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SEÇÃO 3 – AS ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS, O SUJEITO E A EDUCAÇÃO

3.4 Sujeitos e Sistemas – Teorias Duais

Já se tratando do período de pós-modernidade, que emerge nas décadas finais do século XX, coincidindo com o momento em que a tecnologia adquire um espaço primordial na reconfiguração de uma sociedade pós-industrial, serviços e estruturas baseiam-se na disseminação da informação e do conhecimento auferindo o nome de Sociedade da Informação. Em justaposição a essa nova organização social surge o Capitalismo Informacional, denominado pela primeira vez por Castells na obra “A sociedade em rede27” produzida em

1996. Dentre suas principais características está a aceleração e aumento do fluxo de capital e informações, difusão do conhecimento e especialização da mão de obra, que influenciaram diretamente na reconstituição da estrutura social.

Nas palavras de Flecha; Gómez; Puigvert (2001, p. 86, tradução nossa) “A principal diferença entre a sociedade industrial e a sociedade da informação é que, na primeira, a chave está nos recursos materiais e, na segunda, nos recursos humanos (...)”.

Isso significa que a mudança essencial em todo o processo de reconfiguração desta nova sociedade está na alteração de uma economia anteriormente produtora de mercadorias para outra de serviços, como a educação e a saúde por exemplo, garantindo a centralidade do conhecimento teórico. Dessa forma, tornam-se uma das características-chave desse período a seleção e o processamento de informações, que serão fundamentalmente responsáveis pelo êxito ou fracasso dos sujeitos.

Assim como já era característica da sociedade industrial e do capitalismo antecedente ao informacional, a exclusão social e o desemprego se intensificaram consideravelmente na Sociedade da Informação, já que muitos países permaneceram excluídos do processo de revolução informacional, o que gerou uma polarização da estrutura social: de um lado as posições com alta quantidade de informações e conhecimento, e de outro o desemprego e as posições precárias (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001).

Considerado um dos autores de maior destaque na atualidade, o sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015) dá sequência às produções referentes à Sociedade da Informação, com a defesa de que a sociedade moderna, defendida por muitos como sociedade pós-moderna sofreu não uma ruptura, mas uma reconfiguração, que vivencia um momento de produção de riscos em detrimento da produção de bens, típica da sociedade industrial. Ele foca suas análises no contexto da modernização reflexiva, berço do surgimento de riscos e problemas sociais decorrentes da alteração das estruturas da sociedade industrial (BECK, 2010).

Beck (2010) destaca para o processo de individualização vivido nesta nova fase da humanidade, em que se sobressai principalmente as mudanças ocorridas na estrutura da sociedade. No que concerne a esse processo de individualização, ela corresponderia ao processo no qual cada um se torna a unidade de reprodução vital da sociedade, já que os sujeitos são centrais à produção dos riscos, e são atribuídos a eles o papel central nas ações do mundo, o que caracteriza sua teoria como dual (BECK, 2010).

Como consequência dessa reconfiguração estrutural da sociedade, o papel do sujeito, assim como sua experiência de individualidade são alterados, pois o processo de individualização é atingido pelos riscos e perigos universalizantes, já que rompem com as referências tradicionais da sociedade industrial, gerando novas inseguranças e possibilidades de atuação social para que os sujeitos se descubram na ambivalência de sua liberdade de ação. Dessa forma, as produções de Beck centraram-se na análise da organização social diante do risco, e sobretudo na ação do conhecimento para prevenção destas situações de risco,

tornando-se um importante produto intelectual em potencial para manutenção do poder (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001).

A teoria da estruturação desenvolvida por Giddens (2009), também compartilha desta perspectiva dual entre sujeitos e sistemas à medida que reavalia pressupostos funcionalistas e estruturalistas. Para o autor (2009), as sociedades modernas são caracterizadas pela constante mudança, rompendo com o caráter tradicional de sociedades ditadas pelos valores morais, colocando indivíduos em uma constante posição de reflexão, conforme recebem informações e têm que lidar com suas próprias práticas. A estrutura utilizada como instrumento de coerção social na perspectiva sistêmica, é rejeitada por Giddens (2009) que a define como conjunto de regras e recursos estabelecidos como uma ordem na reprodução das práticas sociais. A teoria da estruturação aborda aspectos da ação humana realizada em uma conjuntura de estrutura social já existente, sendo toda ação humana parcialmente pré-determinada, porém essas regras não são permanentes, mas suscetíveis à alteração pela ação humana (GIDDENS, 2009).

Na interpretação de Flecha; Gómez e Puigvert (2001), para além das estruturas há a ação humana que o posiciona dentro de uma perspectiva dual, pois:

“(...) além das estruturas, havia ação humana, atores e coletivos que realizavam práticas sociais que reproduziam sistemas sociais em contínua transformação. Essa concepção dualista não era dualismo, pois estruturas e ações humanas não eram duas entidades independentes, mas, ao contrário, estavam em estreita interdependência.” (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001, p. 105, tradução nossa).

Nesse sentido, para além da reprodução das estruturas, os atores sociais também são capazes de transformá-las dentro desta perspectiva, sendo a estruturação desenvolvida a partir das condições geradoras das práticas sociais, produzidas e reproduzidas em interação.

Outro grande nome da sociologia atual, é o de Jurgen Habermas (1929) criador da Teoria da Ação Comunicativa (TAC), que visa romper com a estreita relação estabelecida entre o conhecimento como advindo apenas da interação entre sujeito e objeto. P ara o autor (HABERMAS, 1990, p.276): “ (...) o paradigma do conhecimento de objetos tem de ser substituído pelo paradigma da compreensão mútua entre sujeitos capazes de falar e agir”. Dessa forma, sua teoria propõe a ampliação do conceito de racionalidade que se constitui na interação entre sujeitos para a produção de conhecimento, detendo-se na análise de como os sujeitos sociais se movem em grupos na busca da realização racional de seus objetivos, e para isso utiliza as ações comunicativas para analisar como se dão essas relações intergrupais.

Dentre os conceitos básicos de sua teoria estão a explanação a respeito da racionalidade instrumental e comunicativa, sendo a instrumental definida como aquela que os sujeitos propõem um fim e o buscam no mundo objetivo. Já a racionalidade comunicativa traz a proposta de rompimento com a racionalidade baseada apenas no sujeito e no processo de autorreflexão, característica da modernidade, em contraposição à sua proposta de uma racionalidade baseada em relações intersubjetivas.

Essa mudança de paradigma em relação à razão abre a possibilidade para que o saber seja comunicacional, ao invés de estar estritamente pautado no sujeito e no seu processo de autorreflexão. Portanto, a partir da interação entre os sujeitos, no âmbito do mundo da vida, serão estabelecidos os consensos a respeito das possíveis soluções de problemas pertinentes às relações sociais. Dessa forma, Habermas (1990) alerta para a irredutibilidade do ser humano, considerando suas capacidades de interação com os outros por meio da linguagem e da ação, assim como no fortalecimento do “nós” integrador e não do “eu” isolado, lançando luzes às novas problemáticas da modernidade.

Por conseguinte, Habermas (1990) supera as perspectivas sistêmicas e subjetivistas, a partir de sua abordagem dual, com a renovação de conceitos já anteriormente utilizados no campo sociológico, como o mundo da vida em Husserl (1965), de forma que na perspectiva da TAC leva-se em conta tanto o mundo da vida como o sistema. Destarte, será a ação comunicativa capaz de descolonizar o mundo da vida (causado pela burocratização) e evitar a redução da ação humana em teleologia.