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A Prevenção e a Agressão no Cão

2. Revisão da Literatura Bibliográfica

2.8. A Prevenção e a Agressão no Cão

A aprendizagem é fundamental no desenvolvimento da conduta agressiva e, por isso, também na sua prevenção (Patrício & Talegón, 2009). O período de socialização é uma etapa sensível na vida do cão, compreendida entre as 3 e as 12 semanas de idade, crucial para prevenir problemas de comportamento (Yin, 2009; Seksel, 2010; Appleby, 2016; Serrano, 2016 (b); ETOLIA, 2017 (a); Beacon Dog Training, 2017 (a)). O intervalo temporal exato deste período sensível varia consoante o indivíduo, a raça e as experiências anteriores do animal e, ao contrário do que anteriormente se considerava, não é rígido (Bateson, 1979; Seksel, 2010). A maturação completa das estruturas nervosas responsáveis pela resposta ao medo, face a estímulos desconhecidos, demarcará a finalização da referida fase, a qual poderá alongar-se até às 16 semanas, consoante o indivíduo (ETOLIA, 2017 (a)). Alguns estudos indicam que o melhor momento para os cães serem socializados com congéneres é entre as 3 e as 8 semanas de vida, devendo-se iniciar as interações com seres humanos entre as 5 e as 12 semanas (Seksel, 2010). Geralmente recomenda-se que os animais sejam adotados com cerca de 8 semanas de idade, para permitir uma apropriada socialização com o novo agregado familiar (Seksel, 2010; ETOLIA, 2017 (a)). Das 10 às 18 semanas devem ser expostos a novos ambientes (Seksel, 2010). Esta fase não consiste somente na apresentação do cachorro a circunstâncias variadas, pelo que deve representar uma experiência positiva para o animal e deve ser empreendida atendendo o ritmo do mesmo (Hunthausen, 2013; Beacon Dog Training, 2017 (a)). São consideradas seis categorias no que reporta ao objeto de socialização, sendo que o animal deve ser exposto a situações enriquecidas e diversas que impliquem: outros animais (de várias espécies), pessoas, manipulação (ex. corte de unhas, escovagem), ruídos (ex. foguetes, trovões), superfícies (ex. relva, alcatrão) e, por último, locais e experiências (ex. viagens, passeios) (Beacon Dog Training, 2017 (a)). Uma forma de melhorar a qualidade e o tempo de vida de um cachorro passa pela informação do tutor e socialização do cachorro. Grande parte dos tutores desconhece ou possui ideias incorretas sobre o comportamento canino normal e respetivos sistemas sociais, apresentando reduzida ou nula interpretação da linguagem corporal do cão. Neste contexto, os médicos

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veterinários reconhecem que a socialização dos cachorros e as aulas de socialização representam uma parte importante da prática clínica, auxiliando os tutores a compreender melhor os seus cães e, desse modo, a atingir uma percentagem bastante superior de animais treinados e sociáveis na comunidade (Seksel, 2010; Appleby, 2016; ETOLIA, 2017 (a)). Estas sessões devem ser especificamente elaboradas para animais com idades compreendidas entre as 8 e as 12-14 semanas de idade e não deverão ser entendidas como um treino de obediência para cães mais novos, uma vez que os seus objetivos são bastante distintos: contribuir para que se possa evitar o desenvolvimento de condutas problemáticas (ex. hábito de mordedura) e constituir uma fonte de aconselhamento comportamental ou de referência para os médicos veterinários etólogos, no caso de cachorros previamente identificados com distúrbios de comportamento, como agressão ou ansiedade (Seksel, 2010). Com a domesticação, o período de socialização do cão, tipicamente caracterizado pela impressão visual, ocorre mais tardiamente e de forma mais prolongada no tempo, ao contrário do que sucede com o seu ancestral, o lobo, cuja impressão inicia logo aos 9 – 10 dias de idade, antes da abertura dos olhos, e ocorre através do olfato (ETOLIA, 2017 (b)). Assim, é relevante referir que deverá ser promovida uma socialização contínua e periódica até aos 6 ou 8 meses de idade. Cães que apresentem uma socialização adequada até às 12 semanas de idade poderão sofrer uma regressão comportamental na ausência do referido reforço. Tal deve-se, presumivelmente, a um período de medo, ou sensibilidade aumentada face ao medo, que poderá ocorrer entre os 4 – 6 meses de idade ou ulteriormente (Yin, 2009).

Para além das aulas de socialização, as sessões de treino de obediência propiciam ao animal a possibilidade de confraternizar com outros cães e pessoas para além dos tutores, bem como a oportunidade de serem expostos a uma variedade de estímulos e situações num ambiente não ameaçador (Seksel, 2010).

Os veterinários apresentam uma função relevante no que concerne a dotar os tutores de informação preventiva essencial e métodos seguros para a coabitação com um animal de estimação (De Keuster, 2012 (c)). Algumas medidas poderão ser implementadas com a finalidade de impedir a ocorrência de determinados tipos de agressão. Um cão que apresente agressão territorial não deverá coabitar um determinado espaço com pessoas ou cães não familiares sem a supervisão de uma pessoa capaz de o controlar. Cães possessivos deverão ser alimentados em locais isolados e os objetos alvo deste tipo de conduta deverão manter- se fora do seu alcance (Bowen, 2011). Nos casos de agressão entre cães, a pessoa presente deverá evitar apartar os animais envolvidos na luta, por forma a evitar uma agressão redirecionada (Le Brech et al, 2016 (a)). Na agressão entre cães coabitantes poderão ser usadas barreiras adequadas em contexto domiciliário por forma a gerir a convivência dos animais envolvidos com o agregado familiar, sem o risco de ser despoletada uma luta (Overall,

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2013). A alteração da perceção sensorial em animais que apresentam agressão com origem em certas fobias poderá ser considerada como alternativa preventiva (ex. uso de uma máscara de olhos (‘Eye Mask’) ou barrete (‘Calming Cap’) para evitar a estimulação pela luz num cenário de tempestade) (Overall, 2013).

O conhecimento da linguagem corporal canina subjacente à iminência de uma mordedura, isto é, a consideração dos sinais preambulares que caracterizam a sequência comportamental da agressão, é fundamental para a prevenção da mesma (Bueno, 2016 (a); Beacon Dog Training, 2017 (b)). Um estudo centrou-se na habilidade dos tutores em reconhecer os comportamentos-padrão associados à proteção de recursos (ingestão imediata, proteção e agressão) por parte dos seus cães. A ingestão imediata e a proteção parecem ser exibições comportamentais igualmente importantes na medida em que poderão ser consideradas como condutas percursoras da agressão. Assim, a capacidade do tutor em identificar todas as condutas-padrão, relativamente à proteção de recursos, consistiria num fator relevante no que concerne à prevenção da agressão relacionada com comportamento de possessão. Tutores com um conhecimento considerável no que reporta ao comportamento canino e que haviam participado em aulas de treino para cães demonstraram uma competência significativamente superior na discriminação das condutas referidas (Jacobs et al, 2017).

Muitos cães exibem comportamentos indesejáveis, como o medo e a agressão, quando são apresentados à consulta clínica (Seksel, 2010; Albright, 2014). A restrição enérgica, não qualificada, e com recurso à força, consiste numa manipulação prejudicial dos animais de estimação, contrariando a premissa ‘to do no harm’. Este tipo de contenção poderá cursar com um retrocesso comportamental do animal, podendo resultar em agressão e, em última análise, em eutanásia (Yin, 2009; Bueno, 2016 (b)). O conhecimento do comportamento canino e da linguagem corporal canina é essencial para que o médico veterinário possa adotar medidas de restrição seguras e adequadas (Vanhorn & Clark, 2011; Albright, 2014). A contenção do animal pode ser alcançada através de técnicas de restrição física, restrição verbal, restrição química ou uma combinação destas (Vanhorn & Clark, 2011). A contenção física consiste no domínio posicional do animal, por parte de uma pessoa, mediante a aplicação de alguns equipamentos e/ou uso do seu corpo enquanto que a restrição verbal recorre ao uso de termos (‘Não’, ‘Senta’…) para o controlo do animal (Vanhorn & Clark, 2011). A contenção química do animal inclui o uso de fármacos sedativos ou tranquilizantes. Este método é uma alternativa plausível para a manipulação conveniente de cães bastante agressivos com o propósito de assegurar a segurança dos profissionais, no entanto, deverá ser adotado com sensatez e considerado como último recurso (Chapman, 2017; Vanhorn & Clark, 2011; Bassert & Thomas, 2014).

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Vários equipamentos estão contemplados, nas unidades clínicas ou hospitalares, no que concerne à contenção de cães com a finalidade de asseverar o controlo e manipulação do animal, preservando a sua segurança e a do pessoal assistente (Ballard & Rockett, 2009). Alguns acessórios estão disponíveis comercialmente, designadamente coleira, trela, trela em laço (‘slip lead’, ‘noose leash’), peitoral (‘harness’), açaime (‘muzzle’), cabo de contenção (‘Rabies Pole’, ‘Snare Pole’) e luvas em pele (‘leather gloves’). Outros poderão ser idealizados e elaborados no âmbito do enquadramento clínico, com recurso a material pré-existente, nomeadamente: toalhas ou mantas, que poderão ser usadas na restrição de cães de porte pequeno, e ligaduras, cuja utilização possibilita a contenção do animal, nomeadamente de forma semelhante à do açaime, prevenindo a mordedura (Ballard & Rockett, 2009; Vanhorn & Clark, 2011; Chapman, 2017). As trelas em laço consistem em porções de nylon, corda ou cordão que apresentam um anel em metal numa das extremidades, através do qual deslizam para formar um laço. Propiciam uma segurança adicional quando associadas à coleira, à trela ou peitorais (Chapman, 2017). Os peitorais poderão ser aplicados em cães que apresentem lesões cervicais ou na região da cabeça (Chapman, 2017). O açaime é um utensílio aplicado em cães com a finalidade de prevenir a mordedura de um outro animal ou de um humano. Vários tipos e tamanhos estão contemplados, de acordo com a circunstância e o porte do animal, respetivamente, devendo o açaime propiciar um ajuste confortável para o animal. Este acessório pode ser adquirido comercialmente: açaime constituído à base de nylon (‘fabric muzzle’), de plástico (‘basket muzzle’), de arame (‘wire muzzle’), e assemelhar-se a uma trela para a região do focinho, no caso do cabeção (‘halter restraint'). É possível conceber um açaime recorrendo ao uso de uma trela (‘noose leash’), de uma fita (‘tape muzzle’) ou de uma gaze (‘gauze muzzle’). O açaime em nylon é confortável e habitualmente tolerado, contudo, impede que o animal elimine o calor via oral, devendo o seu uso ser instituído por curtos períodos e ser evitado em cães com problemas respiratórios (Albright, 2014; Bassert & Thomas, 2014; Chapman, 2017). O açaime de plástico, em cesto, poderá ser mais pesado, no entanto, pode ser utilizado durante atividades físicas e alguns alimentos podem ser dados através do mesmo (Albright, 2014; Chapman, 2017). O cabeção permite que o animal respire, beba e se alimente e, quando associado a uma trela, evita que a tensão seja exercida na zona cervical, quando o animal tenta puxar (Albright, 2014; Chapman, 2017). Aquando da aplicação do açaime, o profissional assistente deverá posicionar-se lateral ou posteriormente ao animal e os membros do animal deverão ser devidamente restringidos para evitar a sua remoção (Vanhorn & Clark, 2011). O cabo de contenção ou laço de captura (‘Rabies Pole’ ou ‘Snare Pole’) consiste num equipamento cujo uso, apesar de não habitual e admitido como último recurso na prática clínica, poderá ser legítimo na captura de cães agressivos. É constituído por um cabo rígido com um laço na extremidade que atua como que uma trela, permitindo

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controlar o animal e promover a salvaguarda dos profissionais de saúde. Deve ser manejado com precaução por forma a não comprometer a segurança do animal (Ballard & Rockett, 2009; Vanhorn & Clark, 2011; Chapman, 2017). Muitos centros de atendimento médico-veterinário detêm um par de luvas em pele. O seu uso é invulgar e, quando isolado, poderá ser alarmante para um animal, contudo, permite que o manipulador possa colocar as mãos num cão que apresente agressividade extrema, evitando a sua mordedura (Ballard & Rockett, 2009; Bassert & Thomas, 2014).

A restrição visual por meio de um barrete (‘Calming Cap’), a estabilização em caixa ou através de um cinto, assim como a feromonaterapia e a terapia com recurso à lavanda, poderão reduzir os níveis de stress do animal durante as viagens de carro e, por isso, prevenir a agressão com base neste cenário (Landsberg et al, 2013; Albright, 2014).

O ‘Saciri Dog Bite Guard’ é um acessório que consiste num protetor oral canino, o qual, segundo o autor, o suíço Tim Saciri, impede uma mordida completa e, embora não prevenindo a ocorrência da agressão em si, evita que sejam infligidas lesões graves no caso de ocorrer uma mordedura (Daily Mail Reporter, 2009).

Uma dieta suplementada com L-teanina e alfa-casozepina poderá contribuir para a redução dos níveis de ansiedade e, desta forma, atenuar a agressão com base nesta origem (Schroll, 2010).

Os problemas comportamentais terão menor incidência se considerarmos um cão equilibrado com as suas necessidades físicas e comportamentais devidamente asseguradas (Serrano, 2016 (a)).