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A Análise Crítica do Discurso na visão de outros teóricos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: FAIRCLOUGH

1.1. A Análise Crítica do Discurso na visão de outros teóricos.

Iniciamos esta seção pelas considerações de Fairclough (2001) sobre a ‘Linguística Crítica’ que foi desenvolvida por um grupo da Universidade de East Anglia na década de 1970, dentre eles Fowler et al. (1979) e Kress e Hodge (1979). Quando os autores tentaram associar um método de análise linguística textual com uma teoria social do funcionamento da linguagem sem deixar de considerar os processos políticos e

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ideológicos, recorreram à teoria linguística funcionalista integrada de Michael Halliday (1978, 1985) denominada ‘linguística sistêmica’.

Para a análise textual, de acordo Fairclough (2001), os linguistas críticos utilizam-se dos trabalhos da ‘gramática sistêmica’ de Halliday, mas consideraram também conceitos de outras teorias, como ‘ato de fala’ e ‘transformação’. Fairclough (2001) afirma ainda que há uma tendência de se enfatizar o texto como produto e subestimar os processos de produção e interpretação de textos. Entretanto, os textos podem estar destinados a diferentes interpretações, “dependendo do contexto e do(a) intérprete, o que significa que os sentidos sociais do discurso (bem como ideologias) não podem ser simplesmente extraídos do texto sem considerar padrões e variações na distribuição, no consumo e na interpretação social do texto” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 49-50).

Pedro (1997) compartilha do pensamento de Fairclough (1989, 1992), Kress (1996), Pedro (1996ª e b) pertinente à análise crítica do discurso, que trata de abordagens de discurso em que o contexto é uma dimensão primordial. Conforme esses autores, o discurso conceitualiza um sujeito não somente como agente processual com relativos graus de autonomia, mas como sujeito construído por e construindo os processos discursivos a partir da sua natureza de ator ideológico. A autora se reporta a Fowler e a outros (1971) que defendem a variação em tipos de discursos por ser indissociáveis de fatores econômicos e sociais e, nesse sentido, as variações refletem e expressam ativamente o que é fundamental, ou seja, as diferenças sociais estruturadas que estão nas origens do discurso.

Outra concepção que se apresenta é de Pêcheux (1983), na qual os conceitos de ideologia e poder são abordados em termos semânticos. A sua contribuição está destinada à análise do desenvolvimento da linguagem como forma material de

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ideologia. O termo discurso é usado para mostrar os efeitos ideológicos no funcionamento da linguagem e a materialidade linguística que está presente na ideologia. Desse modo, cada posição passa a incorporar uma formação discursiva. As palavras são compreendidas, em termos semânticos, nas mudanças de seus sentidos, de acordo com a posição social de seus usuários. A língua se traduz pelo fato de que todo processo discursivo se inscreve numa relação ideológica de classes (PÊCHEUX, 1983, p. 92).

A contribuição trazida por Pêcheux (1983) é no sentido de partir do ‘corte saussuriano’ que confirma a ideia de a língua ser um sistema; entretanto, o autor entende que a constituição do discurso é desembaraçada de suas implicações subjetivas.

Decorre daí que a oposição concreto/abstrato não poderia se superpor à oposição discurso/língua: a discursividade não é a fala (parole), isto é, uma maneira individual “concreta” de habitar a “abstração” da língua; não se trata de um uso, de uma utilização ou da realização de uma função. Muito pelo contrário, a expressão processo discursivo visa explicitamente a recolocar em seu lugar (idealista) a noção de fala (parole) juntamente com o

antropologismo psicologista que ela veicula; a fórmula pela qual E. Balibar7

resume a tese de Stalin sobre a relação língua/luta de classes é, portanto, justa, desde que se compreenda bem que os termos “indiferença”, “não- indiferença” e “utilização” remetem a práticas de classe, e não às condutas subjetivas que eles evocam espontaneamente: [...] (PÊCHEUX, 1983, p. 91- 92).

Pêcheux (1983) considera a referência das condições de produção do discurso como condição primordial desse discurso, determinado extrinsecamente e constituído no tecido histórico-social que o incorpora. Quando o autor transporta o pensamento saussuriano para além dos níveis fonológico, morfológico e sintático, estes são dotados de uma autonomia relativa, por isso incorporam a semântica nesse processo, pois esta será o elo das significações, e deve ser entendida por meio das condições sócio-históricas determinantes à constituição significativa do texto.

7 O autor se refere à obra de E. Balibar, “Marxismo et Linguistique, Cahiers marxistes-leninistes, 1996, nº

34 Ao opor base lingüística e processo discursivo, inicialmente estamos

pretendendo destacar que, como foi apontado recentemente por P. Henry8,

todo sistema lingüístico, enquanto estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas, é dotado de uma autonomia relativa que o submete a leis internas, as quais constituem, precisamente, o objeto da Lingüística.

É, pois, sobre a base dessas leis internas que se desenvolvem os processos

discursivos, e não enquanto expressão de um de um puro pensamento, de uma pura atividade cognitiva, etc., que utilizaria “acidentalmente” os sistemas lingüísticos (PÊCHEUX, 1983, p. 91).

Nesse âmbito, Fairclough (2001) afirma que na teoria materialista do discurso de Pêcheux (1983), a questão do ‘pré-construído’ fincou a base para o ‘interdiscurso’, o qual será retomado mais adiante.

Nessa perspectiva, a “ilusão” de que fala Frege9 não é o puro e simples efeito

de um fenômeno sintático que constitui uma “imperfeição da linguagem”: o fenômeno sintático da relativa determinativa é, ao contrário, a condição de um efeito de sentido cuja causa material se assenta, de fato, na relação dissimétrica por discrepância entre dois “domínios de pensamento”, de modo que um elemento de um domínio irrompe num elemento do outro sob a forma do que chamamos “pré-construído”, isto é, como se esse elemento já se encontrasse aí. Especifiquemos que, ao falar de “domínios de pensamento”, não estamos querendo designar conteúdos de pensamento fora da linguagem, que se encontrariam na linguagem com outros conteúdos de pensamento: na verdade todo “conteúdo de pensamento” existe na linguagem, sob a forma deo discursivo (PÊCHEUX, 1983, p. 99).

Michel Pêcheux (1982, apud FAIRCLOUGH, 2001) analisa os conceitos de ideologia e poder presentes no âmbito semântico, o que nos faz crer que a análise do desenvolvimento da linguagem como forma material de ideologia é de fundamental contribuição. Nesse âmbito, as palavras são compreendidas, em termos semânticos, no

8 Essa nota é identificada como número 4 em sua obra e se refere a “Le Mauvais Outil. Langue, Sujet et

Discours”, Paris, Klincksieck, 1977. Esse texto retoma parcialmente, numa perspectiva aprofundada e retificada, o texto mimeografado. (PÊCHEUX, 1983, p. 135).

9 De acordo com a afirmação do autor, este considera que Frege não dispõe de nenhuma intenção de

referir-se à existência de qualquer relação de sentido entre as duas partes consideradas quando explica as proposições em seu todo (o pensamento) e a subordinada que se registra como forma de pensamento. De acordo com a citação de PÊCHEUX (1983, p.135) encontramos: “Frege, Écrits logiques et

philosophiques, op, cit. pp. 115-6. (N. dos T.: Na edição em português, o referido artigo encontra-se sob o título ‘Sobre o Sentido e a Referência’, Lógica e Filosofia da Linguagem, p. 59-86. Dado o desenvolvimento que Pêcheux fará a partir do exemplo proposto por Frege, especialmente, com respeito aos demonstrativos, bem como às determinações e explicativas, é fundamental manter, na tradução, a construção “aquele que...”. É por esse motivo que, para este tópico, optamos por traduzir diretamente da versão francesa.)” (PÊCHEUX, 1983, p. 135)

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contexto ideológico das práticas histórico-sociais e nas variações de sentido que são assumidas de acordo com as posições adquiridas pelos seus usuários.

Ainda na esfera da teoria social do discurso, cabe uma alusão a Foucault (1982, apud FAIRCLOUGH, 2001), cuja contribuição é inestimável quando, estabelece a relação entre conhecimento e poder, a construção discursiva de sujeitos sociais e o conhecimento e funcionamento do discurso na transformação social. Nessa concepção de poder, o discurso e a linguagem podem ser de fundamental importância nos processos sociais modernos, porque, quando analisamos as instituições e as organizações a partir do poder nelas vigente, podemos entender melhor suas práticas discursivas. Nesse sentido, Fairclough (2001) se reporta a teoria de Foucault (1972), sobre seus estudos arqueológicos contribuindo com duas principais teorias sobre o discurso que necessitam ser incorporadas à análise de discurso textualmente orientada (doravante ADTO). A ADTO tem como objeto para investigação qualquer tipo de discurso como uma conversação, discurso de sala de aula, discurso de mídia, dentre outros.

A primeira visão constitutiva do discurso envolve uma noção de discurso como ativamente constituindo ou construindo a sociedade em várias dimensões: o discurso constitui os objetos de conhecimento, os sujeitos e as formas sociais do “eu”, as relações sociais e as estruturas conceituais. A segunda é uma ênfase na interdependência das práticas discursivas de uma sociedade ou instituição: os textos sempre recorrem a outros textos contemporâneos ou historicamente anteriores e os transformam (uma propriedade comumente referida como intertextualidade de textos [...] (FAIRCLOUGH, 2001, p. 64).

Assim, na concepção foucaultiana, o discurso constitutivo contribui para a produção, a transformação e a reprodução dos objetos do discurso.

A ênfase nas relações interdiscursivas é, então, importante implicação para a análise do discurso, pois o cerne da investigação dessa análise é a estruturação ou a articulação das formações discursivas na relação umas com as outras. Nessa

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concepção de configurações modificáveis de conceitos dentro de uma formação discursiva, na qual se originam diferentes tipos de relações nos textos e entre eles, essa tese será útil para o desenvolvimento de perspectivas intertextuais e interdiscursivas na ADTO, já que defende a premissa de não existir enunciado que não realize outros enunciados.

A Análise Crítica do Discurso (ACD) considera os seres humanos a partir da sua socialização, num processo de julgamento das suas subjetividades e do uso linguístico particular, ou seja, a expressão de uma produção realizada em contextos sociais e culturais diversos pode se tornar um meio de perpetuar as formas ideológicas de desigualdades sociais.

Entendemos, assim, que as diferentes concepções pertinentes ao uso da linguagem nos ajudam a compreender o estabelecimento e a manutenção das estruturas de poder subjacentes que demandam de ações ocorridas nos contextos sociais institucionalizados, bem como o fazem as lutas ideológicas travadas socialmente. A linguagem é um meio de manutenção dessas estruturas hegemônicas instituídas por condicionantes instalados nos tecidos sociais. Nesse sentido, precisamos avaliar os implícitos decorrentes da ordem do discurso nessas ações sociais institucionalizadas, que, no nosso caso de estudo, é a instituição escolar.

As contribuições de Pêcheux (1983), Foucault (1972), Pedro (1997) e Fairclough (2001), os quais abordam teorias concernentes à análise de discurso, são fundamentais por contemplar uma dimensão crítica de análise do discurso. A importância do estudo desses autores, sobre as convergências ou divergências que possam surgir no ato comunicativo, nos leva à compreensão de que o discurso ocorre por meio do uso da língua num constituinte ideológico e sociológico. Isso nos incita à busca de melhores reflexões e entendimentos dos componentes presentes no discurso

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como um conjunto de práticas histórico-sociais, dentro de um contexto de forças travadas por lutas ideológicas presentes no interior dessa construção discursiva.