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Fatores de Risco e a Potencialidade da Agressão no Cão

2. Revisão da Literatura Bibliográfica

2.3. Fatores de Risco e a Potencialidade da Agressão no Cão

O estudo dos mecanismos que controlam o despoletar da agressão e a identificação de fatores de risco relacionados com a mesma são essenciais para que se possam estabelecer medidas efetivas de prevenção (Amat et al., 2009; Matos et al, 2015).

Existe uma considerável discrepância entre as várias pesquisas no que respeita ao efeito da castração no comportamento canino, especificamente, na agressão. A influência da gonadetomia no comportamento agressivo é mais evidente em machos e nos casos de agressão intra-específica e agressão territorial mas menos evidente em fêmeas e noutros tipos de agressão (Haug, 2008). Um estudo realizado na Eslováquia permitiu verificar que os cães submetidos a gonadetomia eram menos predisponentes à manifestação da agressão direcionada a humanos enquanto que os machos intactos apresentavam maior propensão para exibir agressão direcionada a pessoas familiares (Matos et al, 2015). Em contraste com esta observação, uma investigação contemplando uma amostra superior a mil animais, da raça English Springer Spaniels, apurou que os cães intactos (machos e fêmeas) eram tendencialmente menos agressivos em relação aos tutores em comparação com os animais esterilizados (Reisner et al, 2005). Para outros autores (Bennett & Rohlf, 2007; Blackwell et al, 2008; Bollen & Horowitz, 2008) não existe relação comprovada entre a esterilização e o comportamento agressivo.

No que reporta somente ao sexo do animal, existem bastantes estudos relativos à análise do status sexual de cães que padecem de desordens comportamentais (Takeushi et al, 2001). Num estudo verificou-se que os cães machos são geralmente considerados como mais passíveis de despoletar conflitos agressivos, especialmente com outros machos (Sherman et al, 1996). Guy et al (2001(b)) atestaram que as fêmeas são praticamente três vezes mais passíveis de terem mordido alguém no contexto domiciliário.

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Considerando a idade do animal, algumas pesquisas sugerem a ausência de associação entre a idade do animal e o comportamento agressivo (Podberscek & Serpell, 1997; Fatjó et al, 2007; Matos et al, 2015). No entanto, muitos estudos observaram uma tendência para a exibição da agressão em cães com idade superior. Numa investigação liderada por Bennet & Rohlf (2007), os autores observaram uma correlação positiva entre a idade do animal e a animosidade/agressividade, enquanto que Hsu & Sun (2010) constataram que cães com idade superior a dez anos eram mais predisponentes à evidenciação de agressão direcionada aos tutores. Contudo nenhuma correspondência foi apurada entre a idade do animal e a agressão direcionada a pessoas não familiares. Após a análise de uma amostra superior a mil animais da raça English Springer Spaniels, Reisner et al (2005) comprovaram que os cães que apresentavam idade igual ou superior a quatro anos, exibiam maior disposição para agredir os seus tutores.

Relativamente à raça do animal, é interessante verificar que, em vários estudos, o English Springer Spaniels representa a raça que mais frequentemente demonstra agressão relacionada com comportamento de dominância. Parecem existir níveis inferiores de metabolitos de serotonina e de dopamina no fluído cerebroespinhal de animais pertencentes a esta raça submetidos a eutanásia motivada pela agressão (Takeuchi et al, 2001). Os cães pertencentes à raça English Springer Spaniels podem manifestar uma alteração comportamental paroxística, designada de síndrome de raiva, que consiste no ataque do animal direcionado a seres vivos e, ocasionalmente, objetos inanimados após o episódio referido. É comum que a agressão seja infligida sobre um membro familiar com o qual o animal habita (De Lahunta & Glass, 2009; Appleby, 2016). Um caso semelhante está descrito num cão da raça Pastor Alemão, documentado como tendo sofrido ocorrências esporádicas de lapso mental, reportado como a síndrome das raças populares, às quais se seguiu o ataque de cães e pessoas, familiares e não familiares (Beaver, 1980). Num estudo realizado nos Estados Unidos, os Pit bull terriers lideram como sendo a raça mais comum entre os cães agressores, seguida pelo Rottweiler e Pastor Alemão. As raças de porte grande representam um perigo apreciável na medida em que a pressão de mordida exercida é superior e, consequentemente, tal compreende um risco considerável de lesão grave (Oehler et al, 2009). No que concerne ao porte do animal, alguns trabalhos (Guy et al, 2001(a); Bennett & Rohlf 2007; Duffy et al, 2008; Arhant et al, 2010; Paranhos et al, 2013) concluíram haver uma tendência para a demonstração de agressão direcionada a humanos em raças de porte pequeno a médio. O comportamento agressivo em raças grandes ou gigantes habitualmente concorre com lesões de severidade superior e, por este motivo, será considerado de forma rigorosa resultando, frequentemente, na morte do animal (Kobelt et al, 2003). Desta forma, a agressão em cães de porte pequeno torna-se melhor tolerada (Duffy et al, 2008). O porte do

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animal foi demonstrado como tendo um significativo impacto no modo de interação deste com o seu tutor (Kobelt et al, 2003; Baranyiova et al, 2009). Os cães pertencentes a raças de porte superior são mais facilmente subjugados ao treino realizado por profissionais (Kobelt et al, 2003; Baranyiova et al. 2009). Pelo contrário, a participação em atividades de treino dos tutores de cães de raça de porte inferior é, tal como o seu comprometimento em geral, habitualmente inferior (Baranyiova et al, 2009; Arhant et al, 2010). Neste domínio, é relevante considerar que os cães de raça possuindo um porte inferior foram reportados como sendo mais obstinados (Baranyiova et al, 2009), desobedientes e espertáveis quando comparados com os de porte superior (Bennett & Rohlf, 2007; Arhant et al, 2010).

No que reporta às características do tutor no enquadramento da potencialidade da ocorrência da agressão, os autores de algumas pesquisas realizadas demonstram não ter apurado uma correlação significativa entre o sexo do tutor e o relato de ocorrência e/ou frequência da agressão (Bennett & Rohlf, 2007; Matos et al, 2015). Contudo, outros estudos não apresentam concordância com o fato anteriormente referido, mencionando que um maior número de pessoas do sexo feminino em contexto domiciliário está associado a agressão relacionada com comportamento de medo (McGreevy & Masters, 2008). Os tutores do sexo feminino foram referidos como menos suscetíveis de reportar uma agressão direcionada a pessoas não familiares, quando equiparadas com os tutores do sexo masculino (Casey et al, 2014), no entanto, Hsu & Sun (2010) verificaram que no caso do relato relativo à agressão direcionada aos tutores, esta tendência é contrariada. Matos et al (2015) constataram que tutores com idades inferiores são, presumivelmente, mais prováveis de possuir cães com manifestação de comportamento agressivo, o que poderá dever-se ao estilo de vida mais inconstante, característico desta faixa etária. É relevante referir que foi demonstrado (Roll & Unshelm, 1997) que os animais são percecionados de forma distinta de acordo com a idade do tutor: tutores com idade inferior a trinta anos perspetivam o seu cão como um membro familiar enquanto que tutores com idade superior o consideram como uma criança. Outros autores (Bennett & Rohlf, 2007) não apuraram qualquer relação entre esta variável e a agressividade canina.

A experiência do tutor é também um importante fator com interferência no comportamento canino (Jagoe & Serpell, 1996; Kobelt et al, 2003; Bennett & Rohlf, 2007). Particularizando o comportamento agressivo, alguns autores (Jagoe & Serpell, 1996; Luescher & Reisner, 2008) constataram uma associação negativa entre a sua expressão e a experiência do tutor. Uma outra pesquisa não apurou qualquer correlação entre ambas as variáveis (Matos et al, 2015). O que se pretende de um animal de companhia é que se adapte ao que a sociedade onde está inserido expecta da sua parte. No entanto, estas perspetivas variam consoante a sociedade em que os cães vivem – urbana, periurbana, rural ou semi-rural, consoante a região

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e o país (Seksel, 2010). Por exemplo, na Eslováquia é comum manter os animais no exterior, livres no jardim, acorrentados ou num canil, resultando, presumivelmente, numa menor interação destes com os tutores em comparação com animais que habitam no interior (Matos et al, 2015). É possível que cães mantidos no exterior não sofram estimulação suficiente e não sejam submetidos a passeios, apresentando reduzida atividade física, o que orienta a interação com desconhecidos para circunstâncias em que estes invadam o território do animal. Todos estes fatos promovem um sentimento de frustração por parte do animal (Haug, 2008). O meio urbano ou rural em que os cães vivem poderá condicionar a agressividade destes. Matos et al (2015), apesar de não verificaram diferenças entre as comunidades rural e urbana, no que respeita à exibição da agressividade canina, especularam a hipótese de que cães que habitem meios rurais pudessem ser mais agressivos, talvez porque os tutores, no meio rural, serão, possivelmente mais tolerantes (Hsu & Sun, 2010) e menos empenhados na interação com o seu cão. De acordo com Baranyiova et al (2005), foi possível observar, num estudo que contempla a influência da urbanização no comportamento agressivo de cães, em onze situações distintas, que os cães de áreas urbanas rosnavam mais perante membros familiares do que os de zonas rurais.

Relativamente ao período de socialização, o qual se estima que decorra, na espécie canina, entre as 3 e as 10 -12 semanas de idade, esta fase é frequentemente referida como o ‘período crítico’ para a formação de relações sociais. Um mínimo de experiênciação ou a ausência total desta durante esta etapa parece ter efeitos duradouros no comportamento do cão (Yin, 2009; Seksel, 2010; ETOLIA, 2017 (a); Beacon Dog Training, 2017 (a)). Foi constatado que no contexto de uma exposição inadequada reside um dos principais riscos para a exteriorização da agressão (Appleby et al, 2002; Blackwell et al, 2008; Haug, 2008; Seksel, 2010; Beacon Dog Training, 2017 (a)). A frequência da prática de determinadas atividades (ex. passeios) e a promoção da interação do cachorro com outras pessoas e animais está negativamente associada ao comportamento agressivo (Arhant et al, 2010; ETOLIA, 2017 (a)). As vivências experienciadas nos primeiros meses de vida são determinantes para um desenvolvimento adequado (Roriz & Sousa, 2012), pelo que se revela bastante mais difícil modificar o comportamento social uma vez ultrapassada a fase de socialização (Seksel, 2010). Um estudo realizado permitiu constatar que a idade de aquisição do cão interfere no comportamento futuro do mesmo, sendo o desmame precoce do cachorro um importante fator de risco na manifestação do comportamento agressivo no cão adulto (Roriz & Sousa, 2012).

A interferência do treino no comportamento canino foi investigada por vários autores (Clark & Boyer, 1993; Jagoe & Serpell, 1996; Kobelt et al, 2003; Bennett & Rohlf, 2007; Blackwell et al, 2008). Muitos apuraram uma relação negativa entre o treino e as alterações

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comportamentais em cães (Clark & Boyer, 1993; Jagoe & Serpell, 1996; Bennett & Rohlf, 2007). Os comandos de obediência foram relatados como correlacionados com uma menor incidência de distúrbios comportamentais (Kobelt et al, 2003) e cães agressivos para com os tutores demonstraram reagir mais lentamente a estes comandos (Podberscek & Serpell, 1997). Alguns estudos centraram-se na coligação dos tipos de treino aplicado (formal, informal e uso de técnicas aversivas) e a presença de comportamentos indesejáveis (Bennett & Rohlf, 2007; Blackwell et al, 2008; Arhant et al, 2010). Bennett & Rohlf (2007) constataram que o empenho do tutor no que respeita ao treino estava notavelmente negativamente correlacionado com a exibição de animosidade/agressividade perante pessoas familiares e não familiares. O uso de punição foi observado como estando associado ao comportamento agressivo, para além do paralelismo entre o aumento da sua frequência e a da manifestação de agressividade (Blackwell et al, 2008; Arhant et al, 2010). Blackwell et al (2008) verificaram, contudo, que a combinação entre técnicas aversivas e o reforço positivo resultaria nos maiores índices de agressão média presumivelmente devido à inconsistência do método. O treino informal instituído pelos tutores foi relatado como estando associado a um aumento da possibilidade de eventual demonstração de agressividade (Blackwell et al, 2008; Matos et al, 2015).

No que importa à manifestação do comportamento de medo, este é um dos carateres de comportamento sobre o qual a genética apresenta uma interferência relevante (Le Brech et al, 2016 (b)). O medo parece também ter algum componente hereditário, pelo que os animais com progenitores receosos ou ansiosos poderão ter comportamentos semelhantes (Ciribassi, 2016 (a)). Muitos autores estabeleceram uma ligação significativa entre a agressão e o medo. Estes são estados motivados pelo mesmo estímulo (Archer ,1979). Quando uma situação suscita uma reação agressiva, esta poderá ser defensiva ou ofensiva, de acordo com o estado motivacional (McFarland, 1981; King et al, 2003). A agressão defensiva tende a ocorrer concorrentemente com fuga, evasão ou medo (McGlone, 1986). Muitas vezes esta condição é confundida com a agressão ofensiva tendo, por isso, um diagnóstico impreciso (Galac & Knol, 1997). Um estudo contemplando 245 casos de agressão canina (Borchelt, 1983) observou que a agressão relacionada com comportamento de medo era a mais frequente, integrando praticamente 25% dos casos. Relativamente à agressão direcionada a humanos, o medo foi reportado como a motivação mais comum para a exibição da agressão direcionada a pessoas familiares (Bamberger & Houpt, 2006) e não familiares (Fatjó et al, 2007; Haug, 2008).

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