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4.2. Modelos alternativos de produção agrícola: uma análise de suas propostas

4.2.2 A agricultura organo-biológica

O modelo organo-biológico de produção agrícola surgiu no início dos anos 30, tendo como fundador o suíço Hans Peter Müller. Pelo fato de Müller ser político, no seu início este modelo de produção agrícola tinha como base aspectos sócio-econômicos e sócio-políticos, preocupando-se, por exemplo, com a autonomia dos produtores e com os sistemas de comercialização, apoiando a comercialização direta com os consumidores, eliminando desta forma a figura do atravessador ( EHLERS, 1994).

As idéias iniciais de Müller foram posteriormente, durante a década de 60, enriquecidas através de estudos realizados pelo médico alemão Hans Peter Rush acerca da relação entre a dieta alimentar e a saúde humana, e a partir de então Rush tornou-se um divulgador das idéias de Müller.

Apesar de valorizar requisitos como a proteção ambiental e a qualidade dos alimentos, este modelo de produção agrícola não considera essencial a associação entre produção animal e vegetal. Sugere que toda a adubação seja proveniente de matéria orgânica mas não faz nenhum tipo de restrição quanto a procedência desta e, desta forma, ao contrário do que preconizavam os biodinâmicos, as idéias de Müller e Rush não preconizavam a autonomia da propriedade.

As idéias da agricultura organo-biológica se difundiram por diversos países da Europa. Porém foi na França que a vertente organo-biológica mais se desenvolveu, tornando-se aí conhecida como agricultura biológica. Neste país durante os anos 60, 70 e 80 vários grupos se sucederam na liderança deste movimento. Nos anos 60 o agrônomo Jean Boucher e o médico Raoul Lemaire imprimiram uma forte conotação comercial ao movimento, formando uma sociedade que comercializava a produção agrícola e também os insumos. Esta iniciativa foi criticada por colegas do movimento, sobretudo por André Louis e Matteó Taverá que em 1964 fundaram uma associação dissidente denominada Nature et Progrès (Natureza e Progresso). Esta associação tinha como proposta resgatar os princípios propostos por Müller e Rush (EHLERS, 1994).

Durante os anos 70, as discussões sobre a agricultura biológica polarizaram-se entre Boucher/Lemaire e os componentes da Nature et Progrès o que acabou conduzindo, nos anos 80, a uma grande pulverização dentro do movimento biológico, com o surgimento de inúmeras entidades com propostas derivadas da idéia original.

Entretanto, o maior expoente da agricultura biológica foi o pesquisador Claude Aubert, que sintetizou em sua obra intitulada L’agriculture Biologique, publicada em 1974, a essência da agricultura biológica: a saúde das plantas e, portanto, dos alimentos, se dá por meio da manutenção da saúde dos solos. Este princípio apóia-se em um tripé cujas bases são: o manejo dos solos, a fertilização e a rotação de culturas (BONILLA, 1992). É importante salientar que a adubação mineral não é excluída, mas a base da adubação deve ser orgânica.

As idéias defendidas por Aubert partem do manejo correto dos solos visando propiciar condições adequadas para o crescimento e manutenção de sua microbióta. A fertilização do solo com adubação mineral é permitida desde que proveniente de fosfatos naturais, basaltos e rochas calcáreas; além disto, não se pode prescindir da adubação orgânica e da rotação de culturas. A combinação destas práticas possibilita o desenvolvimento de plantas mais sadias e mais resistentes ao parasitismo (BONILLA, 1992).

Claude Aubert foi fortemente influenciado pelo trabalho científico do biólogo francês Francis Chaboussou. Mesmo não pertencendo a nenhum movimento alternativo de produção agrícola, Chaboussou é peça fundamental na divulgação dos fundamentos

desta proposta e seus trabalhos científicos são considerados fundamentais por todas as correntes da agricultura alternativa.

Os trabalhos desenvolvidos por Chaboussou foram muitos robustos do ponto de vista científico e metodológico o que conferiu credibilidade aos seus resultados. Chaboussou foi o responsável por experimentos que mostraram uma correlação muito estreita entre a intensidade de ataques de parasitas e o estado nutricional das plantas. Segundo o pesquisador uma planta em bom estado nutricional torna-se mais resistente ao ataque de pragas e doenças e que o uso de agrotóxico causa um desequilíbrio nutricional e metabólico à planta, deixando-a mais vulnerável e causando alterações na qualidade biológica do alimento.

Francis Chaboussou publicou em 1980 o livro intitulado Le Plantes Malades des

Pesticides, traduzido para o português como “Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos:

a Teoria da Trofobiose”. Neste trabalho o autor afirma que a maioria das moléstias que acometem as plantas é iatrogênicas, ou seja, se originam do tratamento de outras doenças (CHABOUSSOU, 1999).

Durante seus estudos de doutoramento, que conduziram a formulação da Teoria da Trofobiose, Chaboussou verificou que as principais fontes alimentares dos predadores e parasita das plantas são substâncias de alta solubilidade presentes nos tecidos vegetais como, por exemplo, açúcares solúveis, aminoácidos livres oligoelementos. A aplicação de agrotóxicos (herbicidas, fungicidas, acaricidas e inseticidas) provoca um estado de desordem metabólica que desregula os mecanismos de proteossíntese (síntese de proteínas) e proteólise (quebra de proteínas) nos tecidos vegetais e, em conseqüência, sobram nutrientes disponíveis nas seivas das plantas. Como se sabe, nem todas as pragas são eliminadas com o uso de agrotóxicos. Muitos insetos, ácaros, fungos e bactérias adquirem resistência após sucessivas aplicações e passam a sugar das plantas esta seiva enriquecida com nutrientes disponíveis, provenientes do desequilíbrio mencionado. Assim, as plantas tratadas com agrotóxicos tornam-se extremamente apetitosas e, portanto vulneráveis às pragas remanescentes.

O emprego de adubos químicos solúveis também exerce influência na debilitação da saúde das plantas. Os vegetais, ao contrário dos animais, não têm um mecanismo de controle que regule a quantidade de nutrientes que deve ser absorvida, ou

seja, os vegetais não têm os mecanismos de fome e de saciedade. Então, nestes seres o que regula a absorção dos nutrientes é a disponibilidade destes no solo.

Em sistemas produção que usam adubação orgânica tradicional os nutrientes se encontram no solo, porém exigem que a planta realize algum esforço para disponibilizá- lo, pois não se encontram na forma solúvel, e assim a planta tem sistema de nutrição equilibrado por processos naturais. No caso dos adubos químicos solúveis, estes têm a sua absorção pela planta facilitada devido à sua constituição química e além disto, geralmente são disponibilizados em grandes quantidades. Ora, a facilidade na absorção é tão grande que a planta absorve continuamente e desordenadamente. Este processo provoca uma atrofia das raízes, pois a planta não precisa aprofundar suas raízes para buscar os nutrientes, enfraquecendo-a em termos de sustentação.

Além disto, a absorção contínua estimulada pelos adubos químicos, necessita de uma quantidade maior de água, uma vez que os fertilizantes químicos são sais, e isto leva a fragilização da planta com relação ao estresse hídrico. As plantas produzidas neste sistema apresentam seus tecidos “inchados” e apesar de uma aparência viçosa deixam dúvidas sobre as suas qualidades nutricionais30.

Analisando as idéias de Chaboussou fica evidente a contribuição do pesquisador para agricultura alternativa, uma vez que seus trabalhos científicos evidenciaram o perigo de se preterir a matéria orgânica na agricultura bem como as conseqüências da “quimificação” proposta por Liebig31.