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geral, se observa a correlação entre evento factual e emprego do modo

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1.2 A amostra diacrônica: Projeto PHPB/SC

Trabalhar com dados diacrônicos é buscar, no passado, elementos que possam esclarecer aspectos de estudos sincrônicos. Como “nada, ou quase nada, nas línguas se perde, tudo se transforma” (MATTOS E SILVA, 2006, p. 16), recorre-se ao passado para recuperar elos que permitam melhor compreender fenômenos de variação e/ou mudança linguísticas. Nas palavras de Tarallo (1994, p. 64), “a estrutura de uma língua somente será totalmente entendida à medida que se compreendam efetivamente os processos históricos de sua configuração”. É o ‘encaixamento histórico’ de que fala o autor: o pesquisador inicia a investigação no presente, recorre ao passado e, depois, retorna novamente ao presente, fechando, dessa forma, o ciclo de análise.

Como não há material completo de estágios passados da língua, o investigador, segundo Mattos e Silva (2006, p. 34), “não constituirá seu corpus, de acordo com os objetivos de sua pesquisa, mas terá de condicionar a seleção de seus dados à documentação remanescente”. Assim, o pesquisador deve recorrer a registros de época a fim de tentar apresentar um retrato da fala de determinado período. Vale ressaltar que os dados diacrônicos (cartas, diários, peças teatrais, por exemplo), por mais naturais que sejam, sempre terão o viés da língua escrita e da normatização da época, fatores que não desmerecem a importância da análise, mas que requerem um olhar cauteloso para os dados e os resultados (TARALLO, 1994).

Paiva e Duarte (2003) também destacam que pesquisas que objetivam investigar a mudança em tempo real enfrentam alguns

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Com relação às amostras 1 e 2, referentes a dados de fala, Pimpão (1999c) investigou ocorrências de 36 entrevistas de Florianópolis, das quais 24 fazem parte do banco-base e 12, com informantes da faixa etária mais jovem, foram realizadas em coleta posterior. Dessa forma, conforme mencionado no capítulo 1, para esta tese a amostra foi ampliada, agregando-se às 36 entrevistas, 24 de informantes da cidade serrana de Lages e 8 de universitários naturais de Florianópolis.

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Para maiores informações acerca do Banco de Dados do PHPB/SC, consultar a página eletrônica do VARSUL: www.varsul.org.br.

problemas. Primeiro, como se recorre a textos escritos, a amostra constituída pelo pesquisador pode não representar a comunidade de fala da época. Segundo, ainda há a possibilidade de determinadas formas linguísticas serem preservadas no texto escrito quando, na fala, não são mais usadas. Conforme será mencionado adiante, tomamos o cuidado de coletar cartas cuja procedência fosse de Florianópolis e de Lages. Com certeza não temos como saber se o remetente dessas cartas era natural de uma ou outra cidade. Ainda assim, julgamos que esse critério metodológico dará mais segurança à análise se comparado a um procedimento que incluísse cartas de outras cidades. Também acreditamos que possa ter havido algum tipo de revisão das cartas, seja pela própria redação do jornal, seja por pessoas próximas ao remetente. A análise interpretativa dos resultados referentes aos dados diacrônicos deve, portanto, considerar tais fatores.

Sobre as formas linguísticas presentes em registros históricos, Labov (1994) sugere que se faça o melhor uso de dados considerados não ideais – o ideal seriam as gravações de fala. É o que tentaremos nesta tese com as amostras de cartas ao redator a despeito das problemáticas que cercam um estudo com base em amostras de textos escritos. Assim, se os resultados evidenciarem variação naqueles contextos em que as gramáticas tradicionais permitem o emprego do indicativo − ainda que com atitude de mais certeza (cf. capítulo 1) −, perceberemos que o presente do indicativo poderia já não ser estigmatizado. E se o presente do indicativo for usado naqueles contextos considerados de emprego do subjuntivo, conforme prescrevem as gramáticas (cf. capítulo 1), será possível identificar o ambiente de entrada dessa variante nas amostras analisadas. A ausência de variação, por outro lado, apontará para os contextos de restrição ao indicativo bem como poderá sugerir a força da correção gramatical. Considerando as ressalvas que necessariamente devem acompanhar a análise dos resultados de pesquisas com dados diacrônicos, o pesquisador tem condições de apresentar interpretações mais seguras.

Uma outra dificuldade com a qual o pesquisador se depara refere- se ao paradoxo da linguística histórica: para Labov (1994, p. 21), “a tarefa da linguística histórica é explicar as diferenças entre o passado e o presente; porém não há meio de saber a extensão da diferença entre o passado e o presente”118. Não havendo, portanto, meios de antecipar

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(LABOV, 1994, p. 21): “The task of historical linguistics is to explain the difference between the past and the present; but to the extent that the past was different from the present, there is no way of knowing how different it was.”

distinções entre passado e presente, como tentar indicar generalizações acerca de fenômenos linguísticos em um determinado período histórico? Labov (1972b, 1994) propõe o princípio do uniformitarismo, originado das ciências históricas, especialmente a geologia e a filologia. De acordo com esse princípio, “as forças que operam para produzir a mudança linguística hoje são do mesmo tipo e ordem de grandeza das que operaram no passado, há cinco ou dez mil anos” (LABOV [1972] 2008, p. 317). Por essa razão, o “conhecimento de processos que operaram no passado pode ser inferido, observando os processos que ocorrem no presente”119 (LABOV, 1994, p. 21).

Como fonte de dados diacrônicos, o Projeto Para a História do Português Brasileiro de Santa Catarina (PHPB/SC) oferece amostras de textos escritos. O PHPB é um projeto nacional, decorrente de um projeto anterior, o Projeto de História do Português de São Paulo, iniciado em 1996 pelo Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo (CASTILHO, s/d). A ampliação do projeto ocorre em 1997, então rebatizado como Projeto para a História do Português do Brasil, contando, atualmente, com a adesão de várias universidades, dentre as quais a UFSC120. Além da constituição de um banco diacrônico, permitindo a realização de pesquisas acerca da gramática do português, merece destaque a história social das áreas investigadas.

O Projeto PHPB em Santa Catarina atualmente disponibiliza uma amostra de peças teatrais catarinenses dos séculos XIX e XX, uma amostra de cartas ao redator de jornais catarinenses desses mesmos séculos e uma amostra de editoriais do jornal O Moleque, publicado em Florianópolis no século XIX. O Projeto, ainda em constituição, agregará outros textos de diversas fontes: documentos de cartórios, de arquivos públicos e privados, textos de jornais do sul do Brasil, e ainda um maior número de cartas pessoais e de peças de teatro, representativos da escrita catarinense dos séculos XIX e XX.

Do acervo referente às cartas ao redator da cidade de Florianópolis, utilizamos sete cartas (cf. anexo A)121, disponíveis no Banco PHPB/SC à época da coleta de dados para a realização desta tese.

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(LABOV, 1994, p. 21): “[…] knowledge of processes that operated in the past can be inferred by observing ongoing process in the present.”

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Na UFSC, o PHPB/SC é coordenado atualmente pela profa. Izete Lehmekuhl Coelho.

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As sete cartas já disponíveis no Banco PHBP/SC à época da coleta de dados estão identificadas com sombreamento no anexo A.

A amostra correspondente às demais cartas da cidade de Florianópolis e às da cidade de Lages foi constituída em coletas por nós realizadas. Em Florianópolis, utilizamos material disponível na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina; em Lages, consultamos principalmente os jornais disponíveis no Museu Thiago de Castro, que reúne diferentes jornais lageanos desde a segunda metade do século XIX e de praticamente todo o século XX. Do século XX, não há muito material no período de 1970 a 1990, compensado, dessa forma, com coletas realizadas na Biblioteca Municipal de Lages. Desse período, entretanto, a Biblioteca dispõe somente de exemplares do jornal ‘Correio Lageano’. Para tornar a amostra homogênea, foi necessário estabelecer um parâmetro para a coleta das cartas. Os jornais, em geral, apresentam uma maior sistemática na disposição das seções referentes às cartas a partir de meados da década de 1960, o que significa dizer que, até então, não havia regularidade na sua publicação, nem uma seção intitulada ‘Carta ao Redator’ ou ‘Carta à Redação’, por exemplo. Há jornais, como ‘O Imparcial’, de Lages, que reservava, em geral, espaços para a carta, porém outros jornais, como o ‘Correio Lageano’, praticamente não cediam esse espaço. A carta não tinha, portanto, um lugar definido, e sua publicação, talvez até mesmo por essa razão, não era diária.

Considerando a baixa regularidade das cartas, foi necessário estabelecer algum critério para a coleta do material. Um possível indício da carta enviada pelo leitor ao redator poderia ser sua assinatura. Entretanto, como havia diferentes textos assinados pelos leitores, a assinatura não caracterizava, necessariamente, uma carta enviada à redação do jornal. A assinatura, nesse sentido, não poderia ser o ponto de referência a partir do qual coletaríamos o material. Dentre esses tipos de textos havia poesias, comunicados, declarações, atestados, piadas, cartas, artigos. Considerando a diversidade de material encontrado e a necessidade de padronizar a coleta como uma das etapas para uma análise de dados mais segura, julgamos pertinente considerar o vocativo por meio do qual o leitor se dirige ao chefe da redação ou, ainda, ao diretor do jornal122, solicitando a publicação de sua carta, como orientação para a coleta. Esse critério nos pareceu mais seguro por permitir a constituição de uma amostra mais homogênea. Eis alguns dos vocativos que aparecem nas cartas coletadas: ‘Sr. Redactor’ (por vezes acompanhado pelo nome do jornal), ‘Caro Redactor e amigo’, ‘Meu caro Director da A Semana’, ‘Illustradissimo Sr. Redactor do Estado’, ‘À illustre redacção do Correio do Povo’, ‘À Illustrada Redacção do

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Jornal O Clarão’, ‘Sr. Diretor’. A partir de meados da década de 1960, os jornais passam a ter seções destinadas ao recebimento de cartas, o que não necessariamente exclui o uso de vocativos123.

Tendo definido o critério para a coleta do material, passamos para a segunda etapa: definir o número de cartas. Nossa intenção inicial era investigar cartas publicadas durante a segunda metade do século XIX, período em que aparecem os primeiros jornais, e durante todo o século XX. Com esse intuito, a variável extralinguística ‘periodização histórica’ corresponderia a períodos de 25 anos, e tencionávamos coletar em torno de 25 cartas por período. Esse projeto tornou-se inviável, considerando que muitos jornais referentes às três primeiras décadas da segunda metade do século XIX foram atingidos por sucessivas enchentes que afetaram Lages nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2011. Os jornais foram, portanto, recolhidos para tratamento, sendo o ‘Correio Lageano’ de 1883 o jornal mais antigo disponível para consulta no Museu Thiago de Castro.

Dessa forma, reorganizando o projeto inicial, decidimos controlar os dados a cada 20 anos, partindo da década de 1880, e ampliar o número de cartas por período para entre 25 e 30. Entretanto, infelizmente, o resultado do processo de coleta não correspondeu aos objetivos, devido (i) ao número pouco expressivo de jornais disponíveis para consulta, como ocorre na década de 1880 em Lages; e (ii) à dificuldade em encontrar cartas nas décadas de 1930, 1940 e de 1960 em Florianópolis e em Lages. No anexo A, apresentamos um quadro em que são discriminados os jornais consultados por período em Florianópolis e em Lages, bem como as datas de publicação das cartas analisadas.

Conforme pode ser observado no anexo A, cada período de 20 anos não reúne jornais de todos os anos. Certamente o ideal seria analisar uma carta por ano, porém, infelizmente, devido à antiguidade e à baixa regularidade de muitos jornais, bem como devido à indisponibilidade de alguns materiais, retirados para tratamento, os

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Em Florianópolis, encontramos as seguintes seções nos jornais coletados: ‘Cartas à Redação’ (Imprensa Nova/1967−1968), ‘Cartas’ (O Estado/1975), ‘A Opinião do Leitor’ (Diário Catarinense/1978), ‘Cartas e Convites’ (A Ponte/ 1980), ‘Do Leitor’ (Jornal da Semana/1980), ‘Opinião do Leitor’ (O Estado/1982), ‘Do Leitor’ (O Estado/1989−1990−1992−1995−1999), ‘Cartas’ (Diário Catarinense/1993) e ‘Diário do Leitor’ (Diário Catarinense/1997−1998). Em Lages, são as seguintes: ‘Cartas’ (O Planalto/1978−1979−1980), ‘Cartas’ (Correio Lageano/de 1995 a 1998).

critérios para a constituição da amostra foram alterados. Nesse sentido, julgamos pertinente:

(i) diversificar o ano de publicação, com o intuito de promover uma amostra representativa por década. Cada período de 20 anos está representado por jornais publicados entre seis e doze anos diferentes;

(ii) apresentar diferentes jornais por década, na tentativa de minimizar a probabilidade de que o uso (variável) do presente do modo subjuntivo esteja correlacionado a determinados jornais.

Finalizando esta subseção, ressaltamos que as cartas encontradas nos jornais de Florianópolis e de Lages enviadas de outras cidades, como Blumenau, Pelotas, Rio de Janeiro e Urussanga, por exemplo, não foram incorporadas à amostra a menos que o leitor se identificasse como florianopolitano ou lageano no decorrer da carta. Esse critério metodológico permite apresentar com mais precisão e segurança a distribuição do uso (variável) do presente do modo subjuntivo em cada uma das cidades.

Passamos, neste momento, à contextualização histórica das cidades de Florianópolis e Lages.

3.2 A HISTÓRIA

O avanço dos paulistas no sul do Brasil deixa de ser pelo litoral e passa a ser pelo planalto, rota alterada desde a primeira tropa de mulas, que chega a Sorocaba em 1720, com vistas a abastecer o mercado da Região Sudeste. O caminho dos tropeiros parte de Sorocaba, passando pela cidade de Lages até alcançar a vasta região no centro-norte do Rio Grande do Sul, denominada Campos de Cima da Serra, que inclui a cidade de Vacaria, que, até hoje, mantém estreito vínculo com Lages, principalmente pelos rodeios. A essa época, os açorianos já haviam desembarcado no litoral catarinense, especialmente nas cidades de Laguna e Florianópolis.

Dois interesses motivaram esse contexto histórico-social: “a necessidade de diferenciação de atividade econômica da Colônia e a política expansionista da Metrópole. Da realização destes interesses desincumbiram-se os portugueses; daqueles, os paulistas” (CARDOSO; IANNI, 1960, p. 3). Esses dois ciclos de ocupação do território da

Região Sul, notadamente Santa Catarina e Rio Grande do Sul, constituem, nas palavras de Oliveira (2004, p. 67) “dois movimentos quase concomitantes, mas que quase não se comunicam”. Ainda segundo Oliveira (2004, p. 69), “essa separação é mais estruturada em Santa Catarina que no Rio Grande do Sul, devido à forte barreira da Serra do Mar. É em Santa Cataria, portanto, que temos que procurar os indícios dessa diversidade”124. Parte dessa história está descrita a seguir.