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SEÇÃO 5 A ANÁLISE DO CONCEITO DE SUJEITO NA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO

5.7 Diálogo e Pronúncia

Como primeira característica de destaque do conceito de diálogo, Freire (2014a) outorga sua competência de mediação entre homens, enquanto caminho pelo qual ganham significação na existência humana. Neste sentido, o ato de pronunciar o mundo, ou de dizer a palavra verdadeira se afirma enquanto condição fundante para a triangulação entre diálogo, pronúncia e transformação, visto que pronunciar o mundo é também modificá-lo (FREIRE, 2014a). Enquanto direito de todos os homens, o ato de pronunciar-se carrega em si a exigência de novas problematizações, de trabalho e de ação-reflexão realizadas em comunhão com os outros, como exigência, mas nunca como imposição.

É nesta abordagem que o diálogo se finca enquanto encontro de homens para sua libertação, tão necessária à Pedagogia problematizadora proposta pelo educador nesta obra (1968/2014a), como meio prioritário de desvelamento das vestes opressoras caídas sobre a sociedade. A partir dele se estabelecem formas mais horizontais de relacionamento intra e extraescolares, com forte potencial de transformação da realidade.

No decorrer da obra, Freire (2014a) pontua os elementos essenciais ao diálogo, a saber: o amor, a esperança, a humildade, a fé, a confiança e o pensamento crítico. Em síntese, ele expõe que o diálogo deve basear-se no amor aos homens e ao mundo, como uma forma de comprometimento com a libertação. No que concerne a humildade, ela surge como necessidade de reconhecimento do direito de todos ao diálogo e a transformação. Já a fé está diretamente

conexa à convicção de transformação dos indivíduos e consequentemente de suas relações. Por fim, a confiança apresenta-se como uma qualidade indispensável à relação estabelecida entre os sujeitos, para que em comunhão possam exercer o direito de ser mais por meio do diálogo. O pensar crítico relaciona-se diretamente à capacidade de percepção da dinamicidade existente entre a relação homem-mundo. Em vista disso, ele enxerga a realidade enquanto processo passível de transformação para humanização dos homens (FREIRE, 2014a). Neste sentido, sua relação com o diálogo está na capacidade que este tem de criá-lo e de consubstanciá-lo enquanto um dos elementos fundantes da educação, na medida em que rompe com a contradição existente entre educador-educando. É por esse fio condutor que o educador reafirma a impossibilidade de que os atos de pronunciar, bem como o diálogo, se transformem em instrumento de manipulação ou de imposição de ideias para a conquista de outrem, pois iria contra seus próprios princípios enquanto ato de criação que tem suas raízes na comunhão de homens.

Por fim, no que concerne diretamente ao sujeito, o diálogo participa de sua constituição, à medida que o “eu” tem conhecimento da existência de um “tu” (não eu), que o constitui, mas que também é constituído por ele em um exercício dialético de suas reconfigurações (FREIRE, 2014a). Destarte, o diálogo tem suas ideias cravadas na intersubjetividade, advinda do encontro de sujeitos para a pronúncia do mundo e sua consequente transformação, atendendo desta maneira a vocação que estes têm para a problematização de suas relações opressoras indicando o caminho de ação a ser seguido com vistas ao desvelamento desta realidade, por vias dialógicas.

Quadro VIII - Diálogo e Pronúncia

TRECHO ANÁLISE

1 “Em verdade, não seria possível à educação

problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo. É através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não mais educador do educando do educador, mas educador- educando com educando-educador. Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já, não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se

Como incumbência do diálogo, a relação mais igualitária entre educandos (as) e educadores (as) possibilita que ambos sejam criadores (as) e recriadores (as) do conhecimento, atuando como sujeitos do processo, via diálogo.

necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas” (p.95).

2 “Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o

mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem com buscar a verdade, mas com impor a sua. Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens” (p.109).

O excerto incide sobre a questão do diálogo enquanto exigência existencial para os sujeitos, bem como as características inerentes a ele, como o encontro de homens para a pronúncia do mundo e consequente libertação.

3 “Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos

e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não, porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (p.110).

Nas relações opressoras não é possível verificar a existência do amor, pois seria incoerente com sua natureza. Destarte, o amor enquanto condição fundante do diálogo é tarefa para sujeitos.

4 “Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos

homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na antidialogicidade da concepção “bancária” da educação. Se a fé nos homens é um dado a priori do diálogo, a confiança se instaura com ele. A confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na

pronúncia do mundo. Se falha esta confiança, é que

falharam as condições discutidas anteriormente. Um falso amor, uma falsa humildade, uma debilitada fé nos homens não podem gerar confiança. A confiança

A confiança aufere centralidade como um elemento importante ao conceito de diálogo, pois contribui para a pronúncia e desvelamento do mundo. Dessa forma, o sujeito dialógico tem por dever apresentar coerência na sua fala e na sua ação, sendo o amor e a confiança nos homens, pré-requisitos para esse processo.

implica no testemunho que um sujeito dá aos outros de suas reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada, não coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a sério, não pode ser estímulo à confiança” (p. 113).

5 “Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais,

não pode fazer-se na desesperança. Se os sujeitos do

diálogo nada esperam do seu quefazer já, não pode

haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso. Finalmente, não há o diálogo

verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar

verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade” (p.114).

O diálogo exige que a esperança esteja presente nos sujeitos que se colocam para o pensar verdadeiro. E isso ocorre à medida em que captam a realidade como processo que está sendo, enxergam um futuro de possibilidades e esperança.

6 “Enquanto na teoria da ação antidialógica a conquista,

como sua primeira característica, implica num sujeito que, conquistando o outro, o transforma em quase “coisa”, na teoria dialógica da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co- laboração” (p. 226).

“Não há, portanto, na teoria dialógica da ação, um

sujeito que domina pela conquista e um objeto

dominado. Em lugar disto, há sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo, para a sua transformação” (p. 227).

Na teoria da ação dialógica há a percepção de que o eu se constitua também por um tu, a partir de uma relação dialética e intersubjetiva promotora da verdadeira transformação. Portanto, a pronúncia do mundo é possível por meio da comunhão de homens.

7 “A co-laboração, como característica da ação dialógica,

que não pode dar-se a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação” (p. 228).

O diálogo, funda-se na comunicação e na co- laboração. Só pode ser realizado entre sujeitos, em comunhão, de forma alguma se impõe.