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SEÇÃO 3 – AS ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS, O SUJEITO E A EDUCAÇÃO

3.5 Sujeito sob a ótica da educação

Após uma breve passagem ao longo da história retomando as principais características inerentes ao conceito de sujeito no âmbito filosófico, bem como ele se encaixa em cada corrente da sociologia de acordo com as diferentes teorias de interpretação desenvolvidas no decorrer da humanidade, é tempo de tratarmos a respeito do sujeito no campo da Educação, com ênfase na abordagem sociocultural difundida principalmente a partir dos trabalhos de Paulo Freire.

Inferimos que diferentes concepções de mundo, de sistema econômico e político, inclusive filosófico, estiveram presentes no âmbito social principalmente a partir da Revolução Francesa, que inaugurou a Idade Contemporânea e com ela a alteração do pensamento humano. A grande demanda por trabalho técnico especializado, junto à automatização e à inserção da tecnologia na vida das pessoas, gerou uma exacerbada competitividade entre os países, e no

âmbito individual inaugurou uma crise em homens e mulheres principalmente na sua forma de compreender o mundo.

O papel da Filosofia neste processo ora caminhava para tendências conservadoras e individualizantes, ora para valorização da ação social. Veremos agora como algumas correntes filosóficas inspiraram a pedagogia freiriana, considerando as constantes que influenciaram o pensamento humano. Estão entranhados nas obras de Paulo Freire, vestígios de diversas tendências teóricas, como por exemplo: a fenomenologia, o neomarxismo, o interacionismo e o humanismo, que foram adquirindo diversas interpretações e avanços conforme as produções e experiências do autor foram se intensificando. De qualquer forma, as características que regem a abordagem pedagógica de Freire centram-se na valorização dos conhecimentos inerentes aos sujeitos assim como na valorização da cultura no desenvolvimento dos trabalhos educativos.

No que condiz com a relação entre sujeito e conhecimento, o educador compartilha de uma abordagem interacionista na medida em que considera as relações entre homem/mulher – mundo, assim como sujeito-objeto, como basilares para que o indivíduo alcance a reflexão, tornando-se sujeito de sua própria educação. Freire (2014a) parte do princípio de que somos indivíduos dotados de vocação ontológica (vocação de ser) inseridos em determinado contexto histórico e político, portanto situados em um determinado tempo e espaço em um constante processo de interação. Nesse sentido, será a ação educativa responsável pela promoção do indivíduo à qualidade de sujeito de sua própria história, libertando-o das amarras da opressão (MIZUKAMI, 1986).

Diante da crise vivida na Europa no final do século XIX, surge a Fenomenologia, deveras presente nos escritos do educador. Ela destaca-se ao passo que ele descreve a relação íntima entre sujeito e mundo, contrariando uma visão racionalista até então muito difundida na sociedade europeia do século XX. Se anteriormente o sujeito era visto como um ser desprendido do mundo, fica evidente a visão antagônica de Paulo Freire principalmente a partir da passagem: “O mundo, agora, já não é algo que se fala com falsas palavras, mas o mediatizador dos sujeitos da educação, a incidência da ação transformadora dos homens, de que resulte a sua humanização” (FREIRE, 2014a, p.105).

Assente nisso, notamos que Freire (2014a) respeita a proposta preludiada por Husserl (1965) no que condiz com a rigorosa cientificidade da Filosofia, à medida que notamos em sua teoria uma constante preocupação em resguardar cientificamente a sua ideologia. Nesse sentido, o educador também acorda com a correlação entre objeto e consciência estabelecida por essa corrente, já que o primeiro só será definido a partir da segunda, portanto só existe

consciência a partir da relação sujeito-objeto. Porém, vale ressaltar que ela não se limita apenas aos objetos, mas passa a compreendê-los como existentes apenas para os sujeitos pensantes (MICHELS; VOLPATO, 2011).

Por se tratar de um educador copiosamente coerente, enraizada a tendência fenomenológica em suas produções, também se atrelam a elas vertentes humanistas e marxistas em sua forma de enxergar o conhecimento. Para Freire (2014a) será via educação, portanto conhecimento, que o indivíduo terá condições de compreender sua realidade de forma crítica, humanizando-se. Sendo assim, essa humanização é tida como vocação do indivíduo, na medida em que adquire consciência de sua historicidade, integrando-se ao contexto e refletindo sobre ele.

Comumente conhecido pelo seu conjunto de pressupostos e críticas ao modelo capitalista de produção, e advindo como meio de resposta à organização da classe operária em um processo industrial de exploração exacerbada, o Marxismo tem seus resquícios nas obras freireanas a partir da apresentação do antagonismo existente nessas sociedades que, por conseguinte apontam para a existência da relação opressor/oprimido (MICHELS; VOLPATO, 2011).

A forte presença do materialismo em sobreposição ao plano ideológico, inerente as estas teorias sociais, assim como seu caráter conservador advindo de diversas críticas ao estruturalismo, são superadas na apropriação freiriana, ao passo que a dialeticidade presente no processo permite que a realidade também seja produzida pela práxis humana, no intermitente relacionamento entre sujeito e mundo. Nesse sentido, a consciência adquire força material, tornando-se construtora da História, já que o mundo influencia as ações humanas da mesma forma que os indivíduos são influenciados por suas próprias produções.

Por toda a produção de Paulo Freire, nota-se o repúdio a qualquer visão mecanicista da realidade em que os sujeitos sejam reduzidos à condição de objetos por outrem conforme a posição que ocupa. Tal fato distingue a apropriação que o educador tem do materialismo dialético marxista, pois segundo o seu pensar (2014a) o homem e a mulher não são determinados pelas estruturas sociais, como simples reflexos da mesma, mas estas são um produto social, construídas por meio da prática que nos move. No que concerne ao processo educativo não seria diferente, pois a valorização da criatividade na relação educador (a) e educando (a) rompe com esse caráter mecânico de uma vertente tradicional da educação, como na seguinte passagem:

Para a educação problematizadora, enquanto um quefazer humanista e libertador, o importante está, em que os homens submetidos à dominação, lutem por sua emancipação. Por isto é que esta educação, em que educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo, superando o intelectualismo alienante, superando o autoritarismo do educador “bancário”, supera também a falsa consciência do mundo (FREIRE, 2014a, p.105).

Portanto, a partir da abordagem sociocultural apropriada e reproduzida nas obras de Paulo Freire, evidenciamos que sua proposta de educação se contrapõe ao ensino tradicional, principalmente no que condiz com o papel destinado ao sujeito em todo o processo, o que o distingue de outras abordagens. Nesta perspectiva, a educação é entendida como um ato político, amplo, que rompe com os muros da sala de aula e tem potencial para transformar relações de opressão em igualdade. O sujeito neste contexto é central ao processo, pois na medida em que reflete sobre sua realidade e tem consciência de sua historicidade, ele torna-se capaz de romper com estigmas presentes em uma sociedade desigual e opressora, por meio da práxis transformadora, advinda do processo de conscientização.

Notamos que, mesmo sendo influenciado por outras correntes filosóficas e sociológicas, a construção da concepção de sujeito em Paulo Freire (2014a), apresenta grande originalidade à medida que o autor constrói sua teoria imprimindo nela a sua visão de sociedade e de educação. Segundo Lima (2015), o termo sujeito em Paulo Freire destoa das definições filosóficas conhecidas até então, pois o autor o utiliza dentro da arquitetura de sua pedagogia, com significações próprias, sendo inviável pensar em todas suas produções sendo representadas por um modelo de sujeito tradicional importado da filosofia moderna.

Sendo assim, para Freire (2014a) somos homens e mulheres concretos (as), situados (as) em um tempo-espaço, capazes de interagir com o mundo em um constante processo de aprendizagem e apreensão de novos conhecimentos. No que se refere ao âmbito educacional, dada toda sua complexidade, a compreensão da formação do sujeito, assim como suas atividades no mundo, pode se converter em novas possibilidades de práticas educativas, como afirmadas a partir das considerações descritas nesta seção.