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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: FAIRCLOUGH

2.1. Modelo de análise

2.1.2. Aspectos dos sentidos ideacionais.

2.1.2.1. Conectivos e argumentação.

Ao analisar algumas características da coesão textual e da estrutura frasal, Fairclough (2001) assinala que esses procedimentos nos fornecem uma maneira de observar otipo de argumentação que é usado e a espécie de padrões de racionalidade que ela pressupõe. Essa observação nos possibilita conhecer os tipos de identidade social que são construídos nos textos. Isso será importante para evidenciarmos qual é a voz apresentada e o ethos indicado pelo corpus.

Dessa forma, devemos verificar detalhadamente os conectivos utilizados entre os termos e as orações, pois cada um deles abarca um valor semântico que pode nos direcionar na análise do texto, como as conjunções que indicam finalidade (para, a fim de etc.) ou razão (porque, pois, já que etc.). A observação desses conectores pode nos auxiliar na identificação das diferentes relações estabelecidas entre as orações e frases em diversos tipos de texto, e reconhecer que as formas de coesão que essas relações favorecem podem ter significação cultural e ideológica.

O quadro a seguir apresenta algumas características da coesão textual e da estrutura frasal que podem ser identificadas no texto:

Conectivos e argumentação Tipos de identidade social construídos nos textos.

Voz e ethos.

Conjunções. Relação funcional entre

as orações.

• Elaboração.

• Extensão.

• Realce.

Coesivas colocacionais. Quatro tipos principais de marcação coesiva de

superfície.

• Referência.

• Elipse.

• Conjunções.

• Coesão lexical.

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O autor retoma a discussão de Mishler (1984, apud FAIRCLOUGH, 2001) sobre vozes do mundo em sua análise. Na sua teoria, ele defende que o contraste que aparece nas vozes pode causar um distanciamento. Outra afirmação apresentada pelo autor é a de que, se houver um abrandamento da afirmação por certas expressões como ‘em geral’, poderá ser determinada uma mudança para a ‘voz do mundo da vida’, e por outro lado marca o ethos cuidadoso do interlocutor.

A segurança também pode ser apresentada pelo participante do discurso a partir de orações explicativas ou de propósitos, consistentemente oferecidas na voz de uma profissionalização, por exemplo, as quais culminam na racionalização e argumentação esperada da profissão, constituindo-se a construção do ethos científico.

Outro exemplo citado pelo autor são períodos construídos por verbos modalizados com o futuro simples, dando um sentido de predição categórica como em ‘isso é o que acontecerá’. Nesse sentido, o autor sugere que o produtor esteja construindo o seu texto a partir de seu próprio conhecimento de mundo internalizado. O mesmo ocorre com o uso do verbo ‘poder’, ou com um abrandamento para o verbo ‘poder’, indicando apenas possibilidade. Os advérbios de frequência tais como ‘algumas vezes’ e ‘raramente’, também podem ser tomados como exemplos porque servem para reforçar em alguns casos a idéia de certas proposições. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 216). Para o autor, uma análise da coesão possibilita-nos a observação de como acontece o modo de argumentação e de racionalidade, para verificarmos como a voz e o ethos estão construídos no texto.

Na concepção do autor, a análise da coesão sinaliza as relações funcionais no que diz respeito às orações, podendo ser utilizada para descobrirmos os ‘esquemas retóricos’ nos diversos tipos de textos.

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Fairclough (2001) exemplifica que, ao se iniciar o texto, o autor pode apresentar uma sequência de perguntas e respostas, ou seja, uma pergunta indireta seguida por uma possível resposta que indica uma sugestão. Esse esquema retórico é utilizado frequentemente na publicidade. Pode ser que em uma narrativa, por exemplo, diferentemente desse recurso seja utilizado.

Halliday (1985:202-207, apud FAIRCLOUGH, 2001) nos oferece um arcabouço teórico pormenorizado para analisar alguns tipos importantes de relação funcional entre as orações O autor distingue três tipos principais entre as orações, os quais são intitulados por ‘elaboração’, ‘extensão’ e ‘realce’. Quando há ‘elaboração’ num período, organiza-se o sentido de outra oração por meio de uma maior especificação ou de descrição, reformulando-se a idéia, exemplificando-a ou esclarecendo-lhe o sentido como quando se usa o termo: ‘Mais particularmente’. Quanto à ‘extensão’, uma oração ou período é expandido pelo sentido de outro excerto, acrescentando-lhe algo novo, que pode ser uma questão de adição marcada por ‘e’, ‘além disso’ ou marcadores de uma relação adversativa como ‘mas’, porém’, ‘contudo’, ou ainda, por variação em ‘ou’, ‘alternativamente’, ‘em vez de’. A relação de realce se dá quando há uma oração, frase ou período cujo significado é enfatizado por meio de qualificações utilizadas por diversas maneiras possíveis como as referências de tempo, de lugar, de modo, de causa, de condição etc.

Fairclough (2001) menciona que, dentre as variáveis analisadas no âmbito das relações funcionais, as causais devem ser consideradas de modo particular por apresentarem suas marcas explicitamente nos enunciados (razões e propósitos) por meio de conectivos como ‘para que’ ou ‘visto que’, sendo que esta explicitação parece contribuir para chamar a atenção para o domínio claro da voz e do ethos.

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Essa variação de valores explícitos é um dos pontos que nos leva à distinção dos níveis na análise da coesão: a análise das relações funcionais coesivas — ‘elaboração’, ‘extensão’ e ‘realce’ — e a análise dos marcadores coesivos explícitos na superfície do texto — conjunções, advérbios, pronomes, preposições etc. Estas últimas são importantes não só por apresentar em que medida as relações funcionais são marcadas explicitamente, mas porque há diferenças significantes entre os tipos de texto nos marcadores que eles tentam estabelecer. Halliday (1985:288-289, apud FAIRCLOUGH , 2001, p. 219) distingue quatro tipos principais de marcação coesiva de superfície: ‘referência’, ‘elipse’, ‘conjunção’ e ‘coesão lexical’.

Para João Hilton Sayeg-Siqueira (1996), o texto escrito se manifesta de uma forma física e visível por meio de utilizações codificadas responsáveis à manifestação linear do texto, por meio de um código verbal. Nesse sentido, estamos preocupados coma a coesão da microestrutura textual. Uma questão abordada pelo autor está relacionada à coerência apresentada no texto. Ele afirma que a coesão pode deixar de existir em um texto coerente e o contrário também pode ser verdadeiro, por isso, estar atento ao estabelecimento da organização entre a coesão e coerência é necessário à compreensão da mensagem estabelecida no texto. Essas afirmações do autor contribuem para que possamos perceber como ocorre o processo de embricamentos sintáticos nos textos e as relações de sentido que decorrem desses conectores para a interação.

Um fator importante a ser tratado aqui é para a determinação da argumentação por meio da coesão. Os conectivos responsáveis pela argumentação utilizados pelas alunas contribuíram estabelecer a linearidade nos enunciados, entretanto não podemos afirmar que esse processo de escolha foi intencional na interação. Sabemos o quanto é necessário entender como o texto está articulado para que se

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descubra como as relações de poder estão implícitas no texto por meio desses conectivos. Buscamos, assim, na teoria de Sayeg-Siqueira, a maneira como o início dessa forma de poder é controlada na interação discursiva. “Diversas são as formas de se introduzir um texto, denominadas pelo autor como ‘ancoragem no saber partilhado12’ porque vários são os fatores que interferem nesse processo, dependendo da natureza do assunto, da sua complexidade, da intenção do autor ao abordá-lo, do veículo de comunicação em que se fará a divulgação, a que tipo de leitor se destina etc.” (SAYEG- SIQUEIRA, 1997, p.14). Portanto, quando não conseguimos perceber essas intenções no texto, já estamos sendo controlados pelo poder que o discurso estabelece.

Outra questão abordada pelo autor, diz respeito ao ensino da sintaxe na tradição escolar, que está direcionada principalmente para o uso de conjunções, embora não podemos dizer que apenas elas são responsáveis pela montagem e articulação sintática da interação. Existem outros recursos que são escolhidos, pelo autor, a fim de tornar a argumentação eficaz, como por exemplo: o artigo, a preposição, o pronome, o numeral, o advérbio, o adjetivo ou um conjunto de palavras que compõe a argumentação. Para o autor, os marcadores sintático-argumentativos dependem do tipo de função, pois tudo está sujeito como ocorre a organização do texto e de como as idéias são propostas e relacionadas no texto.

Compartilha da mesma concepção do autor citado, anteriormente, Guimarães (2009) ao proceder suas afirmações sobre os ditames da gramática e a constituição do texto:

Assim, por exemplo, em relação ao ensino de análise sintática, faz-se necessária a integração das estratégias de análise com exercícios que levem à clareza e à lógica da expressão, ou seja, à coesão e à coerência do texto. Mais importante do que dividir e classificar orações é captar os nexos que as

12 “A ancoragem na introdução é feita a partir de um conhecimento tomado como sendo de consenso, que

chamamos, especificamente, de saber partilhado. O conhecimento atribuído a um saber partilhado pode aparecer explícita ou implicitamente” (SAYEG-SIQUEIRA, 1997, p.15)

88 integram uma nas outras, por procedimentos diversificados, tais como relações de causa e efeito, traços de caracterização apontados pela oração adjetiva, processos circunstanciais expressos na oração adverbial [...]. Assim, verificam-se formas de abordagem semântica na análise de estruturas sintáticas da língua – o que significa, inclusive, uma revitalização do ensino da gramática (GUIMARÃES, 2009, p.48-49)

Quanto à distinção dos tipos de coesão, Fairclough (2001) esclarece que há referência quando o autor do texto menciona e sintetiza uma parte anterior, antecipa ou sintetiza uma parte do texto que consta adiante ou resgata algo exterior ao texto — situação ou contexto cultural mais amplo —, utilizando-se de itens como pronomes pessoais, demonstrativos e artigos definidos. A elipse elimina algo que é recuperável em outra parte do texto ou pode ser substituída por outras palavras, formando-se um elo coesivo entre as duas partes do texto. As conjunções referem-se àquelas consideradas nesta argumentação como ‘desde’, ’se’, ‘e’ ou ‘adjuntos conjuntivos’ (Halliday 1985: 303, apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 219) tratados por ‘conjuntos’ por Quirk et al. (1972:520-532 apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 220) do mesmo modo que marcadores como ‘portanto’, ‘além disso’, ‘em outras palavras’. A coesão lexical pode ser entendida por meio da repetição de palavras e expressões relacionadas ao sentido como a sinonímia (mesmo sentido) ou hiponímia (o sentido de um inclui o sentido do outro) ou a união de palavras e expressões pertencentes ao mesmo domínio semântico.

Para o autor, não podemos entender esses marcadores de coesão de superfície apenas como propriedades objetivas do texto, mas devemos interpretá-los como parte de um processo de construção de leituras coerentes dos enunciados, visto que a coesão é um fator primordial para a coerência do texto. Por outro lado, também precisamos considerar que os marcadores coesivos estabelecem ativamente relações coesivas de tipos particulares dependendo da necessidade de posicionar o intérprete como sujeito, o que significativamente pode ser uma marca de um trabalho ideológico efetuado no texto.

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O autor analisa uma passagem de um texto que trata de diplomatas e diretores de empresa e afirma que uma interpretação coerente depende do trabalho inferencial, centrado na reconstrução das ligações chamadas de coesivas colocacionais:

[...] entre ‘diplomatas e diretores de empresa’, ‘transporta presença sem exibir ostentação’ e o ‘comportamento daqueles que nada precisam provar’. Isto é, pode-se dar sentido ao texto assumindo-se que o transporte de presença sem exibir ostentação é uma característica de diplomatas e diretores de empresas (transferidas aqui para o carro), e que diplomatas e diretores de empresas possuem ‘estilo’ e nada precisam provar. Note-se que essas relações colocacionais não são as que poderiam ser encontradas num dicionário, elas são estabelecidas no texto pelo(a) produtor do texto. Ao estabelecê-las, o(a) produtor(a) pressupõe também um(a) intérprete que é ‘capaz’ de perceber essas relações colocacionais; [...] (FAIRCLOUGH , 2001, p. 221).

O autor continua em sua análise, afirmando que, na medida em que haja a localização dos intérpretes com sucesso nessa posição, o texto se torna eficaz no trabalho ideológico de construção dos sujeitos, pois essas conexões passam a se tornar senso comum para eles.