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SEÇÃO 3 – AS ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS, O SUJEITO E A EDUCAÇÃO

3.3 Sujeitos – Teoria subjetivista

Se na perspectiva sistêmica trabalhada anteriormente, as ações sociais eram ditadas por estruturas e sistemas, agora se tornarão foco de análise as vivências e intenções dos sujeitos dentro de correntes como a fenomenológica, a construtivista e a interacionista. O contexto que anteriormente era desenhado com pouca possibilidade de mudança, agora se torna viável por meio do clima dos movimentos hippies e feministas que eclodiram na década de 1970, dando a possibilidade que as pessoas construíssem suas próprias vidas, despreocupando- se do sistema.

Tendo como grande referência da corrente fenomenológica nomes como Edmund Husserl (1859-1938) e Alfred Schutz (1899-1959), ela surge com a proposta de desvendar como os indivíduos vivenciam o cotidiano e atribuem constantes significados a ele. Apesar dos pontos de divergência entre os dois autores citados e outros que também se apropriaram da fenomenologia de formas diferentes, o foco deste breve esboço será demonstrar como ela conquistou seu espaço no campo da sociologia influenciando outras áreas posteriormente.

Avultando primeiramente o conceito de fenômeno dentro desta perspectiva de estudo baseada em Husserl (1965), pode ser definido como aquilo que se coloca à consciência, ou para onde a intencionalidade está dirigida. Portanto, os fenômenos tratam-se de eventos que se apresentam à nossa consciência de acordo com a realidade que nos cerca. Dessa forma, uma questão central que instigava tais estudiosos, como Husserl por exemplo que era matemático e criticava a forma como olhamos para o mundo sob a ótica matemática e estritamente científica, estava justamente relacionada a quais percepções os sujeitos têm sobre algo.

Dentro desta perspectiva a mente humana tem um papel fundamental na construção do conhecimento, visto que uma das propostas da fenomenologia se apresenta como a suspensão das noções já pré-concebidas na nossa cultura, levando ao questionamento do porquê os eventos se dão de determinadas formas e não de outras, e qual nosso papel na construção deste conhecimento, considerando que o fenômeno não se altera, mas os sentidos atribuídos a eles sim, de acordo com as múltiplas percepções que temos dos fatos (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001).

Apesar de ter sido bastante criticado, principalmente pelos estudiosos da Escola de Frankfurt, Husserl pode ser considerado o criador da fenomenologia, com o lema “de volta às coisas”, ademais por seus apontamentos e suas contribuições à ciência social que foram bastante disseminados nos anos posteriores. Schutz (1993) apropriou-se do conceito de mundo da vida presente na obra de Husserl (1965), reformulando-o e atribuindo-lhe um papel central

para a vida em sociedade como uma volta à atitude natural dos indivíduos, sendo variável de acordo com a cultura em que estava inserido.

Recorrendo às sociologias husserliana, weberiana e sobretudo às apropriações de Schutz, como arcabouço da fenomenologia, percebemos que elas se baseiam na concepção de uma sociedade construída pelas ações dos sujeitos, portanto, toda forma de estudo deveria considerar as vozes dos e das participantes, assim como suas condutas individuais. A preocupação dos autores com a ação, sobretudo Weber (1864-1920) e Schutz, os levaram a caminhos bastante próximos, já que o primeiro deu ênfase à discussão subjetiva de como a (o) cientista pode perceber o significado de uma ação para determinado ator social, enquanto o segundo focou na intersubjetividade presente na relação entre dois atores que tentam captar o sentido da ação de seu respectivo par.

Subsequentes a Schutz (1993), Berger (1929-2017) e Luckmann (1927-2016) trabalharam na obra “A construção social da realidade25” a forma como o conhecimento trata-

se de uma construção humana (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001). É dentro desta perspectiva que eles desenvolvem a asserção de que a sociedade já existia antes da presença do homem e da mulher e continuará existindo posterior a ele (a), porém, é entremeado nela que se tornam humanos (as), dando sentido às diversas projeções de futuro que constituirão sua vida. Sendo assim, nasce a premissa de que a sociedade é um produto das mulheres e dos homens, assim como elas e eles também são produtos da sociedade, atribuindo dialeticidade à relação.

Para se alcançar uma visão empírica de sociedade nesta vertente, deve-se considerar a dialética presente na relação estabelecida entre homem, mulher e mundo, à medida que atuam reciprocamente um sobre o outro, perpassando pelos estágios de externalização, objetivação e internalização, presentes nas produções de Berger e Luckmann (2004). A primeira etapa corresponderia a ao processo de expurgação do humano sobre o mundo, ou o voltar-se para o mundo no qual se encontra, tanto na atividade mental quanto física. Trata-se de um momento importante, pois indica uma necessidade antropológica fundamental do ser humano, a do rompimento com seu isolamento, a partir da expressão de seus atos de criação e imaginação (BERGER; LUCKMANN, 2004).

A objetivação como segunda etapa do processo, traduz-se como o próprio nome diz na valoração objetiva das leis, regras, normas e instituições anteriormente exteriorizados pelos seres humanos. Nesta fase, os produtos tornam-se autônomos ao seu criador, portanto

25BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: Tratado de sociologia do conhecimento.

Tradução Floriano de Souza Fernandes. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 246 p.

externos a eles, agindo muitas vezes de forma coercitiva. A internalização surgirá com o propósito de promover no indivíduo a assunção do mundo anteriormente objetivado de forma que faça sentido para os sujeitos. É na internalização que se cumpre o processo de caráter dialético citado anteriormente, resultando na socialização, que se destacará a partir do equilíbrio entre o mundo objetivado e o mundo subjetivo. Portanto, a internalização corresponde a aceitação do que vem de fora, ou seja, das construções objetivas da realidade (BERGER; LUCKMANN, 2004).

A partir destas contribuições, em breve síntese, o construtivismo social estabelece que diferentemente dos outros animais que têm um mundo determinado logo ao nascer, que antecede sua aparição no plano da vida terrena, para o homem e para a mulher não há esse mundo pré-estabelecido, mas sim a possibilidade de um mundo aberto, que pode ser experienciado e recriado a partir de sua própria atividade nele. Apesar das diversas críticas direcionadas a esta perspectiva, principalmente sobre a redução da realidade aos aspectos da linguagem, e também sobre a ênfase na consciência dos atores em detrimento da relação intersubjetiva entre os sujeitos na construção da realidade, estas reflexões trouxeram importantes contribuições para o avanço do campo das ciências sociais.

O que anteriormente havia sido apontado como falha no construtivismo social, adquire agora uma nova incorporação na perspectiva interacionista, em que a prioridade está nas relações estabelecidas entre os sujeitos, ou seja, em suas interações e acordos previamente estabelecidos. Como não haveria possibilidade de interação entre os indivíduos sem a linguagem, ela também assume papel central neste processo, já que é condição para tal.

Tendo como um dos grandes nomes representativos do interacionismo simbólico George H. Mead (1863-1931), psicólogo e criador da obra “A mente, o sujeito e a sociedade”26, Mead (1982) revolucionou a área da psicologia deste período por acrescentar o fator “sociedade” na formação do sujeito, já que até então a psicologia era conhecida pelo estudo da psiqué individual. Dentre suas principais contribuições, o psicólogo concebia a sociedade em seu caráter processual, não determinada só por estruturas ou por ação, mas sim pela interação entre os indivíduos, sendo que a pessoa (self) compõe-se de uma interrelação entre o eu (I) e o mim (Me), em que os sujeitos controlam seus atos a partir das normas sociais (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001).

Há no interacionismo simbólico um rompimento com o conservadorismo presente na perspectiva sistêmica, já que considerados ativos, os seres dotados de capacidade

26 MEAD, G. H. Espíritu, persona y sociedade: desde el punto de vista del conductismo social. Barcelona: Paidós, 1982.

simbólica concebem diferentes realidades e ações coletivas ou individuais, alterando a realidade. Traçando um paralelo com a educação, a visão interacionista reforça o caráter dialógico do processo educacional, bastante difundido nas obras de Paulo Freire. Valorizando o papel ativo do (a) educando (a) em todo o processo, as aprendizagens são construídas por meio da inter-relação entre diferentes visões de mundo.

Outra contribuição presente nesta linha subjetiva é a etnometodologia, difundida nos Estados Unidos a partir da década de 1960. Na busca de uma pesquisa mais compreensiva do que explicativa, esta nova perspectiva revelada principalmente por Harold Garfinkel (1917- 2011) inclinou-se para a vertente e análise da vida cotidiana, assim como das pessoas que a protagonizam. Em suma, trata-se da premissa de que a realidade está presente na vida cotidiana das pessoas, em evidência nas nossas conversações e outras forma de comunicação e expressão. Esta vertente aproxima-se bastante do interacionismo simbólico à medida que por meio do conceito de relatabilidade permite que as atividades práticas sejam compartilhadas caracterizando o processo de intersubjetividade.

Percebe-se que no passeio a estas teorias subjetivistas, o grande foco de análise e de ação está centrado no sujeito, o qual detém maior espaço de decisão na realidade social.