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3.2 Tipos de certificações mais comuns no setor agroindustrial e agroalimentar

3.2.7 Certificações de caráter ambiental

3.2.7.4 Certificação socioambiental

Hoje se discute intensamente que a degradação ambiental e deterioração social devem ser minimizadas através da compatibilização da atividade agrícola com os conceitos globais e específicos do desenvolvimento sustentável. A variável social passa então a ser uma questão fundamental neste cenário e a busca de medidas que de alguma forma garantam a preservação da qualidade de vida e das condições de trabalho dos agentes humanos envolvidos na produção agrícola, seja em qualquer fase da produção, passa a ser condição básica para a qualidade do empreendimento.

Deste ponto de vista a qualidade de um empreendimento agrícola e dos produtos por ele gerado é extremamente específica envolvendo atributos distintos de outros conceitos de qualidade vigentes no mercado e já discutidos aqui. Neste ponto, novamente fica destacada a subjetividade da qualidade de um produto, que neste caso está associada a parâmetros holísticos como é a sustentabilidade de seu processo produtivo.

De acordo com HANSEN (1996), pode haver duas distintas interpretações para o entendimento e aplicação da sustentabilidade para a agricultura, que resultam em diferentes abordagens e metas perante a questão: uma envolve um posicionamento filosófico e ideológico e a outra o entende como uma propriedade da agricultura, desenvolvida em função da preocupação de conduzir mudanças objetivas no sistema, através do estudo e desenvolvimento de práticas e técnicas. Para ser aplicada neste sentido, sua caracterização deve ser literal, quantitativa, preditiva, estocástica e diagnóstica (PINTO & PRADA, 2000a).

Um ponto importante que deve ser ressaltado é a abrangência que ações tomadas no sentido da sustentabilidade da produção agrícola devem conter. Os projetos devem considerar conjuntamente a adequação ambiental, aceitação social e cultural, a viabilidade econômica, conformidade legal e ajuste à estrutura institucional, e qualquer destes parâmetros que não for adequadamente equacionado, desequilibra a noção de sustentabilidade.

Desta forma há um confronto entre as idéias defendidas pelos movimentos ambientalistas e por frações articuladas da população que pressionam para que a produção agropecuária seja realizada de maneira ecologicamente correta e

ambientalmente justa, em contrapartida as idéias dos produtores e empresários, que por sua vez, argumentam a inviabilidade econômica do processo de adequação e a ausência de políticas públicas e concretos incentivos econômicos que, viabilizem a transição dos sistemas atuais para outros que promovam a conservação e recuperação de recursos naturais e que garantam a manutenção ou elevação da qualidade de vida de trabalhadores e comunidades rurais (PINTO & PRADA, 2000a).

È neste contexto de discussões que surgiu a certificação socioambiental, cujo objetivo é promover e incentivar mudanças qualitativas na agricultura em direção à agricultura sustentável. Segundo PINTO & PRADA (1999), “a certificação socioambiental visa diferenciar produtos oriundos de processos de produção ambientalmente adequados, socialmente justos e economicamente viáveis”. Logo, os padrões devem refletir a conciliação de interesses dos setores econômicos, ambientais e sociais. Acredita-se que a inserção de parâmetros que valorizem as questões ambientais e sociais relacionadas ao processo produtivo agrícola e agroindustrial deverá ser economicamente compensada seja por um sobre preço alcançado pelos produtos certificados, seja pela possibilidade de atingir novos mercados de forma preferencial.

A esta linha de certificações pertencem os programas Eco-OK e o Fair Trade que merecem destaque por conta do cunho socioambiental bastante destacado que apresentam. O programa Eco-Ok coordenado pela ONG norte americana Rainforest

Alliance, tem como foco a proteção e recuperação de florestas e de biodiversidade,

valorizando a redução e uso adequado de agroquímicos. Entretanto, também considera questões relacionadas com os trabalhadores tais como saúde, moradia, treinamento e educação ambiental dos mesmos, e os produtos certificados por este organismo destacam estes atributos.

O Fair Trade, também conhecido como comércio justo, consiste em uma iniciativa que aglutina grupos sociais de diversos países da UE e tem como finalidade, viabilizar a inserção de produtos oriundos da agricultura familiar e de associação de pequenos produtores de países pobres nos mercados dos países ricos. A filosofia básica deste grupo é organizar as estruturas comerciais através de um mecanismo de diferenciação de produtos que permita uma relação comercial justa, equilibrada e estável entre pequenos exportadores e importadores, procurando abrir canais preferenciais de comércio baseado nos atributos dos produtos certificados.

Baseada na filosofia da certificação florestal proposta pelo FSC - Forest

Stewardship Council, discutido no item anterior, a estrutura da certificação

socioambiental propõe padrões mínimos de desempenho, através dos quais as unidades são avaliadas (auditadas). Neste ponto fica evidente a diferença da proposta desta certificação quando comparada com certificações como a ISO 14000, por exemplo, uma vez que ela fala em avaliação de desempenho (performance) enquanto a ISO avalia procedimentos.

Os padrões mínimos citados constituem-se na base da certificação e devem ser definidos em processos que incorporem a participação representativa e equilibrada de membros de interesse, direta e indiretamente envolvidos com a produção e o consumo da categoria de produtos em questão. Além disto os padrões devem estar apoiados na técnica e no conhecimento científico e ter aprovação e reconhecimento social (PINTO & PRADA, 2000a).

Divididos em princípios (expressam idéias e conceitos gerais) e critérios

(traduzem as idéias contidas nos princípios de forma que possam ser medidos e avaliados), os padrões constituem-se em uma medida de comparação entre as práticas de manejo existentes em uma determinada operação contra um grupo de condições ideais. Os indicadores por sua vez são os elementos pelos quais os critérios são objetivamente medidos no campo. Assim, os padrões de certificação não medem diretamente a sustentabilidade da operação, uma vez que para tanto seria necessário um conhecimento completo dos impactos ao longo prazo, mas os padrões permitem identificar práticas de manejo aceitáveis para uma dada área (ERVIN & ELLIOT, 1996).

Um outro aspecto interessante relacionado com esta certificação, diz respeito aos tipos de certificações possíveis. Existe a certificação de manejo, onde a é averiguada a conformidade da operação (do manejo) com os padrões definidos e a denominada

certificação cadeia de custódia onde é verificada a origem do produto a ser certificado.

A certificação socioambiental tem uma iniciativa de implementação pioneira no país, procurando desenvolver padrões de certificação socioambiental para a cana-de- açúcar. Segundo PINTO & PRADA (2000b) a escolha da cana-de-açúcar para a iniciativa piloto deveu-se à sua importância estratégica na economia, conservação e degradação dos recursos naturais, quantidade e qualidade de emprego e importância nos

níveis de qualidade de vida do país. Além disto está ligada a um setor de grande visibilidade no cenário nacional e internacional e tem grande potencial demonstrativo de bons e maus exemplos para a sociedade brasileira.

O projeto, realizado de1996 a 1998, foi coordenado pelo IMAFLORA (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) em parceria com a FASE Nacional (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional)22. Esta experiência foi realizada em escala piloto tendo um recorte geográfico que selecionou algumas unidades agrícolas paulistas para análise.

Seguindo o que preconiza a filosofia desta certificação, participaram da elaboração dos padrões grupos de interesse, ou seja, instituições e/ou indivíduos envolvidos com o setor sucroalcooleiro no âmbito produtivo, político, econômico, ambiental e social. Também foram estabelecidas parcerias com o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Meio Ambiente (EMBRAPA Meio Ambiente), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O projeto da cana-de-açúcar foi definido com os seguintes objetivos (PINTO & PRADA, 2000b):

• Definir padrões para avaliação, monitoramento e certificação socioambiental;

• Definir e implementar um sistema de certificação socioambiental, de modo a criar uma estrutura institucional e regulamentação para o funcionamento operacional da certificação;

• Harmonizar este sistema com as principais iniciativas internacionais de certificação agrícola.

• Orientar o desenvolvimento de políticas públicas e legislação; • Fornecer subsídios para a pesquisa;

• Servir como referência para entidades financiadoras públicas e privadas;

• Servir como documento de referência do desempenho do setor canavieiro para grupos ambientais, sociais e econômicos.

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A FASE Nacional vem ao longo sua existência realizando um trabalho impecável, trabalhando com as temáticas sociais dos complexos agroindustriais. Neste projeto atuou diretamente com os sindicatos de trabalhadores da cana-de-açúcar em São Paulo e também contribuiu analisando a atividade canavieira no contexto histórico e nacional.

Após vinte meses de trabalho foi proposto um documento público e independente, que contém padrões definidos durante o período de trabalho e é resultado da participação voluntária, equilibrada e participativa de ONGs ambientais e sociais, trabalhadores, pesquisadores, empresários e técnicos do setor sucroalcooleiro paulista. Para fins de certificação, este documento deve ser aplicado de acordo com a regulamentação da certificação socioambiental para o setor sucroalcooleiro. Os Princípios para Avaliação, Monitoramento e Certificação Socioambiental da cana-de- açúcar e seu processamento industrial consta de doze princípios que são resumidos a seguir23 :

1. Conformidade com legislação, acordos e tratados internacionais. 2. Direito e responsabilidade de posse e uso da terra.

3. Relação justa com os trabalhadores. 4. Relação com a comunidade.

5. Planejamento e monitoramento.

6. Conservação de ecossistemas e proteção da biodiversidade. 7. Conservação do solo e recursos hídricos.

8. Controle do uso de agroquímicos.

9. Manejo e utilização de resíduos e demais substâncias químicas. 10. Integração com a paisagem.

11. Viabilidade econômica. 12. Atividade industrial.

È importante ressaltar que a iniciativa piloto contou com uma fase teste em campo em duas unidades produtivas selecionadas. Os testes de campo tiveram o objetivo fundamental de testar a aplicabilidade dos padrões para a avaliação, monitoramento e certificação socioambiental e consistiu em avaliar se para cada critério proposto há clareza de idéias, se o mesmo assunto é avaliado mais de uma vez, a importância de estar avaliando o critério, a dificuldade de avaliação, o caráter objetivo e se o mesmo critério pode ser usado em diferentes situações/regiões.

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A versão completa dos padrões: princípios, critérios e indicadores (Versão 4.0 de 02/07/1998) pode ser encontrada no endereço eletrônico do Imaflora: www.imaflora.org.

Como pode ser observado pelo enfoque contido nos princípios que regem a proposta, esta certificação tem tanto um caráter social quanto ambiental bastante destacado. Analisando a abrangência dos temas abordados pode-se ter uma idéia da dificuldade encontrada pelo setor analisado em atender todos os requisitos solicitados pelos padrões.

A análise das conclusões principais advindas dos testes de campo permitiu destacar que muitos critérios se mostraram totalmente subjetivos, tanto os de foco ambiental como social o que demandará muito esforço e uma série de procedimentos para sua avaliação. Além disso, alguns outros pontos se mostraram de difícil implementação (alto custo relacionado com algumas análises, existência de critérios que envolvam grande volume de informação para sua avaliação, dificuldade em avaliar critérios relacionados a parâmetros externos a empresa, etc.).

Contudo, apesar da complexidade dos padrões propostos nesta certificação, não se pode negar que as propostas desta certificação parecem ser uma das mais completas no que se refere a contemplação dos desdobramentos dos impactos socioambientais produzidos pela atividade agrícola quando da obtenção de um produto e seu posterior processamento industrial.

Finalmente, é preciso destacar que as premissas da certificação socioambiental formam um conjunto único nas iniciativas de certificação agrícola, capaz de propor de forma viável, um processo que certifique a produção ou o produto, assentada em uma plataforma que integra aspectos ambientais, sociais e econômicos. Desta forma, pelo menos no que se referem as suas propostas, é a única certificação capaz de se afinar de forma mais consistente com os preceitos da sustentabilidade.