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4. Discussão dos Casos Clínicos Apresentados e Considerações Gerais

4.8. Considerações Gerais

No que concerne à intervenção humana perante o instante em que decorre a agressão canina, há que referir que é pouca a informação com base científica no que respeita à conduta mais adequada a adotar. Apesar de reduzidas as fontes bibliográficas relativas ao procedimento adequado a ser empregue pelo Humano para apartar cães em luta, foram consultados alguns especialistas em etologia, nomeadamente a Dra. Bonnie V. Beaver, o Prof. Doutor Jaume Fatjó Rios, a Prof. Doutora Katherine Albro Houpt e o Prof. Doutor Tomàs Camps Morey, com o intuito de averiguar as recomendações que poderão ser preconizadas para quando o momento do ataque tem lugar. A Dra. Bonnie Beaver demonstrou a amabilidade de conceder um conjunto de medidas, de autoria pessoal, que poderão ser aplicadas: 1) Produzir um ruído elevado através de um apito, um equipamento à base de ar comprimido ou vociferando de forma tenaz; 2) Pulverizar, se necessário repetidas vezes, algo aversivo em direção à região nasal dos animais (por exemplo, citronela, maçã amarga ou bebida carbonatada); 3) Tocar a campainha na esperança de distrair o(s) cão(ães); 4) Se houver uma(s) palavra(s) que realmente motive o(s) seu(s) cão(ães) como "viagem de carro", "bolachas" ou "caminhadas", tente proferi-las num tom elevado mas alegre; 5) Usar uma toalha/cobertor para atirar sobre o(s) agressor(es) na esperança de desorientá-lo(s)/distraí- lo(s); 6) Manter as trelas nos cães para favorecer a separação; 7) Recorrer a uma vara de mordida (ou qualquer objeto sólido cilíndrico duro) e, com calma, tentar remover a boca do agressor da vítima, executando uma força de alavanca; 8) Segurar os membros pélvicos do agressor e elevá-los ligeiramente (se disponível, deve utilizar-se um bastão longo) para que, quando o mesmo suavize a mordedura, seja exequível orientá-lo na direção do humano; 9) Prender o agressor pelas articulações femuro-tibio-rotulianas ou membros posteriores e empurrar todo o corpo do agressor em direção dianteira e, em seguida, num padrão circular, mantendo firmemente os membros posteriores; 10) Manobrando o punho, e exercendo várias tentativas, o Humano deve infligir um golpe incisivo diretamente sobre a face do agressor, de forma a que se consiga desvanecer a pressão de mordida e remover o focinho; 11) Deslizar um portão de reduzidas dimensões sobre a face do agressor e, uma vez que este se afaste, intercetar o referido recurso e a face posterior do próprio corpo entre ambos os animais, manipulando o portão como que um escudo com o propósito de firmar o agressor contra uma parede, ou movê-lo através de uma entrada; 12) Manter uma coleira de elevado peso no cão de maiores dimensões e, quando este animal estiver na posse de um outro cão de pequeno porte, usar a coleira para arrastar os dois cães para uma porta de vidro deslizante e permitir que a porta se feche entre ambos enquanto o Humano, suave e firmemente, puxa a coleira do agressor. A Dra. Bonnie adverte que o Humano incorre no risco iminente da mordedura e

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acresce que é aconselhável investir, inicialmente, em técnicas menos invasivas e mais seguras e que, idealmente, dever-se-á recorrer a um especialista em comportamento para que o mesmo possa orientar na eleição do método mais conveniente em cada caso. Relativamente aos restantes especialistas assessorados, é referida ainda uma outra técnica: utilizar uma mangueira de água sob pressão sobre os indivíduos com a finalidade de dissuadir os intervenientes e, desta forma, frear a luta. No que importa ao conjunto dos pareceres emitidos, há consenso no que concerne à mediação não direta do Humano durante o conflito, pelo risco subjacente de uma agressão redirecionada, e existe ainda consonância na ressalva de que a prevenção da agressão surge como o dogma a adotar em qualquer contexto. É ainda crucial referir que a segregação de animais em luta difere, indubitavelmente, da de uma agressão direcionada a um humano. Após a separação de dois ou mais animais envolvidos num conflito agressivo, há sempre a possibilidade de recorrência do ataque, caso os mesmos não sejam devidamente isolados. Convém, então, salientar que, uma vez iniciada a luta, independentemente do animal que desencadeou o ataque, não é improvável assistir a um empenho dos indivíduos na progressão da agressão, havendo sempre a contingência de recorrência do evento agressivo. Pessoalmente, preservo uma posição que é baseada nas referências coletadas e na experiência pessoal: o ato de intervir no momento da agressão deverá resultar de uma deliberação assumida de forma individual, sensata e conscientemente.

Relativamente aos cinco casos de agressão considerados, não foram concedidas pelos tutores quaisquer referências no que respeita ao modo operado com o propósito de dispersar e isolar os animais envolvidos no conflito. No entanto, seria interessante sugerir, como trabalho póstero, a realização de um estudo estatístico, nos centros de atendimento médico- veterinário (CAMV) nacionais, no que importa ao modo de separação dos cães implicados nos casos de agressão acolhidos, bem como a percentagem de ocorrências em que foi patente o redireccionamento da agressão para o(s) humano(s) interveniente(s).

A temática da agressão subentende a alusão ao tema da eutanásia, prática aplicada frequentemente no âmbito desta problemática. É importante referir que é essencial que haja uma avaliação e gestão apropriadas do risco que poderá representar a conduta agressiva de determinado animal. A hipótese de eutanásia deverá ser considerada de forma sensata pelo tutor e pelo médico veterinário e/ou etólogo responsável. No decurso do período de estágio curricular, foram registados os casos de eutanásia praticados, com o pressuposto de se proceder à discriminação entre aqueles cuja motivação evidenciou base comportamental e os que apresentaram motivação de origem médica. É possível reportar que, relativamente ao foro comportamental, foram duas as circunstâncias que fundamentaram a prática de eutanásia, um caso de agressão, por parte de um caniche, direcionada a um membro geriátrico da família, e um caso de conveniência por parte de um tutor que ponderava emigrar

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e que alegava não possuir a alternativa de alojamento para o seu pit bull, o qual portava história prévia de agressividade. No que respeita à eutanásia executada segundo uma motivação de ordem médica, foram 23 os casos constatados, devido, nomeadamente, a: presença de tumores, complicação de situações prévias (designadamente quimioterapia, metastização de tumores primários…), insuficiência renal crónica e condições associadas à fase geriátrica (Gráfico 10).

Gráfico 10 – Motivação na Origem dos Casos de Eutanásia praticados no Período de Estágio

Curricular, no Hospital Veterinário da Póvoa (MM (Motivação Médica) versus MC (Motivação Comportamental)).

É evidente a necessidade de recorrer aos meios adequados de prevenção com o fim de impedir a concretização dos atos agressivos ou, no caso de estes por algum motivo serem consumados, evitar consequências que poderão ser nefastas para os seres vivos envolvidos. Neste contexto, são várias as medidas profiláticas que poderão ser implementadas nas mais variadas situações. A figura 26 representa um protótipo referente à arcada mandibular do produto ‘Saciri Dog Bite Guard’, cujo autor, o suíço Tim Saciri, manifestou a cortesia de facultar para que constasse da presente preleção. O mesmo poderia ser usado em animais que circulem na via pública com o fim de evitar lesões graves no caso de ser despoletada uma agressão direcionada a animais ou humanos. Em contexto profissional, poderá recorrer-se ao uso de um instrumento de contenção, o cabo de contenção (figura 27), com o propósito de controlar animais que manifestem agressão severa prevenindo, desta forma, mordeduras direcionadas a outros cães presentes na unidade hospitalar ou a pessoal médico e/ou assistente. Este utensílio deverá ser manejado com cautela com a finalidade de assegurar a segurança do animal.

8%

92%

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Figura 26 - Protótipo do protetor oral Saciri Dog Bite Guard, molde da arcada mandibular

(Fonte: Arquivo pessoal.).

Antes da aplicação prática de qualquer método, é importante reforçar que é requisito máximo, aludir a espécie humana, para os fatores de risco que caracterizam a envolvência de determinados contextos como, por exemplo, o historial de vida do animal, o impacto do desmame precoce e a ausência de uma socialização conveniente no temperamento futuro do animal.

Figura 27 – Cabo de Captura ou de Contenção

(Fonte: Imagem gentilmente cedida pelo Hospital Veterinário da Póvoa.).

Após todos os conteúdos debatidos, a mensagem fundamental a reter é a de que é urgente a sensibilização de todos os cidadãos para a evidência de que uma prevenção marginalizada poderá representar uma ameaça latente à integridade física de qualquer animal ou humano e, em última instância, à própria vida.

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Caso Clínico Idade Sexo Raça (RPP) Tipo de

Lesão Localização da Lesão

Sexo/Raça do(s) Outro(s)

Anima(is) Envolvido(s) Origem da Agressão

1 6 anos M Labrador () L Região Torácica M/Pastor Alemão Desconhecida 2 5 anos M Cairn Terrier () L Membro Torácico Direito M/Golden Retriever Dominância (?) 3 15 anos M Caniche () FC Região Torácica M/Pastor Alemão Predação (?) 4 SID M SRD () L/RT Região Cervical Cães de rua Desconhecida 5 SID F Rottweiler () L Membros Pélvicos e Região Inguinal M/Rottweiler Desconhecida

Tabela 6– Casos Clínicos de Agressão entre Cães, observados no Hospital Veterinário da Póvoa, durante o período de Estágio Curricular (Legenda: SID –

Sem Informação Disponível; M – Macho; F – Fêmea; RPP – Raça Potencialmente Perigosa; SRD – Sem Raça Determinada; L – Lacerações; FC – Fratura de Costelas; RT – Rutura Traqueal).

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