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SEÇÃO 6 A ANÁLISE DO CONCEITO DE SUJEITO NA PEDAGOGIA DA

6.4 A Politicidade na Educação

A questão da politicidade na Pedagogia da Esperança (1992/2016) mostra-se diretamente associada à coerência existente entre opção democrática e prática educativa. Dessa forma, o educador (2016) evidencia que não é possível a permanência da neutralidade dentro da educação, pois seu caráter diretivo exige a assunção de seus sujeitos enquanto defensores de determinado ideal. Portanto, como corpos presentes, permeados de uma história e de uma

cultura, somos seres políticos experienciando um mundo permeado por objetos que carregam em si figuras e posições político ideológicas, tornando impossível o tratamento do conhecimento de forma asséptica como se fosse possível desvinculá-lo destas faces que o compõe.

Em contramão a essa abordagem freiriana, temos projetos de lei atualmente colocados em pauta no Brasil, que avaliam as possibilidades de aplicação de uma educação neutra e não partidária, transformando o processo de ensino e aprendizagem em um movimento mecânico e ilusório, visto que não é possível dentro da educação este tipo de assepsia. A prática política defendida pelo autor está diretamente relacionada ao confronto de diferentes leituras em um processo que é enriquecedor, à medida que os sujeitos respeitem posicionamentos distintos dos seus, portanto, não se trata de uma doutrinação ideológica como é interpretado muitas vezes de forma errônea, mas que diante da impossibilidade de neutralidade, não cabe a ocultação do posicionamento do (a) educador (a).

Neste sentido, o sujeito político e transformador reflete para Freire (2016) a sua capacidade de denúncia de uma velha ordem opressora, para anúncio de um novo futuro, que deve ser sonhado e construído por homens e mulheres, ao passo que dimensionam a história enquanto possibilidade de ação. Sendo assim, a política tem a ver com uma concepção de homem, de mulher, de sociedade e educação que idealizamos, já que respeitar os (as) educandos (as) não significa negá-los o conhecimento sobre a forma de pensar do (a) educador (a), mas testemunhar a eles (as) sua escolha, na defesa de seu posicionamento, bem como suas outras possibilidades de assunção. Portanto, a aprendizagem política tão necessária à formação dos sujeitos, tem sua função no comprometimento com esta transformação da realidade a partir de uma educação, que, isenta de neutralidade, tenha em suas educadoras e educadores a ética e a coerência com seus ideais, necessários contra qualquer forma de manipulação.

Quadro XIV- A Politicidade na Educação

TRECHO ANÁLISE

1 “E é exatamente a sua politicidade, a sua

impossibilidade de ser neutra, que demanda da educadora ou do educador sua eticidade. A tarefa da educadora ou do educador seria demasiado fácil se se reduzisse ao ensino de conteúdos que nem sequer precisariam de ser tratados assepticamente e assepticamente "transmitidos” aos educandos, porque, enquanto conteúdos de uma ciência neutra, já eram em si assépticos. O educador neste caso não tinha por que, ao menos, se preocupar ou se esforçar por ser decente,

Não há a possibilidade de uma prática neutra, considerando todo o caráter político envolvido na concepção formativa da educação.

ético, a não ser quanto à sua capacitação. Sujeito de uma prática neutra não tinha outra coisa a fazer senão “transferir conhecimento” também neutro” (p. 107).

2 “Minha questão não é negar a politicidade e a

diretividade da educação, tarefa de resto impossível de ser convertida em ato, mas assumindo-as, viver plenamente a coerência entre minha opção democrática e a minha prática educativa, igualmente democrática. Meu dever ético, enquanto um dos sujeitos de uma

prática impassivelmente neutra – a educativa – é

exprimir o meu respeito às diferenças de ideias e de posições. Meu respeito até mesmo às posições antagônicas às minhas, que combato com seriedade e paixão” (p. 110).

A ética aparece como um princípio norteador das relações estabelecidas na prática educativa, para

esclarecimento do

posicionamento político da educadora ou educador durante o processo.

3 “Na verdade, toda vez que o futuro seja considerado

como um pré-dado, ora porque seja a pura repetição mecânica do presente, só adverbialmente mudado, ora porque seja o que teria de ser, não há lugar para a utopia, portanto para o sonho, para a opção, para a decisão, para a espera na luta, somente como existe esperança. Não há lugar para a educação. Só para o adestramento. Enquanto projeto, enquanto desenho do "mundo" diferente, menos feio, o sonho é tão necessário aos

sujeitos políticos, transformadores do mundo e não

adaptáveis a ele, quanto, permita-se-me a repetição, fundamental é, para o trabalhador, que projete em seu cérebro o que vai executar antes mesmo da execução. É por isso que, do ponto de vista dos interesses das classes dominantes, quanto menos as dominadas sonharem o sonho de que falo e da forma confiante como falo, quanto menos exercitarem a aprendizagem política de comprometer-se com uma utopia, quanto mais se tornarem abertas aos discursos “pragmáticos”, tanto melhor dormirão as classes dominantes” (p. 127).

O excerto ressalta a importância do sonho no processo de transformação da realidade. Sonho que não se esgota por si só, mas que adquire uma prática à medida em que os sujeitos vão

assumindo-se como

politicamente defensores de determinado ideal.

4 “Enquanto objeto de conhecimento, os conteúdos se

devem entregar à curiosidade cognoscitiva de professores e alunos. Uns ensinam e, ao fazê-lo, aprendem. Outros aprendem, e ao fazê-lo, ensinam. Enquanto objetos de conhecimento eles não podem ser ensinados, apreendidos, aprendidos, conhecidos, de tal maneira que escapem a implicações político-

ideológicas a ser também apreendidas pelos sujeitos cognoscentes. Mais uma vez a "leitura do mundo” em

dinâmica relação com o conhecimento da palavra tema, do conteúdo, do objeto cognoscível, se impõe” (p. 154).

Não é possível desvincular o processo de ensino e aprendizagem dos ideais políticos ideológicos embutidos por trás de cada afirmação ou teoria. A educadora ou educador progressista deve confrontar sua leitura de mundo com outras existentes, respeitando as possíveis divergências.