• Nenhum resultado encontrado

A Agressão no Cão em Portugal

2. Revisão da Literatura Bibliográfica

2.2. A Agressão no Cão em Portugal

No que concerne à agressão canina em Portugal torna-se relevante a alusão aos diplomas da legislação portuguesa que reportam a este enquadramento.

O Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro de 2009, evoca o estabelecimento das normas estipuladas no Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro de 2003, aplicáveis à detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia, e das imposições legais previstas no Decreto-Lei n.º 313/2003, de 17 de Dezembro de 2003, ou seja, a obrigatoriedade de identificação eletrónica de todos os animais perigosos e potencialmente perigosos. Este diploma considera, pela experiência adquirida com a aplicação daqueles normativos legais, que a punição como contraordenação das ofensas corporais causadas por animais de companhia não é fator de dissuasão suficiente para a sua prevenção, pelo que se entendeu como adequado tipificar tais comportamentos expressa e claramente como crime. A convicção de que a perigosidade canina, mais que aquela que seja eventualmente inerente à sua raça ou cruzamento de raças, se prende com fatores muitas vezes relacionados com o tipo de treino que lhes é ministrado e com a ausência de socialização a que os mesmos são sujeitos levou a que se legislasse no sentido de que a estes animais sejam proporcionados os meios de alojamento e maneio adequados, de forma

7

a evitar-se, tanto quanto possível, a ocorrência de situações de perigo não desejáveis. Para além disso, inferiu-se ser necessário estabelecer obrigações acrescidas para os detentores de animais de companhia perigosos ou potencialmente perigosos, entre as quais se destacam a exigência de que a reprodução ou a criação de quaisquer cães potencialmente perigosos das raças fixadas, em portaria do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, se faça de forma controlada, em locais devidamente autorizados para o efeito, com requisitos especiais quer no alojamento dos animais quer no registo dos seus nascimentos e transações.

No decreto-lei supracitado (Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro de 2009), é pertinente a consideração das definições que se seguem: ‘Animal de Companhia’ – qualquer animal detido ou destinado a ser detido pelo homem, designadamente na sua residência, para seu entretenimento e companhia; ‘Animal Perigoso’ – qualquer animal que se encontre numa das seguintes condições: Tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa; Tenha ferido gravemente ou morto um outro animal, fora da esfera de bens imóveis que constituem a propriedade do seu detentor; Tenha sido declarado, voluntariamente, pelo seu detentor, à junta de freguesia da sua área de residência, que tem um carácter e comportamento agressivos; Tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais, devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica; ‘Animal Potencialmente Perigoso’ – qualquer animal que, devido às características da espécie, ao comportamento agressivo, ao tamanho ou à potência de mandíbula, possa causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais, nomeadamente os cães pertencentes às raças previamente definidas como potencialmente perigosas em anexo da Portaria nº 422/2004, de 24 de Abril de 2004 – Cão de Fila Brasileiro, Dogue Argentino, Pit Bull Terrier, Rottweiler, Staffordshire Terrier Americano, Staffordshire Bull Terrier e Tosa Inu – bem como os cruzamentos de primeira geração destas, os cruzamentos destas entre si ou cruzamentos destas com outras raças, obtendo assim uma tipologia semelhante a algumas das raças referidas naquele diploma regulamentar; ‘Autoridade competente’ – a Direcção- Geral de Veterinária (DGV), enquanto autoridade sanitária veterinária nacional, os médicos veterinários municipais, enquanto autoridade sanitária veterinária local, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Polícia de Segurança Pública (PSP), a polícia municipal e a Polícia Marítima; ‘Centro de recolha’ – qualquer alojamento oficial onde um animal é hospedado por um período determinado pela autoridade competente, nomeadamente o canil e o gatil municipais; ‘Detentor’ – qualquer pessoa singular, maior de 16 anos, sobre a qual recai o dever de vigilância de um animal perigoso ou potencialmente perigoso para efeitos de criação, reprodução, manutenção,

8

acomodação ou utilização, com ou sem fins comerciais, ou que o tenha sob a sua guarda, mesmo que a título temporário.

No que reporta à detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, este decreto- lei prevê que a detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia, carece de licença emitida pela junta de freguesia da área de residência do detentor, entre os três e os seis meses de idade. A licença pode ser obtida pelo detentor após a entrega, na junta de freguesia respetiva, dos seguintes elementos: o termo de responsabilidade, o pedido de certificado do registo criminal (do qual resulte não ter sido o detentor condenado, por sentença transitada em julgado, há menos de cinco anos, por crimes dolosos contra a vida, integridade física, saúde pública ou paz pública), documento que certifique a formalização de um seguro de responsabilidade civil e o comprovativo da esterilização (quando aplicável) – devendo o detentor, aquando de qualquer deslocação dos cães perigosos ou potencialmente perigosos, estar sempre acompanhado da mesma. As juntas de freguesia mantêm uma base de dados na qual registam os animais perigosos e potencialmente perigosos, da qual devem constar: a identificação da espécie e, quando possível, da raça do animal, a identificação completa do detentor, o local e o tipo de alojamento habitual do animal e os incidentes de agressão. O SICAFE deve estar atualizado, devendo as juntas de freguesia registar no mesmo todos os episódios que determinem a classificação do cão como animal perigoso nos termos do presente decreto-lei. O detentor de qualquer animal perigoso ou potencialmente perigoso fica, de acordo com o mesmo diploma: obrigado a possuir um seguro de responsabilidade civil (destinado a cobrir os danos causados por este e cujas imposições legais são contempladas na Portaria nº 585/2004, de 29 de Maio de 2004), ao dever especial de o vigiar (de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e de outros animais) e a manter medidas de segurança reforçadas, nomeadamente nos alojamentos (incluindo aqueles destinados à criação ou reprodução). Os animais abrangidos pelo presente decreto-lei não podem circular sozinhos na via pública, em lugares públicos ou em partes comuns de prédios urbanos, devendo sempre ser conduzidos pelo detentor, por meios de contenção adequados à espécie e à raça ou cruzamento de raças, nomeadamente, açaime funcional que não permita comer nem morder e, neste caso, devidamente seguro com trela curta até 1 m de comprimento, que deve estar fixa a coleira ou a peitoral.

Segundo o mesmo regulamento, são impostos os procedimentos a cumprir no caso de agressão: o animal que tenha causado ofensa ao corpo ou à saúde de uma pessoa é obrigatoriamente recolhido, pela autoridade competente, para centro de recolha oficial, a expensas do detentor; esta ofensa, de que tenham conhecimento médicos veterinários, autoridades judiciais, administrativas, policiais ou unidades prestadoras de cuidados de

9

saúde, é imediatamente comunicada ao médico veterinário municipal para que se proceda à recolha do animal; no prazo máximo de oito dias, a câmara municipal fica obrigada a comunicar a ocorrência à junta de freguesia respetiva, para que esta atualize a informação no SICAFE. Quando a junta de freguesia tenha conhecimento de uma ofensa ao corpo ou à saúde de uma pessoa causada por animal ou de que um animal tenha ferido gravemente ou morto outro, de forma a determinar a classificação deste como perigoso nos termos do presente decreto-lei, notifica o seu detentor para, no prazo de 15 dias consecutivos, apresentar a documentação para obtenção de licença de detentor de animal perigoso. Relativamente ao destino dos animais agressores, o animal que cause ofensas graves à integridade física, devidamente comprovadas através de relatório médico, é eutanasiado através de método que não lhe cause dores e sofrimentos desnecessários, uma vez ponderadas as circunstâncias concretas, designadamente o carácter agressivo do animal, e a decisão relativa ao abate é da competência do médico veterinário municipal, após o cumprimento das normas vigentes em matéria de isolamento e sequestro dos animais agressores e agredidos em caso de suspeita de raiva. Caso o animal não seja abatido, este é entregue ao detentor, tal como ocorre para o animal que cause ofensas à integridade física simples, sendo requisito obrigatório nestes casos, e quando aplicável, a realização de provas de socialização e ou treino de obediência no prazo indicado pelo médico veterinário municipal. O animal que apresente comportamento agressivo e que constitua, de imediato, um risco grave à integridade física e que o seu detentor não consiga controlar pode ser imediatamente eutanasiado pelo médico veterinário municipal ou sob a sua direção.

Neste diploma (Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro de 2009) são estabelecidas, ainda, as normas para criação, reprodução e comercialização de cães potencialmente perigosos e a obrigatoriedade do treino dos animais perigosos e potencialmente perigosos, com vista à sua socialização e obediência. Para assegurar que este seja ministrado por treinadores com habilitação técnica para influenciar e adaptar o carácter do animal, bem como promover a sua integração no meio ambiente, com segurança, este diploma exige que o treino apenas possa ser ministrado por treinadores certificados para esse efeito. Neste âmbito, e em conformidade com o Despacho nº 7705/2010, de 3 de Maio de 2010, a Direção Geral de Veterinária autoriza que a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) efetuem a certificação dos treinadores de cães perigosos e potencialmente perigosos, de acordo com as normas a fixar pelas mesmas. No Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro de 2009, estão, ainda, vigentes as disposições legais no que importa às situações consideradas como crime: as lutas entre animais, as ofensas à integridade física dolosas e as ofensas à integridade física negligentes.

10

Foi publicada, a 4 de julho de 2013, a Lei n.º 46/2013, que veio introduzir alterações ao Decreto-Lei n.º 315/2009 de 29 de outubro de 2009, prevendo, entre outras disposições, que os detentores de cães perigosos ou potencialmente perigosos exibam um comprovativo de aprovação em formação para a detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, que os treinadores daqueles cães sejam certificados por entidade reconhecida para o efeito, e tenham obtido um título profissional emitido pela DGAV (Direção Geral de Alimentação e Veterinária). Para cumprimento de tais disposições, foi publicada a Portaria nº 317/2015, de 30 de Setembro de 2015, que estabelece as entidades formadoras dos detentores de cães perigosos e potencialmente perigosos, os requisitos específicos a que devem obedecer as entidades formadoras, o conteúdo da formação e os respetivos métodos de avaliação e define as entidades certificadoras de treinadores de cães perigosos e potencialmente perigosos, estabelecendo igualmente o modelo de provas e a avaliação dos candidatos, estando em curso um trabalho de articulação entre a DGAV, a DGADR (Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural), a PSP e a GNR, para pôr em prática todos os procedimentos necessários, para implementação destas medidas. Nesse sentido, não há, de momento, nenhuma alteração às obrigações a que estão sujeitos os detentores deste tipo de cães pelo que, quer as juntas de freguesia, quer os treinadores de cães, devem aguardar a divulgação das ações de formação de detentores, provas de certificação dos treinadores, datas e locais. Surge em 17 de Janeiro, do corrente ano, a Portaria nº 28/2017, na qual são aprovados os valores devidos às Forças de Segurança pela emissão de pareceres para certificação de entidades formadoras de cães perigosos e potencialmente perigosos, pela formação exigida aos detentores de cães perigosos e potencialmente perigosos e pela certificação de treinadores de cães perigosos e potencialmente perigosos, em anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante.

Após solicitação de dados relativos aos casos de agressão em Portugal, foi possível obter, por parte da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, a menção de 1517 animais classificados como ‘Animal Perigoso’, entre o ano de 2003 e o ano de 2016. De entre estes animais, 796 possuem averbamento de agressão. Estes são referenciados nos registos facultados pela DGAV – que constam na sua base de dados, o Sistema de Identificação de Caninos e Felinos (SICAFE) –, ordenados segundo o distrito, o concelho e o ano, para o período acima indicado. De acordo com a estruturação dos dados disponibilizados não foi possível discriminar o total de agressões direcionadas a pessoas ou animais. É pertinente referir que, no continente, o distrito de Lisboa é aquele que abrange um maior número de casos, nomeadamente 300, sendo que no distrito de Viseu foi reportado o menor número de casos, mais especificamente 3 referências. O gráfico 1 resulta da análise e compilação da

11

informação citada e representa o número de casos com agressão averbada, por ano, em Portugal.

Gráfico 1 – Número de Casos com Agressão Averbada em Portugal, registados entre o ano 2003

e o ano 2016, de acordo com a base de dados da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).

Com base na apreciação do gráfico 1 é possível inferir que o ano de 2015 foi aquele em que se observou um maior número de agressões assinaladas, mais precisamente 120, enquanto que o ano de 2003, aquele em que oficialmente é criada da base de dados do SICAFE, prevê somente um registo. De acordo com a DGAV, a informação contemplada não corresponderá, na realidade, ao número de casos de agressão efetivamente ocorridos em Portugal, para o intervalo temporal considerado, sendo aquele, presumivelmente, bastante superior.

No que respeita à consulta de referência em Medicina Comportamental em Portugal, um estudo estatístico foi realizado no Norte do país, baseado num questionário apresentado a 200 tutores e com a seguinte amostra: 123 cães machos e 73 fêmeas. Foram identificadas 38 tipos de raças, representando 55% da população, sendo a faixa etária mais comum a de um a três anos de idade (n= 68). Esta investigação, efetuada com o fim de traçar o perfil do cão agressivo, perceber os fatores de risco inerentes à agressão em cães e conceber medidas futuras preventivas, permitiu constatar que, no que importa aos relatos dos tutores, relativos ao comportamento dos seus animais, 55% estão associadas a problemas de agressividade. No que reporta às agressões, 58% são interespecíficas, representando os tutores as principais vítimas (42,5%) (Roriz & Sousa, 2012).

Um outro estudo, de cariz epidemiológico, relativo à consulta de referência em Medicina Comportamental em Portugal, cujos inquiridos foram os médicos veterinários que se dedicam

1 13 18 13 24 34 78 67 72 90 94 102 120 70 0 20 40 60 80 100 120 140 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

12

à área do Comportamento Animal em Portugal, permitiu inferir que a região do país onde se realizam o maior número de consultas de referência de Comportamento Animal é na região Centro, mais especificamente no distrito de Lisboa. Constatou-se, também, que a agressão direcionada a humanos surge como a motivação primordial na base da referenciação para a consulta de Medicina Comportamental, em cães, sendo a agressão direcionada a outros cães o terceiro principal motivo referenciado. No que respeita ao diagnóstico de alterações comportamentais em cães, a agressividade direcionada a cães coabitantes representa o principal diagnóstico da consulta de referência em Portugal (Santos et al, 2012).