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2. Revisão da Literatura Bibliográfica

2.4. Tipos de Agressão no Cão

No âmbito da Medicina Veterinária Comportamental não existe, ainda, um consenso no que respeita à categorização da agressão. Alguns autores classificam a agressão considerando o alvo (ex. direcionada ao tutor, direcionada a um cão), outros autores catalogam-na de acordo com a motivação, o estímulo ou o contexto subjacente (ex. territorial, relacionada com o medo, relacionada com o alimento) e outros com base na função hipotética (agressão relacionada com comportamento de dominância, agressão hierárquica) (Luescher & Reisner, 2008; De Keuster, 2012 (a); Landsberg et al, 2013). Os neurofisiologistas definem, no entanto, três tipos de agressão: agressão afetiva ou social, em que ocorre estimulação simpática – pode ser descrita como ofensiva (animal confiante) ou defensiva (animal receoso); agressão relacionada com comportamento de predação e agressão relacionada com comportamento de brincadeira (Landsberg et al, 2013). Segundo a classificação de Moyer, é possível categorizar os vários tipos de agressão: a agressão relacionada com comportamento de predação, a agressão relacionada com irritação (fome, sede, dor, frustração, receio), a agressão territorial e maternal, a agressão motivada pelo medo, a agressão hierárquica e a agressão instrumentalizada (Beata, 2001). A agressão relacionada com comportamento de conflito ocorre quando existem estados competitivos de motivação e frustração associada com a impossibilidade de concretização das condutas desejadas (Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão relacionada com comportamento possessivo (proteção de recursos, ex. comedouros, brinquedos, pessoas, animais ou locais) é um comportamento normal que se pode tornar alterado (Crowell-Davis, 2008 (b); Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão relacionada com comportamento de medo é despoletada por um estímulo que é percebido como uma ameaça para o animal (Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão territorial é definida com base no alvo, no propósito comportamental e no local. Ocorre frequentemente em casa, no jardim ou até no carro e é direcionada a seres não familiares que invadam o território (Crowell-Davis, 2008 (b); Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão baseada no comportamento de proteção é interpretada segundo o alvo, o objetivo da conduta e a presença de um animal ou pessoa pertencentes ao agregado familiar, sendo direcionada face a animais ou pessoas não familiares (Crowell-Davis, 2008 (b); Landsberg et al, 2013). A agressão associada a comportamento de predação surge de uma tendência natural para a perseguição de presas. No entanto, se direcionada a animais ou pessoas (ex. crianças, ciclistas), pode representar um perigo apreciável (Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão relacionada com a dor pode ser exibida em animais usualmente sociáveis e dóceis. Qualquer manipulação que curse com dor ou desconforto pode resultar em agressão (Landsberg et al,

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2013; Bassert & Thomas, 2014). Condições médicas que poderão não originar dor mas que aumentem a irritabilidade, como por exemplo o prurido (Klinck et al, 2008), durante a aproximação ou manipulação, podem culminar com agressão – agressão por irritabilidade (Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão relacionada com comportamento de brincadeira consiste numa conduta normal em cachorros que deverá ser controlada pelo risco de lesão potencial que representa para os membros familiares e outros animais (Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). A agressão baseada no comportamento de dominância é incontestavelmente aquela que apresenta um sobrediagnóstico ou diagnóstico incorreto (Crowell-Davis, 2008 (b); Landsberg et al, 2013). A agressão relacionada com comportamento de dominância foi descrita como sendo o tipo de agressão mais comum em cães e 40 a 80% dos cães agressivos foram reportados como apresentando agressão relacionada com comportamento de dominância (Fatjó et al, 1999). O mito da dominância persiste pois este tipo de agressão considerado anteriormente é, agora, perspetivado como obsoleto por muitos autores, na medida em que o comportamento canino em grupo difere daquele exibido pelo seu ancestral, o lobo, permanecendo a dúvida sobre se existirá uma verdadeira relação de dominância-submissão entre cães e humanos (Bradshaw et al, 2009; Landsberg et al, 2013). A agressão maternal refere-se a um comportamento exibido em relação a pessoas e outros animais e resulta da proteção instintiva por parte de uma progenitora face aos seus cachorros, podendo estar presente em cadelas que padeçam de pseudociese (Landsberg et al, 2013). A agressão redirecionada ocorre quando a agressão é orientada para uma pessoa ou objeto que não constituem o estímulo da resposta agressiva e surge como resultado de frustração ou interrupção de outras formas de agressão (Landsberg et al, 2013).

São várias as classificações existentes relativamente à agressão entre cães (Sherman et al, 1996). A falha de comunicação poderá estar na origem da agressão entre cães, especialmente em cães com socialização inadequada (Landsberg et al, 2013). Cães que manifestem agressão direcionada a outros cães, em abrigos, representam um desafio considerável, uma vez que poderão ser difíceis de controlar. De acordo com um estudo realizado no Centro para Abrigos Animais, em 2012, a agressão direcionada a outros cães integra uma das três principais motivações pelas quais os abrigos recusam a admissão de animais (Weiss et al, 2015). A agressão direcionada a cães coabitantes pode advir de circunstâncias semelhantes às que despoletam a agressão direcionada a pessoas. Geralmente envolve animais do mesmo sexo, frequentemente fêmeas. Animais jovens, animais introduzidos no agregado familiar ou cães que foram readotados são mais passíveis de iniciar uma luta (Landsberg et al, 2013; Bassert & Thomas, 2014). Um caso descrito reporta a agressão de um Pastor Alemão, fêmea, esterilizada, de 5 anos, direcionada a um cachorro

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coabitante, macho, de 2 meses, de raça Czechoslovakian Wolf dog, diagnosticada como uma agressão territorial-protetora associada a agressão predatória, após recolha detalhada da história e avaliação comportamental (Osella & D’Angelo, 2016). Roll & Unshelm (1997) verificaram, através de uma pesquisa realizada, que a agressão entre cães ocorre predominantemente na via pública, designadamente estradas e passeios (74,8%), em parques (9,2%), em prédios (8%), assim como em locais privados (6%). Os cães apresentavam-se sem trela em 68% dos casos, dos quais 8,7% circulavam livremente sem a companhia do tutor.

Vários autores consideraram a agressão direcionada a humanos como sendo a mais referenciada pelos tutores (Borchelt, 1983; Bamberger & Houpt, 2006; Fatjó et al, 2007). Um estudo baseado numa pesquisa realizada com veterinários generalistas concluiu que a agressão direcionada a pessoas não familiares é a mais frequente (Fatjó et al, 2006). Um ano mais tarde, o mesmo autor constatou, conjuntamente com outros autores, e após analisar uma amostra superior a mil casos de agressão da prática clínica de referência, que a agressão direcionada a pessoas familiares representava a motivação mais frequente (39% dos casos) enquanto que a agressão direcionada a pessoas não familiares ocupava o terceiro lugar (quase 22% dos casos) na lista de relatos dos tutores (Fatjó et al, 2007). Em 2013, um estudo realizado recorrendo a 3897 cães, apurou que 7% dos casos exibiam algum grau de agressão direcionada a pessoas não familiares enquanto que somente 3% da amostra apresentava como alvo de agressão pessoas familiares (Casey et al, 2014). Contudo, estudos baseados na ocorrência de mordedura canina, permitiram inferir que o cão agressor é familiar à vítima na maioria das situações (De Keuster et al, 2006) e habitualmente integra a família da mesma (Rosado et al, 2009). Um estudo recente concluiu que a agressão direcionada a pessoas não familiares ocorreu num pequeno número de cães, no entanto, apresentou uma frequência bastante superior quando comparada com a agressão relacionada com pessoas familiares (Matos et al, 2015).

A agressão direcionada a si próprio foi relatada pela primeira vez no Perú, como sendo decorrente de um diagnóstico presuntivo de um distúrbio obsessivo-compulsivo, baseado no exame clínico e observação, no ambiente exterior, do animal. O cão apresentava lesões severas na região da cauda e membros posteriores. Após seis meses de modelação comportamental associada a farmacoterapia, constatou-se um decréscimo evidente na intensidade e frequência do distúrbio compulsivo (Salgirli & Dodurka, 2011).

A agressão instrumentalizada refere-se à perda da estrutura habitual de uma sequência comportamental agressiva apresentando, por isso, um prognóstico reservado. Os sinais preliminares de agressão são reprimidos, sendo a mordedura prontamente infligida (Beata, 2001).

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