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4.2. Modelos alternativos de produção agrícola: uma análise de suas propostas

4.2.4 A agricultura orgânica

Os princípios desta corrente foram fundamentados durante os anos de 1925 e 1930 pelo pesquisador inglês Sir Albert Howard e teve como principal disseminador, durante a década de 40, o americano Jerome Irving Rodale.

Apesar de algumas similaridades, o movimento de agricultura orgânica foi iniciado de forma independente do movimento biodinâmico. Howard trabalhou como pesquisador na Índia durante cerca de 40 anos e neste período pode observar como os hindus trabalhavam a terra, não empregando fertilizantes químicos e reciclando materiais orgânicos. Baseado nestas idéias, o pesquisador realizou diversos estudos sobre a compostagem e adubação orgânica e suas conseqüências na agricultura.

Um dos princípios básicos defendidos por Howard era o não uso de adubos artificiais particularmente de adubos químicos minerais. Em suas obras ele destaca a importância do uso da matéria orgânica na melhoria da fertilidade e vida do solo (DAROLT, 2000). Howart mostrou que os solos não devem ser entendidos apenas como um conjunto de substâncias, pois nele ocorre uma série de processos vivos e dinâmicos essenciais à saúde das plantas. Desta forma, é totalmente contrário à utilização dos adubos químicos solúveis e agrotóxicos que, segundo o pesquisador, desequilibram os processos vivos que se dão no conjunto solo/planta (EHLERS, 1996).

As idéias de Howard não tiveram boa aceitação nomeio acadêmico agronômico inglês, uma vez que se posicionava de forma contrária as idéias da agricultura química, que era o modelo dominante nestes meios.

A despeito disto, o norte americano J.I. Rodale fascinou-se pelas idéias de Howard e passou a partir de 1940, a difundir suas idéias nos EUA, criando para isto, inclusive, uma revista intitulada Organic Gardening and Farm.

Porém, o movimento orgânico só recebeu um impulso relevante a partir da década de 60, com a difusão de idéias ambientalistas e preservacionistas. Estas idéias se expandiram ultrapassando as fronteiras representadas anteriormente por grupos preservacionistas restritos, alcançando o consumidor comum que passou a questionar alguns padrões de qualidade de vida, incluindo aí a qualidade nutritiva dos alimentos que consumia.

No final da década de 70, alguns estados americanos como a Califórnia, criaram definições formais para a agricultura orgânica com o intuito de regulamentar a rotulagem de alimentos que tinham esta procedência. Em 1972 foi fundado em Versalles, na França, a IFOAM- International Federation on Organic Agriculture

Movements, um organismo não governamental com o intuito de organizar e sistematizar

as discussões e propostas e, definir as diretrizes da agricultura orgânica em todo o mundo. Logo de início a IFOAM reuniu cerca de 400 entidades “agroambientalistas”, sendo a primeira organização internacional criada para fortalecer a agricultura orgânica bem como a agricultura alternativa como um todo. Suas principais atribuições passaram a ser a troca de informações entre as entidades associadas, a harmonização internacional de normas técnicas e a certificação de produtos orgânicos (PLANETAORGANICO, 2001).

No início da década de 80 surgiu uma vertente derivada da agricultura orgânica, denominada de agricultura regenerativa. Seguindo as mesmas bases técnicas propostas pela agricultura orgânica, esta vertente incluiu em sua fundamentação ideológica algumas questões mais amplas como a necessidade de o agricultor buscar sua independência pela potencialização consciente dos recursos encontrados e criados na própria unidade de produção agrícola ao invés de buscar recursos externos. Estas idéias, propostas pelo americano Robert Rodale, visavam a regeneração e manutenção não apenas das culturas, mas de todo sistema de produção alimentar, incluindo comunidades rurais e consumidores, incluindo, assim, aspectos econômicos, ecológicos, éticos e de equidade social (DAHLBERG apud EHLERS, 1994).

A agricultura orgânica praticada hoje no mundo apresenta um conjunto bem definido de normas para a produção e comercialização da produção, normas estas determinadas e aceitas nacional e internacionalmente. Engloba técnicas de produção que estão presentes em outras correntes como, por exemplo, na agricultura biodinâmica e na agricultura natural. Porém é considerada uma técnica menos radical que estas uma vez que apresenta uma veia mais comercial, apresentando possibilidades de flexibilização e relativização de alguns conceitos.

A agricultura orgânica, por exemplo, não considera obrigatória a criação associada de animais na propriedade e aceita o aporte de matéria orgânica advinda de fontes externas à propriedade, diferentemente do que preconizam os biodinâmicos.

Além disto, há todo um conjunto de insumos, principalmente fertilizantes naturais de rochas e controladores naturais de doenças e pragas, que são permitidos.

Na realidade existe hoje uma discussão sobre a sustentabilidade de algumas práticas que estão sendo incorporadas à agricultura orgânica atual. A discussão gira em torno das diferenças ideológicas do que se convencionou chamar de agricultura orgânica “pesada” (hard) e agricultura orgânica “leve” (light).

Estas definições são baseadas em uma definição clássica de procedimentos técnicos agrícolas: a tecnologia pesada é marcada por elevado consumo de insumos, altos custos, grandes impactos ambientais, interferência danosa no ciclo de água e balanço energético negativo no sistema de produção; a tecnologia leve por sua vez caracteriza-se pelo menor uso de insumos, baixos custos, mínimos impactos ambientais, menor gasto de água e energia de todas as formas (CARVALHO, 2001).

Assim, de acordo com este raciocínio, os sistemas de produção agrícolas convencionais seriam classificados como pesados e as propostas de produção alternativas como leves. Entretanto a critica que se tem é que algumas técnicas associadas ao modelo de produção orgânico preservam conceitos da tecnologia pesada.

Segundo ressalta CARVALHO (2001), poucos técnicos notam esta diferença uma vez que é fácil inserir a expressão “sustentável” no discurso, mas a questão é provar concretamente, na prática, essa sustentabilidade. É certo que a agricultura orgânica dura também produz alimentos saudáveis atendendo o mercado orgânico de forma satisfatória, mas ainda carrega em sua essência o modelo filosófico da agricultura convencional, que é essencialmente uma dependência do agricultor e de sua propriedade com relação aos insumos externos. O que se observa nestes casos é a chamada “substituição de insumos”, onde se verifica apenas a troca de insumos químicos por insumos orgânicos. CARVALHO (2001) destaca algumas características que marcam os agricultores adeptos da corrente orgânica pesada:

- Compram um coquetel de enzimas naturais como bactérias fixadoras de nitrogênio, fungos solubilizadores de fósforo (micorrízicos), fauna e flora ruminal, etc. ao invés de criar condições ambientais favoráveis para os microorganismos benéficos se multiplicarem naturalmente na propriedade.

- Compram inseticidas biológicos ou feromônios, gastam energia para pulveriza-lo na lavoura, tratando do efeito e não da causa.

- Adquirem predadores, os chamados inimigos naturais, produzidos em laboratórios, para disseminar no campo e controlar as chamadas pragas a exemplo de fungos específicos que controlam cigarrinhas em pastagens ou lagartas da soja, ao invés de manejarem os pastos e as lavouras corretamente, de forma a equilibrar as populações destes insetos.

- Não assimilam o conceito, mas apenas as regras da produção orgânica, desconsiderando, muitas vezes inconscientemente, os procedimentos de manejo. - Na maioria são monocultores de soja, laranja, café, cana e outros orgânicos

produzidos isoladamente, em áreas distintas.

- Utilizam modelos de plantio tradicional mesmo em sistemas orgânicos, argumentando que não utilizam agroquímicos, que respeitam o ambiente, o bem estar dos animais, a cidadania dos trabalhadores, a escolaridade para as crianças do campo e outras regras da normativa orgânica. Estas regras são realmente importantes, mas não é este o ponto. As regras devem ser respeitadas mas a principal coisa é que o todo deva ser repensado.

- Afirmam que os produtos orgânicos possuem um custo de produção mais elevado, justificando assim os altos preços praticados. Porém com o emprego da tecnologia orgânica dura é evidente que os custos são maiores.

Em contra partida, a corrente de agricultura orgânica original (leve), tem como regra básica não se tornar dependente de insumos externos de origem animal, lançando mão se for o caso, da adubação verde que permite geração de matéria orgânica de origem vegetal, produzida na própria área de plantio sem fretes e custos de distribuição. Este procedimento permite inclusive que se viabilize a agricultura orgânica em média e longa escala. A agricultura orgânica deve, portanto, focar sua atenção no manejo da biomassa vegetal, através de processos fotossintéticos, na rotação de culturas, nos processos alelopáticos, no controle natural de pragas e principalmente no respeito aos ciclos naturais da terra.

PRIMAVESI (1997), cujos trabalhos sempre ressaltaram a importância do manejo do solo, também critica este comportamento cada vez mais comum na produção orgânica. Para esta autora, muitas tecnologias que trabalham com adubos orgânicos aceitam o enfoque da agricultura convencional, ou seja, o combate aos sintomas, ao invés de manejar as causas. Na agricultura orgânica atual há nitidamente uma

substituição dos agroquímicos por substâncias orgânicas e para ordenar isso existem normas bastante rígidas que dizem o que é permitido, tolerado e proibido: trabalha-se com inimigos naturais, feromônios, controle integrado de pragas, inclui rotação de culturas e adubação verde, compostos orgânicos e até plantas protetoras. Mas esquece- se do solo e do ambiente, usando composto como se fosse simplesmente adubo químico em forma orgânica. Adubam a planta e não o solo (PRIMAVESI, 1997).

De fato é preciso uma reflexão acerca destas questões para que estes desvios não comprometam significativamente as premissas da sustentabilidade que, a princípio, estão contidas no modelo orgânico de produção.

A popularização da agricultura orgânica tanto junto aos consumidores, que estão demandando de maneira significava esta classe produtos, quanto junto aos agricultores, que estão tendo mais acesso a informação acerca das técnicas e normas de produção, juntamente com o comportamento comercial e, por vezes oportunistas que algumas certificadoras vem demonstrando, pode no longo prazo desestruturar o sistema. Some-se a isto uma deformação existente na formação dos preços ao longo da cadeia de produção dos produtos orgânicos (DAROLT, 2000).

É preciso dedicar atenção a estas sinalizações, haja vista ser este o modelo alternativo de produção agrícola mais difundido e popular e que pode estar conduzindo seu foco de importância para searas puramente comerciais e econômicas.

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Foi discutido neste capítulo o conceito de agricultura sustentável, mostrando a relevante relação dos processos produtivos agrícolas com os recursos naturais e com a localidade na qual o empreendimento se dá. Também foi destacada a necessidade de se pensar na sustentabilidade da produção agrícola tendo em mente as dimensões ambiental, econômica e sobretudo social, ressaltando a necessidade de estimular processos produtivos que não excluam o homem da atividade produtiva.

A discussão parte do modelo de agricultura praticado na atualidade, chamado modelo agrícola convencional, onde se destaca o uso intensivo de insumos químicos industrializados (fertilizantes, agrotóxicos e sementes melhoradas), alta mecanização, baixa demanda de mão-de-obra humana e exploração extensiva através de monoculturas, e capítulo se encerra com a exposição das premissas que regem os

chamados modelos alternativos de produção agrícola, com destaque à produção orgânica.

No capítulo seguinte serão apresentadas algumas informações relevantes sobre a Bacia Hidrográfica do rio Mogi-Guaçu, recorte espacial deste trabalho, e sobre o setor sucroalcooleiro nele assentado.

sobre a Bacia Hidrográfica do rio Mogi-Guaçu – BHMG, recorte regional escolhido para a realização deste trabalho e sobre o segmento do setor sucroalcooleiro paulista assentado neste espaço regional.

Na seqüência são apresentados os argumentos que conduziram à escolha do recorte espacial definido pela bacia para estudo em questão.