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A crise que se sucedeu nos fins da década de 70 nos países mais avançados também trouxe conseqüências para os países do terceiro mundo. Estas conseqüências puderam ser sentidas com o fim nos fluxos de empréstimos internacionais, o que obrigou estes países a abandonar, ou então repensar, suas políticas de desenvolvimento e programas sociais, tomando como sentido a implementação de políticas neoliberais que, posteriormente, levariam a fragmentação do poder dos Estados nacionais.

A partir de meados da década de 80, diante da crise política e fiscal que o Estado brasileiro enfrentava, teve início no país um processo de desregulamentação que atingiu diversos setores agroindustriais e entre eles o sucroalcooleiro. Este processo de desregulamentação proporcionou uma mudança no ambiente institucional na medida em que novas normas foram criadas enquanto as normas antigas foram sendo extintas.

A década de 90 caracteriza-se pela transição de um padrão de intervenção estatal direto, para um padrão de intervenção com caráter mais regulatório e, isto exigiu do setor sucroalcooleiro, uma adaptação a esta nova forma de regulação, ocasionado mudanças nas formas de organização e representação dos interesses do setor.

Com a saída do Estado da coordenação de funções como o planejamento e comercialização bem como do papel de mediador dos interesses no setor, surgiu a possibilidade de que os diversos grupos privados organizados do setor se articulassem. Todos os agentes da cadeia sucroalcooleira têm pelo menos uma associação para representação de seus interesses, com possibilidade de diferentes níveis de agregação: municipal, intermunicipal, estadual e interestadual.

Neste sentido, se encontram articulados os sindicatos dos trabalhadores rurais, sindicato dos empregados rurais, associação de fornecedores, da indústria do álcool, da indústria do açúcar, da indústria de aguardente, etc..

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Esta seção é baseada em ALVES, F. J.C.; ASSUMPÇÃO, M.R.P. Diagnóstico e Propostas de Políticas Públicas para o Complexo Sucroalcooleiro- reestruturação e desregulamentação do complexo. In : ALVES, J.F.C. (coord.) Segurança alimentar e políticas públicas na região de Ribeirão Preto. São Carlos: Editora da UFSCar, 2001 .

Os plantadores de cana se organizaram no nível municipal, estadual e federal em torno das associações de plantadores. Além destas representações, os plantadores de cana são representados Sindicatos dos Produtores Rurais que possui base municipal, no plano estadual pela Federação da Agricultura, e pela Confederação Nacional da Agricultura, de base nacional. O Estado aparece como agente financeiro nas figuras do Banco do Brasil e BNDES.

Existem também as associações representantes dos interesses dos agentes a jusante das usinas tais como as indústrias de alimentos, das distribuidoras de combustível e dos supermercados. E existem também sindicatos relacionados com estes segmentos.

No tocante as empresas que constituem o setor, estas são bastante heterogêneas do ponto de vista estrutural, tecnológico e de situação econômica. ALVES (1998) classificou as unidades agroindustriais sucroalcooleiras aquelas que sempre viveram à custa do governo e tiveram que se esforçar para sobreviver durante o período de transição e as que cuidaram de tornar suas unidades competitivas, através de estratégias de inovação tecnológica e gerencial, buscando a racionalização de seus sistemas produtivos.

Dentro deste cenário foram as empresas deste último grupo que tiveram condições de introduzir modificações e inovações e ainda hoje as estão fazendo. Estas empresas estão continuamente buscando economia de escala e aumento de produtividade, através de eficiência dos processos agrícolas, industriais e de distribuição, investindo em inovação tecnológica, mecanizando a colheita e o plantio de cana e buscando estratégias de diferenciação.

Algumas usinas buscaram associações com “tradings” para se capacitar para o mercado internacional. Buscando diversificar, algumas usinas entraram na área de geração de energia elétrica através da queima do bagaço da cana e na diferenciação de seus produtos.

As agroindústrias do setor sucroalcooleiro estão buscando estratégias voltadas ao mercado do açúcar, uma vez que o setor sucroalcooleiro brasileiro produz um produto bastante competitivo no mercado internacional, devido aos seus baixos custos de produção, fundamentalmente no que se refere a mão-de-obra. O Brasil compete em

igualdade de condições com outros países produtores mundiais do açúcar em termos de produto, preço e distribuição.

Mesmo diante de um quadro que assinala aumento da concorrência e tendência crescente de políticas protecionistas como a concessão de subsídios, imposição de tarifas e de cotas de importação, o Brasil tem o açúcar mais competitivo do mundo, configurando-se como o maior produtor e exportador mundial. Além disso, o mercado interno é segundo maior do mundo.

A possibilidade de venda de um produto com maior preço, para mercados específicos e consumidores que exigem qualidades diferenciadas incorporadas ao produto e, portanto, estejam dispostos a pagar mais por isso, incentivou as usinas a investirem diferenciação dos produtos ofertados procurando assim, se sobressair em relação aos concorrentes.

Com relação específica ao açúcar pode-se dizer que o cenário competitivo é satisfatório para este produto uma vez que a demanda internacional apresenta tendência de crescimento reforçada pelo aumento do mix de produtos que passou a ser ofertado: açúcar líquido, açúcar invertido, cristal peneirado, açúcar glacê, açúcar dietético (light), açúcar orgânico etc.

Outro fator benéfico para o açúcar diferenciado brasileiro, que pode ser observado recentemente, foi o aquecimento do mercado interno com o aumento do consumo de produtos processados. SZMNECSÁNYI (1991) citado por ALVES & ASSUMPÇÃO (2001), destaca a expansão dos mercados de inserção das agroindústrias açucareiras para além daquele onde o açúcar é disponibilizado como produto direto, uma vez que este está se transformando cada vez mais em um insumo para a indústria de transformação.

Atualmente o açúcar está sendo usado também como produto intermediário em processos tecnologicamente mais complexos, tais como a produção de ácido cítrico ou para composição com outros insumos para o fornecimento à indústria de bens de consumo final (ASSUMPÇÃO & PLONSKI (2000) citados por ALVES & ASSUMPÇÂO, 2001).

Além do açúcar e do álcool o processo produtivo também gera alguns subprodutos que tem valor comercial. Neste contexto, algumas usinas, diversificando suas atividades, entraram na geração de energia elétrica através da queima do bagaço da

cana. Assim, o bagaço de cana, que já era usado como combustível nas unidades geradoras de vapor, passou a gerar energia elétrica para ser comercializada. Além disso, o bagaço também pode ser empregado na fabricação de ração animal e como insumo na indústria de papel.

Um outro subproduto de valor comercial é a levedura, que por apresentar um alto valor protéico pode ser empregado na indústria de alimentos e de ração animal. O ácido cítrico, outro subproduto bastante valorizado, também está sendo explorado comercialmente por algumas usinas.

Um outro subproduto do processo produtivo do açúcar e álcool tem tido destaque. É o chamado plástico ecológico. Proveniente de uma resina produzida por um microorganismo utilizado no processo de fermentação, este material em condições ideais de degradação, é destruído em dois a três meses, enquanto que o plástico comum não se degrada em menos de 50 anos. Este plástico começa a despertar interesse no setor de embalagem.

A desregulamentação do setor tem forçado mudanças nas transações presentes nesta cadeia produtiva configurando uma nova dinâmica de coordenação. Com relação aos fornecedores da cana-de-açúcar, a montante, no relacionamento fornecedor e usina/destilaria, o setor viveu recentemente uma transformação crucial na definição das novas regras de transação sem a regulamentação governamental.

No estado de São Paulo as usinas propuseram pagar a matéria prima através da chamada ATR (açúcares totais recuperáveis), que associa o preço da matéria prima aos preços finais dos produtos açúcar e álcool. Obviamente este tipo de remuneração não agradou os fornecedores e houve alguma polêmica em torno do tema.

Também é importante salientar que algumas usinas se preparam para serem independentes de terceiros no que diz respeito ao fornecimento de cana, selecionando para cultivo somente as terras mais férteis e devolvendo aquelas, antes arrendadas, que não se enquadram mais dentro do esquema de produtividade desejado.

Outro fato que merece destaque no âmbito do fornecimento de matéria-prima é que devido às especificidades do método de produção agrícola adotado, as usinas que estão produzindo açúcar orgânico, estão verticalizando o processo de produção, cultivando e colhendo em suas próprias terras a cana orgânica.

Também merece destaque a expansão do uso da agricultura de precisão no setor, fato este que tem ocasionado algumas mudanças. A aplicação de insumos que antes se dava através de produtos acondicionados em sacarias agora se dá através de adubo líquido ou a granel. Isto levou as empresas fornecedoras de insumos criarem um novo serviço que é o de assistência técnica, principalmente na aplicação, acoplada a venda de insumos.

No tocante ao relacionamento com o consumidor, existe um grande investimento por parte de algumas empresas na busca de um aumento da capacitação para a obtenção e uso da informação de forma a responderem mais rapidamente e precisamente às mudanças de mercado, tendo como objetivo a diminuição nos ciclos de desempenho entre a usina e a indústria /varejo e também a diminuição de estoques em toda a cadeia.

Com relação ao aumento da mecanização do corte de cana crua, este parece ser um processo irreversível, uma vez que existem pressões dos órgãos públicos através da imposição de mecanismos legais e também, uma pressão por parte da sociedade civil que vê nas queimadas um fator extremamente degradante da qualidade ambiental. Entretanto a legislação prevê um prazo bastante longo para que esta questão seja definida. Está prevista a obrigatoriedade da eliminação total das queimadas nas terras mecanizáveis a partir de 2021 e, nas terras não mecanizáveis, a partir de 2031.

Um outro fator que tem contribuído para a difusão deste padrão de colheita é a possibilidade de exploração de mercados em determinados países que têm demonstrado valorizar aspectos ambientais associados aos processos produtivos. Isto é mais evidente para as usinas que produzem o açúcar orgânico, uma vez que este modelo de produção não permite a queima da cana para a colheita15.

Sobre este tema, é preciso ressaltar que a redefinição do mercado e emergência de novos padrões culturais, como a valorização da qualidade nutricional dos alimentos, da proteção ao meio ambiente e outros elementos similares. Estas questões estariam configurando um cenário onde os trabalhadores se posicionam contra as demandas da sociedade, ou seja, as demandas de grupos sociais (consumidores, ambientalistas, etc) a favor da qualidade dos alimentos ofertados e a favor da preservação do meio ambiente, estariam sendo vistas, pelos trabalhadores, como uma ameaça aos seus postos de trabalho.

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Este tema tem gerado muitas discussões entre os sindicatos e as empresas em torno da recolocação da mão-de-obra envolvida diante do avanço da mecanização

Na verdade, o resultado desta aparente divergência de interesses instalada entre grupos sociais e trabalhadores, transforma-se em uma vantagem para as empresas produtoras, pois inviabilizam a junção de grupos potencialmente poderosos que, poderiam juntos se opor aos interesses da mesma.

De qualquer forma as questões relacionadas a exploração da mão-de-obra empregada pelo setor sucroalcooleiro, sempre foram motivo de discussões e polêmicas. Porém, quando se observa o problema do ponto de vista do modelo de desenvolvimento sustentável, este se torna um elemento que deve ser tratado com muito cuidado e atenção, pois não se pode conceber numa proposta de desenvolvimento sustentável, dilemas desta magnitude se desenvolvendo numa região.

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Todas as discussões desenvolvidas neste capítulo parte da questão acerca das motivações e condicionantes que estariam impulsionando uma parcela do empresariado sucroalcooleiro em direção da adoção de certificados de caráter ambiental e conversão produtiva com vistas à produção de cana e açúcar orgânicos.

Inicialmente é realizada uma explanação acerca das principais mudanças econômicas e políticas observadas no cenário mundial nas últimas décadas e as repercussões destas mudanças para o setor agroindustrial e agroalimentar.

Partindo desta questão e tendo como mote a inovação na abordagem evolucionista, é discutido como a questão ambiental é vista pelo sistema produtivo, podendo ser tida como uma oportunidade ou como uma ameaça, e o papel do empresário (empreendedor) neste processo.

Prossegue-se com uma discussão no que se refere ao papel que o ambiente institucional pode desempenhar, atuando como agente dinamizador na adoção e difusão das inovações.

O capítulo se encerra com uma breve discussão do posicionamento que o setor sucroalcooleiro, objeto de estudo deste trabalho, vem adotando diante deste cenário de mudanças estratégicas e produtivas. E, seguindo a tendência, este setor também vem adotando estratégias de diferenciação de seus produtos, procurando agregar mais valor a

eles. E é, justamente neste caminho, que algumas usinas estão produzindo o açúcar orgânico.

No capítulo seguinte são apresentados de forma detalhada os principais certificados utilizados para esta classe de produtos, qual seja, os agroindustriais, dando especial destaque para os certificados de caráter ambiental e, dentre estes, aos certificados de produtos orgânicos.

a utilidade destes certificados como agentes diferenciadores e informacionais.

São apresentados os principais selos utilizados no setor agroindustrial, e mais especificamente no setor agroalimentar. Como o foco deste trabalho está nos selos e certificados de caráter ambiental, uma discussão maior é reservada a estes, tendo como ponto de discussão principal o certificado de produto orgânico.