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O Tratamento e a Agressão no Cão

2. Revisão da Literatura Bibliográfica

2.7. O Tratamento e a Agressão no Cão

Deverá ser tido sempre presente, tanto pelos tutores como pelos médicos veterinários, que a agressão é uma característica complexa em qualquer espécie: desencadeia-se sob controlo poligénico e os fatores ambientais desempenham um papel crucial no seu desenvolvimento. A natureza, importância relativa e a interação das influências genéticas e ambientais são, no entanto, escassamente compreendidas (‘nature – nurture argument’) (Van den Berg et al, 2003; Overall, 2013; Appleby, 2016). Desta forma, é imprescindível considerar que, por vezes, o tratamento de cães agressivos revela-se demasiado arriscado e é da responsabilidade dos veterinários a recusa do mesmo quando o prognóstico é reservado ou o risco é demasiado elevado. A deliberação no que concerne a esta questão deve basear-se numa verdadeira abordagem médica do caso, considerando a etiologia, a psicopatologia e possíveis tratamentos (Beata, 2001). O tratamento específico de um caso de agressão está intimamente associado à motivação que se encontra na sua origem (Bowen, 2011). Os fatores de origem orgânica que poderão estar subjacentes à agressão deverão ser tratados, nomeadamente:

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uso do fármaco cabergolina em cadelas que manifestem agressão no âmbito de uma pseudociese (Bowen, 2011).

O contracondicionamento e a dessensibilização são técnicas às quais se poderá recorrer na agressão relacionada com o medo. Cães cuja agressão seja direcionada aos tutores não deverão ser desafiados e poderão requerer modelação comportamental especializada (Bowen, 2011).

São variadas as classes de medicamentos com maior utilidade em Medicina Veterinária Comportamental: os tranquilizantes (ex. haloperidol, clorpromazina, acepromazina), as benzodiazepinas, os inibidores da monoaminoxidase (ex. selegilina), os antidepressivos tricíclicos (ex. amitriptilina), os agonistas parciais da serotonina (ex. buspirona), os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ex. fluoxetina, paroxetina, sertralina e fluvoxamina) e os inibidores de antagonistas/recaptação da serotonina (ex. trazadona) (Crowell-Davis & Murray, 2006; Overall, 2010). O tratamento dos animais que padecem de comportamento agressivo é usualmente baseado no uso de neurolépticos e antidepressivos associados a modificação comportamental. Os problemas comportamentais relacionados com o medo são, muitas vezes, condicionados por estados de ansiedade e incluem, também, as fobias (ex. face a tempestades e a fogos de artifício). O tratamento dos casos de agressão com base nesta origem poderá ser multimodal: modificação comportamental combinada com fármacos adequados, feromonas caninas e outras medidas auxiliares, como por exemplo, o exercício e o uso de nutracêuticos (Ciribassi, 2016 (b); Garzón, 2016). A administração de benzodiazepinas apresenta como efeito colateral a perda de desinibições apreendidas, o que torna controverso o seu uso no controlo do comportamento agressivo (Crowell-Davis & Murray, 2006; Morgan, 2008). Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, designadamente, a fluoxetina, são, também, opções legítimas na redução da impulsividade para os casos de agressão sem sinalização ou com sinalização inadequada. No entanto, sendo o aumento da confiança e a desinibição efeitos plausíveis decorrentes do uso destes fármacos, a agressão, se consumada, poderá apresentar severidade superior (Beata, 2001; Bowen, 2011).

A modelação comportamental de um cão agressivo requer recomendações específicas e precisas. A consulta veterinária de rotina poderá não se adequar à gestão conveniente de um caso de agressão, motivo pelo qual a referenciação para um veterinário etólogo é, geralmente, aconselhada (Bowen, 2011). As indicações específicas que reivindicam uma consulta de referência em Medicina Comportamental incluem os casos em que: o sujeito alvo é vulnerável (idoso ou criança), as lesões resultantes foram graves, o padrão de agressão é imprevisível ou a sua tipificação é intrincada, quando existe uma ação legal ou quando há uma agressão direcionada ao tutor com risco de lesão associado (Bowen, 2011).

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A castração cirúrgica não foi, ainda, validada como uma medida efetiva de tratamento na redução da frequência do comportamento agressivo e os estudos efetuados neste âmbito revelam-se contraditórios (Takeushi et al, 2001; Bowen, 2011; Serrano, 2017). Esta medida poderá ser vantajosa nos casos de conduta agressiva que ocorra essencialmente em machos. No caso de se ponderar a esterilização do animal, é conveniente a castração química prévia com recurso à deslorelina e observação dos respetivos resultados. Relativamente às fêmeas, com a castração seria passível de esperar-se melhorias de comportamento agressivo exibido em fases de pico hormonal, como o estro e o diestro. A esterilização realizar-se-ia no período de anestro. Nos casos de pseudociese associada a agressão, a esterilização está recomendada (Serrano, 2017).

No caso de ser iniciada uma luta, constatou-se que o treino de obediência, embora necessário para a dessensibilização, poderá não fornecer controlo (Sherman et al, 1996).

As preparações formuladas no âmbito da botânica e da homeopatia têm sido ponderadas no tratamento de desordens comportamentais manifestadas pelos animais, ainda que não existam evidências científicas que comprovem a eficácia real do seu uso, apesar dos benefícios aparentemente demonstrados (Schwartz, 2000).

A terapia do toque, conhecida como ‘Tellington Touch’, está descrita como sendo benéfica nos casos de agressão direcionada a pessoas ou cães e recorre ao princípio de que quando o sistema nervoso é estimulado de forma singular, particularmente através de movimentos que não provoquem intimidação e de manipulação corporal suave, há uma reprogramação dos padrões motores e de comportamento (Scanlan, 2011).

A fotobiomodulação consiste numa forma de tratamento que utiliza fontes de luz não ionizantes e está descrita como uma terapia alternativa para determinadas desordens comportamentais, incluindo a agressão. Através da fotobiomodulação transcraniana ocorre uma elevação dos níveis de serotonina e endorfinas, o que poderia permitir, em combinação com o contracondicionamento e condicionamento ambiental, excluir o uso dos fármacos psicotróficos (Riegel & Godbold, 2017).

O desarmamento dos dentes caninos é uma técnica que está retratada em casos de agressão. Esta consiste na abrasão, em comprimento, dos dentes caninos, com o propósito de prevenir lesões graves aquando da mordedura. Trata-se de um procedimento controverso na medida em que o mesmo cursa, não raras vezes, com exposição da polpa dentária, pulpite e necrose da polpa, implicando, desta forma, a extração dos dentes afetados, não tratando, em última análise, a origem da agressão (Verstraete & Tsugawa, 2016).

Lesões bilaterais do corpo amigdaloide estão retratadas, como forma de terapia, em cães que manifestaram diferentes tipos de comportamento agressivo, tendo demonstrado ser possível reduzir a agressão quando relacionada com o medo (De Lahunta & Glass, 2009).

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Lobotomias frontais foram realizadas em humanos e animais com o objetivo de diminuir o comportamento agressivo, tendo-se constatado que as mesmas apresentaram sucesso terapêutico superior nos cães que manifestavam agressão intraespecífica relativamente àqueles que exibiam agressão direcionada a humanos. A terapia de choque electroconvulsivo foi efetuada de forma isolada ou associada a lobotomia frontal em cães com comportamento agressivo (De Lahunta & Glass, 2009).

O choque elétrico não deve ser contemplado como instrumento de modificação comportamental pois não representa uma medida de progresso, orientando os animais, muitas vezes, para a eutanásia. Apresenta consequências negativas, muitas vezes negligenciadas ou não reconhecidas por aqueles que promovem o seu uso (Overall, 2007).

Uma dieta contendo um teor reduzido ou médio de proteína (17% ou 25%) suplementada com triptofano, poderá contribuir para a redução da agressão territorial (Horwitz & Mills, 2009; Boden & Andrews, 2015).

O reforço positivo promove o vínculo entre o tutor e o seu cão e, em associação com a punição, aplicada negativamente, pode ser usado com sucesso na maioria das situações, para superar comportamentos agressivos (Appleby, 2016). A punição aplicada de forma inconsistente pode cursar com: diminuição do limiar de agressividade, agressão súbita, agressão redirecionada, elevação da ansiedade em animais receosos, sinalização inapropriada, agressão baseada no medo, agressão baseada no conflito, lesões, rutura do vínculo homem-animal e risco aumentado de eutanásia (Landsberg, 2013; Ciribassi, 2016 (b)).

A feromonaterapia compreende o uso de semioquímicos, geralmente incluídos na comunicação intraespecífica, que detêm um impacto emocional em contexto clínico específico por forma a controlar o comportamento do animal (Mills et al, 2013). A feromona canina (‘dog appeasing pheromone’) parece ser particularmente útil quando utilizada durante o programa de modificação comportamental, uma vez que promove uma aprendizagem eficiente em cães que manifestem ansiedade (Mills, 2005).

Na terapia holística a agressão é abordada como um aspeto mental que é parte integrante do indivíduo, perspetivando-o como um todo, antes da instituição de qualquer tratamento específico (Scanlan, 2011). A integração de todas estas modalidades de tratamento na Medicina Veterinária moderna constitui uma abordagem realmente ‘holística’ que se traduzirá em benefícios tanto para o Médico Veterinário como para os seus doentes e clientes (Overall, 2010).

É relevante referir que o tratamento de casos de agressão canina poderá revelar-se dececionante. A combinação de um diagnóstico correto com um plano terapêutico conveniente não apresenta uma predição perentória de sucesso. Desta forma, com o pressuposto de se tentar prever, distintamente, o curso do tratamento e prognóstico imanente,

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é pertinente considerar e apreciar os fatores humanos e animais inerentes que os poderão condicionar (De Keuster, 2012 (b)).

Os tutores deverão ter sempre em consideração que um animal alegadamente reabilitado poderá reverter para um comportamento agressivo a qualquer momento (Boden & Andrews, 2015).