• Nenhum resultado encontrado

Após a exposição do tema deste trabalho, “Agressão no Cão”, em particular, a “Agressão Direcionada a Outros Cães”, foi possível retratar todos os pontos essenciais que o mesmo pressupõe.

Esta dissertação introduziu, numa primeira fase, a generalidade do tema da agressão no cão doméstico para, posteriormente, orientar a essência do tema para um tipo de agressão específico, a agressão direcionada a outros cães.

Como apreciação pessoal, é pertinente referir que este é um tema deveras preponderante para mim, enquanto indivíduo, uma vez que, na qualidade de tutora, presenciei, ao longo da minha vida, vários confrontos tipicamente agressivos. No que respeita à área profissional, enquanto futura médica veterinária, não posso deixar de reconhecer o valor desta problemática que, podendo parecer do foro comportamental, poderá estar relacionada com uma imensidão de vertentes da medicina veterinária pois, tal como já foi referido, o comportamento agressivo pode estar na base de diversas desordens, podendo associar-se a várias especialidades, nomeadamente neurologia, endocrinologia, oncologia, área da nutrição, área da reprodução, podendo-se recorrer ao tratamento destas mesmas alterações com o objetivo de reverter a manifestação destes distúrbios que se exteriorizam, assim, sob a forma da agressão. É neste âmbito que se decifra a pertinência da articulação da área da etologia com os vários domínios da medicina veterinária, reforçando que, muitas vezes, o médico veterinário poderá estar perante somente a ‘ponta do icebergue’.

Tendo em consideração todos os assuntos explanados neste trabalho, este constitui, incontestavelmente, uma ferramenta preciosa no que concerne a dotar os profissionais da área animal, todos os tutores e sociedade em geral, de conhecimentos fundamentados que permitirão uma escolha sensata e refletida no momento de se optar pelo comum método de eutanásia no sentido de se tentar eliminar uma contrariedade, na sequência da incapacidade de se evitar o ato agressivo, permitindo, assim, facultar recursos alternativos e uma visão integrada, através da sensibilização, para o processo da agressão. Deste modo, a eutanásia poderá, numa primeira instância, ser preterida por uma tentativa ponderada de reabilitar o animal.

A conclusão fulcral, que se caracteriza como a essência de todos os conteúdos expostos, é a de que, sendo o comportamento o resultado de um conjunto de reações de um sistema dinâmico face às interações propiciadas pelo meio onde um indivíduo se encontre inserido, tal remete, já à partida, para a constância da incontestável imprevisibilidade. Tanto o ambiente como os seres vivos que o compartilham são caracteristicamente voláteis. Deste modo, o próprio produto consequente da relação entre ambos reveste-se de um cariz incerto e

72

complexo. Assim, deveria ser considerada como consignada a iminência da eventual ocorrência de um conflito de foro agressivo entre dois ou mais animais que, em determinado momento, partilhem livremente um mesmo espaço. A agressão desencadeia-se sob controlo poligénico e os fatores ambientais desempenham um papel essencial no seu desenvolvimento. A natureza, importância relativa e a interação das influências genéticas e ambientais são, no entanto, escassamente compreendidas. Desta forma, a ocorrência da agressão tem uma base multifatorial. É no seguimento desta irrefutável constatação que surge a necessidade de se investir veemente na profilaxia do próprio ato de agressão.

Para além da imprevisibilidade referida, é incontornável o facto de que o cão doméstico, pertencente à espécie Canis familiaris, e, portanto, na qualidade de ser carnívoro, é detentor de uma armadura bucal cuja mordida, aliada a uma determinada pressão categórica, tem o potencial para produzir mordeduras que poderão resultar em consequências nefastas. Esta é uma realidade que não deve, de todo, ser negligenciada sendo este o principal motivo pelo qual é imperativo o apelo à sensibilização para a prevenção da agressão. Este deve ser o requisito sob o qual deverá ser alicerçada qualquer presumível interação.

O investimento no diagnóstico precoce e conciso das crises agressivas já consumadas é, indubitavelmente, tão importante quanto a prevenção em si. Importa realçar que o diagnóstico prematuro, adequado e preciso da motivação que se encontra na base da manifestação da atitude agressiva compõe um dos princípios medulares deste tema. É premente o escrutínio global, exaustivo e sistemático do animal que apresenta a conduta agressiva, nomeadamente a existência, tipo e qualidade do período de socialização, o ambiente que habita/frequenta, os tutores que por este se responsabilizam, a genética, a história clínica e de vida e a presença de potenciais alterações clínicas, com o propósito de reverter o cenário de agressão despoletado pelo mesmo, quer pela tentativa de resolução de uma alteração de origem médica, caso seja esta a situação propulsora dos vários episódios ofensivos, quer pela eleição e instituição de terapia(s) concreta(s) e efetiva(s). Os tutores poderão desempenhar um papel essencial no contributo que proporcionam no que respeita à análise integral do animal. No entanto, não raras vezes, este depoimento carece de objetividade, reveste-se de cariz emocional e não retrata, com rigor, a realidade do paciente. Cabe ao clínico geral ou etólogo a tarefa de apurar e interpretar as informações concedidas e incorporá-las, da forma mais sensata, na apreciação imparcial que um diagnóstico conciso impõe. É conveniente ainda ressalvar que o ato de postergar a diagnose inerente à agressão evidenciada poderá resultar na supressão de sinais preambulares, usualmente contemplados no escalar do comportamento agressivo, culminando com a exibição imediata do ataque em circunstâncias ulteriores.

73

Decorrente destas convicções são asseverados os sustentáculos sobre os quais precinge o objeto da presente dissertação: o diagnóstico e a prevenção.

Após todos os fatos acima considerados, é possível referir que os objetivos deste estudo, propostos no início desta dissertação, foram plenamente atingidos.

A abordagem deste tema permitiu constatar que os casos presentes à consulta nos centros de atendimento médico-veterinário resultantes de agressão entre cães são uma realidade da prática médico-veterinária. Apesar do reduzido número de ocorrências registadas face ao total de casos observados no período de estágio curricular, é possível inferir que é efetivamente plausível, no âmbito do quotidiano de qualquer unidade clínica ou hospitalar, a eventual necessidade de prestar cuidados a um cão vítima de traumatismos diversos na sequência de um conflito do foro agressivo com um outro ser da mesma espécie. Neste contexto, não deverá ser ignorado o risco de vida implícito para o mesmo, quer por condições que ameaçam de forma imediata a integridade cardiorrespiratória (ex. pneumotórax, hemorragia massiva, rutura traqueal, …), quer por complicações decorrentes das próprias lesões sofridas (ex. septicémia), ou a ameaça latente que um conflito agressivo representa para o Humano, no âmbito de uma agressão redirecionada.

Deste modo, e uma vez mais reitero, estão subjacentes a conveniência e imprescindibilidade em dotar todos os cidadãos de consciência e conduta coerentes com uma prudência constante no que importa à preservação de todos os cães que, em determinado momento e contexto específico, constituam potenciais alvos de agressão por parte de outros. Formalizando um balanço geral relativamente à completude da literatura científica pesquisada, surge-me uma questão, uma dúvida, que me orienta para o seguinte desafio: agressão… sintoma ou doença? É global a posição de que a agressão não deverá ser perspetivada sob o prisma de diagnóstico, mas antes um sintoma, que surge subjacente a determinada condição ou num contexto específico. No entanto, face a todo o conhecimento que a área das ciências me foi facultando ao longo dos vários anos de formação, ocorre-me a inevitabilidade de indagar: a agressão poderá converter-se num estado disfuncional passível de ser devidamente caracterizado, isto é, uma patologia? Concebendo a premissa ‘o órgão faz a função… e a função faz o órgão’, é patente a ponderação que se segue: supondo que a conduta agressiva perdure no tempo, por falha no diagnóstico da origem real na base do comportamento manifestado, por impossibilidade de um diagnóstico preciso em tempo útil ou, numa última instância, pela seleção inapropriada da(s) terapia(s) a instituir, sendo o período decorrido o suficiente para produzir uma modelação estrutural da rede neuronal cerebral, há que conjeturar a hipótese de conceber um órgão alterado, capaz de ordenar, perpetuamente, o comportamento ofensivo indesejado, ainda que com a resolução tardia do distúrbio primário, ou, especulando ainda a eventualidade de um condicionamento pavloviano, poderia

74

constatar-se, para além disso, a exibição do temperamento hostil na ausência do(s) estímulo(s) originário(s). Estaríamos perante um panorama complexo que reivindicaria uma avaliação e terapêutica particulares e compatíveis com um restabelecimento da estrutura neuronal, o que habitualmente constitui um processo moroso, cuja monitorização, possivelmente recorrendo ao uso integrado de exames complementares como tomografia computorizada, ressonância magnética e eletroencefalograma, e aliada à constatação da regressão comportamental, seria pertinente para qualificar o sucesso da evolução durante todo o progresso. Uma vez lucubrado todo este raciocínio, é sustentável a perceção de um tutor no que se refere à contingência permanente de um novo episódio agressivo por parte do seu animal, mesmo após a intervenção preceituada no sentido da reversão da conduta agressiva. Poder-se-ia admitir que a deliberação do tutor pela eutanásia, ainda que de forma inconsciente e alheia à teoria supramencionada, afigurar-se-ia congruente com esta cogitação.

O juízo introspetivo acima delineado advém da natural inquietude que deverá consagrar a essência de todo o indivíduo na condição de discente, no decurso da preparação de qualquer trabalho do foro académico. É essencial que o espírito especulativo, provido de razoável circunspeção, sustente e permita a revigoração e evolução da consciência. É fundamental a interminável demanda por toda a verdade possível para o Homem. Há um potencial inesgotável na importância de tudo poder questionar. Assim, a dissertação de um tema concreto não deverá esgotar-se no que já está consignado. Este discernimento é a base substancial da prosperidade. A alteração de mentalidades, de procedimentos, é, deste modo, assegurada pela interpelação e perscrutação pertinazes, características de futuras e eventuais investigações que obstam a Ciência, e qualquer outra área do conhecimento, do axiomático estagnar. Já afirmava Sócrates, filósofo ateniense do período clássico da Grécia Antiga, "A vida sem reflexão não merece ser vivida.".

75