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SEÇÃO 3 – AS ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS, O SUJEITO E A EDUCAÇÃO

3.2 Sujeito e estrutura – Teoria sistêmica

O campo sociológico nos oferece três perspectivas para pensarmos o sujeito dentro da sociologia contemporânea, sendo elas: a sistêmica, a subjetiva e a dual. Trataremos de discorrer a respeito das principais correntes e de autores que cada perspectiva contempla, adotando como principal referência a obra “Teoría sociológica contemporânea22” de Flecha, Gómez e Puigvert (2001), por nos propiciar uma visão ampla destas perspectivas, com ênfase nas relações estabelecidas entre sujeito e estrutura em cada uma delas.

No que concerne à perspectiva sistêmica, Flecha, Gómez e Puigvert (2001) explicam que a teoria funcionalista vinculada à grandes nomes de teóricos, como Talcott Parsons (1902-1979) e Émile Durkheim (1858-1917), é uma de suas principais representantes, principalmente por enfatizar o papel do sistema e das estruturas na sociedade, em que ambos assumem uma condição de soberania, anulando a capacidade dos sujeitos em transformá-las. Destarte, seu modelo de análise passou por diferentes fases e abordagens, mas tendo sempre como base o estudo da sociedade a partir do modelo de um organismo, formada por diferentes partes que detém determinadas funções para seu perfeito funcionamento. A garantia desse funcionamento e estabilidade social se dá via consenso e compartilhamento de valores comuns entre os indivíduos da sociedade.

Difundida na Inglaterra na década de 30, a Teoria Funcionalista, conforme as explicações de Flecha, Gómez e Puigvert (2001), viveu seu auge de propagação nos anos de 1950 e 1960, quando o mundo se dividia em dois grandes blocos, experienciando a Guerra Fria. Neste momento, havia uma forte ofensiva contra qualquer tipo de mobilização que dava aos sujeitos a qualidade de sociais, capazes de transformar a realidade opressora em que viviam.

22 FLECHA, R.; GOMÉS, J.; PUIGVERT, L. Teoría sociológica contemporánea. Barcelona: Paidós, 2001. 162

Sendo assim, a concepção de uma sociedade regida por um sistema que era maior do que o poder de ação dos sujeitos era bastante conveniente, no sentido de amenizar os possíveis efeitos dos movimentos sociais em defesa da população menos favorecida.

Flecha, Gómez e Puigvert (2001) esclarecem que, tendo como principal referencial o campo da biologia, uma nova vertente da perspectiva sistêmica funcionalista surgiu, agora denominada de Funcionalismo Estrutural. Para os estudiosos e entusiastas desta corrente, a sociedade poderia ser comparada ao corpo humano, sendo formada por subsistemas (como o econômico, político, entre outros), que no final resultariam no cumprimento de determinadas funções para manutenção do sistema como um todo. É importante elucidar alguns conceitos chave para entendimento desta teoria, como o de sistema, estrutura e equivalência entre estrutura e função. Nas palavras de Flecha; Gómez e Puigvert (2001), podem ser definidos como:

1. Sistema: conjunto ordenado de elementos que tendem a preservar sua organização. (...) 2. Estruturas: elementos do sistema suficientemente estáveis para serem considerados independentes das flutuações de baixa amplitude e curta duração resultantes das relações entre sistema e meio externo (...) 3. Equivalência entre estrutura e função: a função das estruturas é contribuir para a manutenção e adaptabilidade dos sistemas aos quais pertencem (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001, p.24, tradução nossa).

Salvos o êxito e a repercussão do funcionalismo estrutural na sociedade daquele período, muitas críticas foram dirigidas à teoria principalmente por seu conservadorismo exacerbado, que minimizava a luta de classes e os movimentos sociais. Além disso, havia uma forte dependência das ciências naturais, o que será superado a partir de Parsons (1902-1979) com o funcionalismo sistêmico, responsável pela substituição da analogia ao modelo biológico pelo cibernético.

Na tentativa de superar as críticas anteriores, o funcionalismo sistêmico trouxe como grande contribuição para a área da sociologia a afirmação de que os sistemas são capazes de controlar apenas parcialmente os entornos correspondentes. Portanto, as relações que antes eram unidirecionais (as estruturas determinavam os entornos) agora são bilaterais, a medida em que a manutenção não depende mais exclusivamente de suas estruturas. Dada essa premissa, a relação que anteriormente era estabelecida entre estrutura e função, agora passa a ser entre estrutura e processos, pois estes também têm um papel importante na transformação das relações observadas no desenrolar da sociedade (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001)

Imerso nos estudos para aprimoramento desta vertente funcionalista, Talcott Parsons (1980) tornou-se um grande nome da sociologia pelo desenvolvimento de um sistema de análise que se centrava em quatro funções chave para a existência de uma sociedade sendo elas: adaptação, integração, manutenção dos padrões culturais e concretização dos objetivos, dos quais o equilíbrio obtido por meio destas trocas garantiria o equilíbrio de um sistema social. Porém, o sociólogo também recebeu inúmeras críticas por negligenciar em sua teoria os conflitos de poder existentes no âmbito da realidade, tendo seus escritos atualizados posteriormente por autores como Jurgen Habermas (1929) e Niklas Luhmann (1927-1998), por meio do neofuncionalismo.

Aluno de Parsons, Merton (1910-2003) foi o criador do Efeito Mateus, que resumidamente pode ser definido como a lógica de que se dá mais a quem tem mais e menos a quem tem menos, como por exemplo quando valorizamos determinados autores já reconhecidos no ambiente acadêmico em detrimento de outros, que apresentam a mesma qualidade acadêmica, porém não são tão privilegiados e reconhecidos. Merton (2013) também foi o responsável pelo desenvolvimento da sociologia da ciência, a partir da criação do ethos23 dos cientistas, explorando o modo como se comportam e reagem às regras e normas sociais. Além disso, suas contribuições giraram em torno do esclarecimento das funções manifestas (consequências conscientes das ações sociais) e latentes (consequências não reconhecidas pelos participantes).

Propagador desta mesma vertente, Luhmann (1991), já citado anteriormente, avançou a partir da seguinte premissa: mesmo que os sistemas não controlem totalmente os entornos, já que ambos ocorrem concomitantemente, o sentido da ação prevalece anterior ao sujeito, portanto sistêmico, originado por sua adaptação funcional e não propriamente pelos sujeitos que a realizam (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001). O autor ficou conhecido pela rejeição às teorias humanistas e principalmente pela defesa de que a sociedade se trata de um acoplamento social. Portanto, as transformações não ocorrem por vontade própria das pessoas, mas sim porque é funcional para o sistema.

Compartilhando dos mesmos princípios do funcionalismo, surge o estruturalismo a partir de Levi-Strauss (1908-2009), por meio da busca da universalidade de atividades em diferentes grupos sociais e comunidades, formadores de uma constante social. Dessa forma, ele converteu o funcionalismo norte americano em estruturalismo para o contexto europeu de pós-guerra, que se garantiria como uma forte frente para os pensamentos

revolucionários emergentes daquele período. Baseados na linguística, os estruturalistas promoveram importantes alterações se comparados aos funcionalistas, dentre elas está a priorização dos significantes sobre os significados.

Dentre as principais contribuições advindas da área da linguística, está o nome do referenciado linguista Sausurre24, que atribuiu ao estruturalismo um caráter relacional, com a

premissa de que os significados são criados por meio da diferença entre os significantes, tendo em vista que não nascemos com ideias pré-concebidas, como por exemplo: alto/baixo, gordo/magro, novo/velho, entre outros. Além disso, outro importante movimento surge com a descentralização do sujeito da realidade social, contrariando as correntes que o colocam no centro do processo. Segundo Flecha; Gómez; Puigvert (2001, p.49, tradução nossa) “o estruturalismo afirma que as pessoas foram criadas pelas estruturas nas quais nascem e se socializam: não produzem as estruturas, mas são um produto delas”.

Outros grandes nomes desta vertente, são o de Marx (1818-1883) e Bourdieu (1930-2002), sendo este último o mais presente nos dias atuais, por meio do conhecido estruturalismo construtivista, que dá um caráter de agente ao sujeito social. Podemos sintetizar mesmo que brevemente que nessa perspectiva sistêmica há uma eminente valorização da estrutura social, em que os eventos e as ações individuais não acontecem aleatoriamente, mas por meio de um padrão de repetição observável, de acordo com as estruturas de onde se localizam. Porém, essa relação não é unilateral, pois os agentes sociais também podem alterá- las, dando dinamicidade ao processo (FLECHA; GÓMEZ; PUIGVERT, 2001).

Em suma, ambas as teorias citadas acima, contribuíram de forma significativa para diversas áreas além da sociologia, tornando-se bastante influentes na década de 1960. Porém, ambas buscavam compreender a realidade sob uma perspectiva universalista, analisando os movimentos sociais e a luta de classes como deturpações do grande sistema chamado sociedade. Sendo assim, poucas eram as possibilidades de mudança do status quo, dada a valorização do conservadorismo em ambas as correntes. Nota-se a minimização da ação do sujeito dentro desta perspectiva, diferentemente do que será visto no próximo tópico, com a vertente subjetivista.

24 Suíço, o filósofo e linguista Ferdinand de Saussure (1957-1913) foi o responsável por muito do que se entende hoje na área da Linguística, tendo como foco de análise a comunicação e o estudo da linguagem na prática da mesma.