009).

As inovações técnicas e a realização da matança em uma escala nunca antes experimentada expandiram o consumo de carne para várias partes do mundo. Os empresários da carne renovariam o comércio internacional de carne com novas tecnologias de venda e distribuição de bois e porcos. Esse complexo racionalizado de matança trouxe enormes impactos à economia e aos hábitos norte-americanos. Um resultado a longo prazo dessa rede foi uma mudança na dieta norte-americana, bem como na de populações de várias partes do mundo (CRONON, 1991 apud DIAS, 2009).

A esmagadora maioria dos animais criados para consumo de alimentos é criado em um sistema industrial de confinamento intensivo, de maneira industrial (JOY, 2014; CARVALHO, 2015, BARTELT, 2016). Não que exista uma intenção em ser cruel com os animais, mas sim reduzir o preço por quilo (ROBBINS, 2014). Para criar o maior número de