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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.3 A ÉTICA ANIMAL E SUA INFLUÊNCIA SOBRE AS ORGANIZAÇÕES

3.3.4 O dito desconexo e a separação elementar entre discurso e prática

No tópico anterior, analisei uma espécie de saída parcial, uma resposta teórica limitada às demandas da ética animal, o bem-estarismo. Neste espaço analiso o conceito de dito desconexo, como uma resposta falaciosa às cobranças dos movimentos sociais em defesa animal.

Como vimos, a temática da ética e direitos animais vem ganhando uma força cada vez maior de penetração e difusão na nossa sociedade. Os movimentos de defesa animal se tornam cada vez mais corriqueiros e suas mensagens penetram em esferas que antes não conseguiam acessar (VISTA-SE, 2015). Obviamente, o discurso desses grupos e dos teóricos dessas temáticas entram em choque com partes importantes do nosso modo de viver e dos nossos hábitos de consumo, já que um sem fim de produtos de nosso dia a dia tem origem no

uso e exploração dos animais. Empresas inteiras são alicerçadas sobre esses ditames e cobradas a dar respostas sobre as formas de tratamento destes seres nas suas cadeias de produção, uma vez que o mercado consumidor minimante preocupado com as questões animais têm aumentado. Nem sempre as respostas oferecidas são da magnitude da necessidade, já que uma resposta verdadeira e completa desestruturaria o alicerce inteiro destas corporações ligadas à comercialização desses tipos de produto.

Se uma organização afirma que trata seus animais levando em consideração seu bem- estar, mas o que “eles fazem não condiz com o que eles dizem”, ou seja, se eles não são tratados com o objetivo de promover sua saúde, felicidade, conforto e satisfação, existe uma violência contra suas vidas (REGAN, 2006). Dessa maneira, existe uma falta de conexão entre o que as grandes indústrias de exploração animal dizem e o que elas fazem, ou seja, existe um dito desconexo (REGAN, 2006 p. 96).

O dito desconexo, proposto por Tom Regan em seu livro Jaulas Vazias (2006), apresenta-se como um mecanismo de evasão, uma retórica vazia, de desconexão entre prática e discurso, dos interlocutores das grandes empresas, visando sanar e adequar, mas sem onerar ou modificar substancialmente sua cadeia produtiva e as condições de exploração animal, às demandas legais e dos mercados consumidores. Este conceito pode ser explicitado na frase: “o que eles fazem não condiz com o que eles dizem” (REGAN, 2006, p. 96). O autor aponta, então, que porta-vozes da indústria ligada à exploração animal desfrutam das benesses desse dito desconexo. Com discursos prontos e com dados formais muitas vezes vazios de realidade, expressam o que as pessoas gostariam de ouvir, ou seja, que o tratamento legado é humanitário e o bem-estar animal é prezado. As corporações e seus lobistas utilizam esse artifício por duas razões essenciais: para se adequar à legislação que regulamenta sobre as questões dos cuidados com os animais na cadeia produtiva e para transmitir a imagem ao consumidor de uma empresa que tem preocupação com os animais, garantindo o escopo de um produto obtido sem sofrimento animal (REGAN, 2006).

Destarte, esta forma de posicionamento, apesar de suas implicações morais, resolve, sem grandes modificações reais ou alterações nos custos de produção, as cobranças dos movimentos de defesa animal, o anseio dos mercados consumidores por produtos produzidos sem sofrimento animal e a necessidade de adequação à normatividade legal. Nestas perspectivas, o dito desconexo aparece como conceito extremamente importante para expor as contradições do “abate humanitário” ou do mito das “vacas felizes” e as reais condições de exploração da cadeia produtiva da carne e do leite. Apresentando-se, também, como importante lastro teórico para análise da fissura entre as condições reais e as condições

fictícias e publicizadas ao consumidor, na perspectiva dos aspectos da exploração animal em suas instalações.

Geralmente as práticas de bem-estar animal e o dito desconexo são utilizadas por empresas para lidar com as demandas sobre o uso de animais, essas ferramentas se inserem num arsenal de estratégias com o objetivo de ocultar ou distorcer a realidade. “A produção animal comercial não é possível sem a violação dos direitos dos animais criados em granja, incluindo a violação do seu direito à vida [...] de serem tratados com respeito” (REGAN, 2006 p. 126). Poucas décadas atrás, algumas pessoas e organizações poderiam desconsiderar parcial ou completamente esses argumentos e continuar usando animais como objetos ou instrumentos de posse humana. Entretanto, com um crescimento exponencial nos últimos anos, em vários lugares do mundo, esse é um tema que não pode mais ser ignorado pelas organizações.

Os princípios da Ética Animal, devido ao aumento significativo de sua disseminação, têm levado, principalmente, os grupos de ativismo da causa animal e consumidores a pressionarem organizações e instituições públicas com ações de boicotes, manifestações, protestos, petições e até ações direta. Muitas dessas estão resultando em novas leis em suas regiões ou países e consequentemente podem promover uma variação na demanda de vendas (redução ou descontinuidade de produtos/serviços até crescimento ou oportunidade de novos produtos/serviços), impactar na imagem da marca, nos processos produtivos, em custos financeiras e até no fechamento de algumas empresas.

Essa é uma mudança que cedo ou tarde, com maior ou menor intensidade, vai ser absorvida e incorporada por muitas organizações, se não por considerações éticas, para se posicionar estrategicamente perante seus consumidores ou sociedade, para não resultar em prejuízos financeiros. Não há mais como as organizações ignorarem as reivindicações provenientes da ética animal, os vastos exemplos que foram apresentados, no Brasil e no Exterior, reforçam essa constatação.

Essas ações podem interferir diretamente na dinâmica das organizações cujos lucros derivam do uso de animais, em especial nos setores de alimentos, entretenimento, vestuário, farmacêutico, higiene e limpeza, cosméticos e experimentação bem como respectivos fornecedores e patrocinadores. Algumas das mudanças associadas a essas demandas, podem interferir fortemente na: extinção ou mudanças em produtos ou insumos na sua fabricação, mudanças no processo de produção, novas formas de se realizar testes.

Muitas empresas têm tomado iniciativas ou se adaptado, principalmente, na elaboração de produtos sem ingredientes ou insumos de origem animal na indústria alimentícia e de

vestuário, a redução dos testes em animais ou substituição por métodos alternativos na indústria farmacêutica, cosméticos, higiene e limpeza e a não utilização de animais em espetáculos de entretenimento.

Na próxima seção apresento a interação entre os aspectos teóricos do Dark Side das organizações com os princípios da Ética Animal.

3.4 O ENCONTRO ENTRE O DARK SIDE DAS