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ANÁLISE DO CORPUS

3.3. Análise de redação II – Vaidade

3.3.6. Significado das palavras

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A escolha lexical está intrinsecamente relacionada à estrutura do texto. Considerando que um texto é tecido a partir de ideias, ou seja, é a manifestação de um raciocínio, o encadeamento dessas ideias pode ser sequenciado de várias formas, dentre elas, a escolha das palavras e os significados inerentes a elas que vão compor esse texto.

Optar por um sinônimo, por uma palavra de sentido mais abrangente, por uma metáfora, uma metonímia, um substantivo abstrato ou concreto são recursos de que o utente dispõe para obter a condescendência do leitor, um modo de demonstrar seu ‘mundo da vida’, seu ‘eu’.

Tais empregos, no entanto, não representam mera substituição, mas um acréscimo de informação ao leitor ou uma tentativa de persuadi-lo de certo modo. É uma ordenação lexical que pode ser aplicada ao texto consciente ou inconscientemente e, muitas vezes, o próprio tema desenvolvido pelo autor do texto o induz ao uso de vocábulos que já estão impregnados em seu subconsciente. Em outras palavras, o meio e a sociedade influenciam na escolha vocabular, seja automaticamente no momento da construção do texto ou num processo de pesquisa mental, em que o autor reflete para inserir determinado termo em sua composição.

Quando a aluna desenvolveu sua redação, cujo tema era Vaidade, foi inevitável o surgimento de palavras vinculadas ao tópico frasal. Identificamos valores sociais quando ela trabalha sua rede semântica nos verbos ‘ser’, ‘atrair’, ‘transmitir’, ‘mostrar’, ‘esconder’, ‘querer’ e ‘obter’, todos ligados moralmente às pessoas vaidosas. Interessante observar o significado negativo mais frequente no uso do verbo ‘ser’, o que revela a opinião da autora em relação à sua análise empírica: ‘ser admirada’; ‘ser gananciosa’; ‘é para causar inveja’; ‘é... glamour, fantasia, amor ao belo’; ‘É uma coisa muito comum’; ‘é muito fácil encontrar pessoas vaidosas’ em que o verbo usado em orações que expressam com que aspecto ou em que circunstâncias o sujeito existe ou se

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apresenta envolve uma rotulação da vaidade. Já a escolha do verbo ‘Exagerar’ muda o foco do sujeito. Apesar de estar ligado ao ato da vaidade, ele é direcionado para o leitor.

Quando Fairclough (2001) admite que os significados potenciais podem conter um sentido ideológico se utilizados com algum sentido cultural, acreditamos na sua hipótese, pois pudemos visualizar a influência externa exercida na adolescente em sua criação. Observamos que, dentro desse contexto, a aluna nos dá o indicativo de que não ‘podemos exagerar’ no sentido de aconselhamento como se pretendesse dizer que ‘não podemos ser vaidosos’, algo que, muitas vezes é criticado pela sociedade

Essa mesma relação também pode ser percebida na presença do título e de outras palavras com o mesmo radical, indicando um meio de persuasão desejado pela autora. O termo ‘vaidade’ aparece três vezes, seguido do adjetivo ‘vaidosa(s)’ também três vezes.

É importante esclarecer que, para nós, a palavra não é tomada em seu sentido coesivo, mas em função da expressividade no contexto. Sendo assim, estudamos o fenômeno tanto numa perspectiva informacional, que constrói argumentativamente o sentido no discurso, quando como sendo representacional da realidade individual ou coletiva.

Podemos considerar que, no discurso, as palavras ou categorias são decididas paralelamente à enunciação. Em outras palavras, o processo de produção do texto ajusta constantemente as seleções lexicais a um mundo contínuo, cujos objetos emergem ao longo da construção. Desse modo, o ato comunicativo escrito representa o contexto e as versões do mundo do autor. Para Koch (2001, p.57), o cérebro “reelabora os dados sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E essa reelaboração se dá essencialmente no discurso e deve obedecer a restrições impostas pelas condições

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culturais, sociais, históricas, como também, pelas condições de processamento decorrentes do uso da língua”.

Considerando essa abordagem, percebemos que os substantivos abstratos ‘Desejo’, ‘Admiração’, ‘Imagem’, ‘Estética’, ‘Aparência’, ‘Asseio’, ‘Glamour’, ‘Fantasia’, ‘Amor’, ‘Belo’, ‘Elevação’, ‘Autoestima’, e os substantivos concretos ‘Espelho’ e ‘Lentes’ estão intimamente ligados àqueles cuja aparência é uma questão de suma importância na sociedade. Em outro ângulo, surgem os substantivos: ‘Inveja’, ‘Orgulho’ e ‘Discriminação’, todos ligados também à vaidade, mas referentes à apreciação dos outros. Paralelamente, os adjetivos ‘Visual’, ‘Gananciosa’, ‘Valioso’ e ‘Pessoal’ implicam escolhas significativas da autora dentre os múltiplos meios de expressão que a língua oferece. Na contramão, ‘comum’ e ‘fácil’ banalizam a vaidade, mais uma vez atribuindo valores desfavoráveis ao comportamento em questão.

Dessa forma, acreditamos que a preocupação com os significados das palavras inseridas no texto não consiste simplesmente em encontrar um segmento linguístico para ser inserido no texto, trata-se de uma representação e recontextualização de conceitos mentalmente armazenados que eclodem quando são estimulados.

3.3.7. Metáfora

A metáfora consiste em empregar um termo com significado diferente do habitual, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora implica, pois, uma comparação em que o conectivo comparativo fica subentendido. Essa figura pode ser explorada de algumas maneiras no texto, como uma metáfora de verbo, em que a ação é fantasiosa; uma metáfora de substituição, quando apenas o termo comparado aparece no texto; uma metáfora adjetival, quando a

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característica atribuída é inusitada ou uma metáfora de pertencimento ou modal, como em ‘amor aos pedaços’, dentre outras. Todas muito expressivas e producentes no texto.

Para Fairclough (2001), em cujas teorias baseamos primordialmente nossos estudos, essa gama de possibilidades é mais uma possibilidade de visualização de implicações culturais e sociais, pois a partir das metáforas também podemos construir a realidade de uma maneira particular. Concordamos como o autor quando ele sugere que as metáforas representam o nosso modo de pensar e a maneira como vemos as coisas, como revelamos as nossas crenças ou conhecimentos.

A partir da proposição de que as metáforas podem expor os valores e preocupações de uma determinada cultura, exibimos os excertos: ‘que pelas lentes de alguns é asseio ou glamour... pelas lentes de outros pode ser vaidade’ e ‘Uma pessoa vaidosa cria uma imagem pessoal’ em que aparecem a metáfora de substituição e a metáfora de verbo. O termo ‘lentes’, no contexto, perde seu sentido referencial e passa a transparecer um valor abstrato, utilizado em prol da rede semântica construída no texto. ‘Lentes’, nesse caso, é a impressão dos outros, entretanto, quando se trata de visual, de vaidade, de estética, as lentes das câmeras são comumente associadas à imagem que as pessoas vaidosas procuram mostrar aos outros. Ainda o termo ‘criar’ nos dá uma noção de reinventar, produzir-se, preterindo as acepções de gerar e desenvolver e intensificando o valor material e físico.

Cabe elucidar que as metáforas utilizadas no texto revelam um conceito sobre a vaidade que já está incorporado nos conceitos sociais. A aluna recorre a esses julgamentos para desenvolver seus enunciados. Ou seja, para a sociedade, os vaidosos estão sempre voltados ao próprio ego, ao ‘como vou sair na foto’, ou ‘o que os outros vão pensar de mim ou me ver’. Por isso a aluna faz alusão à câmera, às lentes. Seguindo esse raciocínio, cria-se uma imagem que não é a pessoa em si, mas uma caricatura que é

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mais bem aceita pela sociedade, visto que esta cria estereótipos considerados aceitáveis para se viver em comunidade.