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SEÇÃO 2 OBRAS ANALISADAS

2.3 A amplidão basilar da Pedagogia da autonomia

“A humildade exprime, pelo contrário, uma das raras certezas de que estou certo: a de que ninguém é superior a ninguém. A falta de humildade, expressa na arrogância e na falsa superioridade de uma pessoa sobre a outra (...) é uma transgressão da vocação humana do ser mais” (Paulo Freire - Pedagogia da Autonomia)

A Pedagogia da Autonomia (1996/2014b) de importância significativa para execução deste trabalho, constitui-se como uma obra de grande densidade e maturidade do pensamento educativo de Freire, mesmo com as poucas páginas que a compõem. Se trata da última obra publicada em vida pelo educador, com núcleo de discussão centrado na prática educativa permeada pela politicidade que compete à educação, bem como a ética e a competência científica necessárias aos educadores e educadoras progressistas. O livro é dividido em três capítulos cujos eixos norteadores são as exigências do ato de ensinar.

Escrita no ano de 1996, a Pedagogia da Autonomia (1996/2014b) retoma alguns temas expostos em outras obras de acordo com a relevância dos mesmos, porém agora sob a égide da ética enquanto necessidade e condição indispensável à convivência humana. É pertinente salientar que o contexto de escrita desta Pedagogia, retrata um Paulo Freire educador-político enraizado nas tramas que acabara de vivenciar enquanto Secretário da Educação da cidade de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, além de representante e fundador do Partido dos Trabalhadores (PT). Neste período, o Brasil estava sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, que apesar de ter mantido uma estabilidade política durante seus dois mandatos, foi marcado pelo processo de privatização de empresas estatais e por diversas denúncias de corrupção.

Nas palavras de Ana Maria de Araújo Freire:

Sentimos ao lermos esse livro o seu corpo consciente presente, o seu corpo já tão frágil, com a mesma força de sua cabeça esclarecedora e justa. A sua voz terna e mansa falando apaixonadamente de suas convicções (...) Pedagogia da Autonomia não é um livro a mais da extensa obra de Paulo. É o livro que sintetiza a sua pedagogia do oprimido e o engrandece como gente. É o livro testamento de sua presença no mundo. Ofereceu-se nela por inteiro na sua grandeza e inteireza. (FREIRE, A. M. de A., 2017, p. 339)

Em relação às outras produções do autor, publicadas anteriormente, esta avança no que diz respeito ao sujeito enquanto presença transformadora no mundo, crivado pela questão ética que se impõe como necessidade para que essa assunção de fato se concretize. Neste sentido, a

consciência dos sujeitos sobre seu agir no mundo, é a incumbência da gama de opções geradora da responsabilidade ética.

A curiosidade também aparece sob um prisma importante, à medida que a educação se torna a principal responsável pela promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, portanto do senso comum à crítica. Nesse sentido, há uma indissociabilidade entre ensino e pesquisa, pois é inato da prática docente e discente o ato de investigar e buscar. E, à medida que essa pesquisa adquire certa rigorosidade metódica ela é capaz de transformar o conhecimento ingênuo em conhecimento crítico. Freire (2014b) defende que essa curiosidade epistemológica deve ser construída na escola, no próprio exercício da capacidade de aprender. Sendo assim, a educação é tida como uma forma de intervenção no mundo, ao passo que os envolvidos no processo se assumam enquanto sujeitos da produção, capazes de conhecer e transformar o conhecimento, superando os limites dos conhecimentos aprisionados no comodismo do já conhecido.

Fortalece-se na Pedagogia da Autonomia (1996/2014b) a relação entre educação e politização como conceitos indicotomizavéis que reverberam no amadurecimento do que já vinha sendo dito nas entrelinhas da Pedagogia do Oprimido (1968/2014a). Em suas palavras: “Como posso ser neutro diante da situação, não importa qual seja ela, em que o corpo das mulheres e dos homens vira puro objeto de espoliação e de descaso? ” (FREIRE, P., 2014b, p.109). Seu posicionamento esclarece a importância da assunção de sua disposição político- ideológica, sendo a neutralidade incompatível com a prática educativa, pois tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a necessidade da afirmação ética e posicionamento da educadora.

Propriamente pela inconsistência da neutralidade na prática educativa, Paulo Freire (2014b) retrata a dualidade presente na educação, que pode ser tanto favorável à transformação da realidade quanto à manutenção do status quo. Daí a reafirmação da necessidade de propiciar ao educandos e educandas condições de pensar criticamente, assumindo-se como sujeitos da História, que opinam e participam do processo educativo, para além de uma posição submissa. Além disso, enfatiza uma postura humanista e esperançosa por parte dos sujeitos, para superação da alienação difundida nos princípios do capitalismo.

E essas condições necessárias para construção do conhecimento entre sujeitos educadores (as) e educandos (as) implica uma postura comprometida do educador (a), que reflete afetividade, rigorosidade metódica, respeito, ética, criticidade, coerência, humildade, esperança, curiosidade, generosidade, liberdade, autoridade e sobretudo diálogo. Dessa

forma, ambos os (as) envolvidos (as) não se reduzem à condição de objeto, já que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades de sua produção (FREIRE, P., 2014b).

O conceito de autonomia, que ganha centralidade nesta obra como princípio pedagógico, é fundamental para construção de uma sociedade democrática. Para o autor, a autonomia não se dá de forma natural, mas como uma construção social, fruto do amadurecimento da liberdade, já que a postura docente exige o reconhecimento e respeito desta condição aos educandos (as). Portanto, o panorama teórico central da Pedagogia da Autonomia (1996/2014b) também remete à questão da liberdade amplamente citada nas obras anteriores, à medida que neste momento o livro se ampara na forma como educadoras e educadores promovem, por meio de seus métodos, uma educação baseada no direito à liberdade dos educandos e educandas, a fim de que possam rever e avaliar suas aprendizagens.

Dessa maneira, todo o processo de autonomia exige uma reflexão crítica e prática no entendimento das relações entre os sujeitos, sendo o ato de educar, a esperança de libertação e emancipação dos (as) mesmos (as). Portanto caberá ao educador (a) progressista oportunizar a aprendizagem do pensar autônomo durante o processo de ensino e aprendizagem. Por fim, a obra constitui-se quase que como um método pautado na defesa da liberdade do pensamento dos sujeitos, em uma pedagogia que dê sentido e significado à existência e à constante formação dos (as) educandos (as), fruto de experiências e diálogos de toda uma vida baseada na coerência apresentada pelo amoroso educador Paulo Freire.

Por fim, tivemos como objetivo nesta Seção 2 ressaltar aspectos centrais das três obras utilizadas para coleta de dados no corpo deste trabalho, a fim de esclarecermos as tramas em que estavam imersas desde sua gestação.