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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: FAIRCLOUGH

1.2. Por uma teoria tridimensional do discurso.

1.2.4. O discurso como prática docente.

Nesta seção, partimos do pressuposto de que a prática educativa deve desempenhar um papel fundamental para a conscientização da necessidade do exercício de entendimento dos efeitos ideológicos e hegemônicos nas construções de relações sociais. Desse modo, o discurso pode exercer as pressões de poder direta ou indiretamente, por meio do estabelecimento do poder persuasivo que pode ser justificado por argumentos, promessas de todas as demandas ou por construção de exemplos, ou ainda, por outros instrumentos retóricos que aumentem a probabilidade de os receptores formarem as representações mentais inconscientemente.

Acreditamos que a tarefa docente é, portanto, a de contribuir para desmistificar as variáveis concernentes às práticas discursivas e contextualizá-las a partir de concepções críticas de ensino e de aprendizagens, a fim de apresentar aos alunos as implicações ideológicas desses processos. Ou seja, se o professor trabalhar

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com textos entendendo que estes são práticas sociais, ele estará propiciando essa aprendizagem no âmbito social e não apenas escolar.

Para Fairclough (2001), os eventos discursivos produzem efeitos cumulativos sobre as contradições sociais e sobre as lutas ao seu redor.

[...] À medida que os produtores e os intérpretes combinam convenções discursivas, códigos e elementos de maneira nova em eventos discursivos inovadores estão, sem dúvida, produzindo cumulativamente mudanças estruturais nas ordens de discurso: estão desarticulando ordens de discurso existentes e rearticulando novas ordens de discurso, novas hegemonias discursivas. Tais mudanças estruturais podem afetar apenas a ordem do discurso ‘local’ de uma instituição, ou podem transcender as instituições e afetar a ordem do discurso societária [...]. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 128).

A partir dessa posição, retomamos Dijk (2008b), por corroborar com o pensamento Fairclough (2001), quando aquele afirma a respeito de os autores serem profissionais, como no caso dos jornalistas e das organizações, que devem ter conhecimento das possíveis ou prováveis consequências de seus discursos, quando processados pelas representações sociais dos seus receptores. Para Dijk (2008b), a repetida ênfase e enfoque em características que podem ser desviadas da realidade podem confirmar ou criar atitudes, inclusive preconceituosas.

Segundo o autor citado, os grupos da elite ou organizações conhecem os efeitos de suas informações sobre o público. Acreditamos que a atenção deve ser focada nos diversos determinantes ideológicos que são construídos discursivamente. E aqui cabe entendermos como ocorre esse controle interacional nos discursos ideologizantes. Desse modo, quando tratamos da esfera educacional, temos por certo que os professores não devem estar alheios às possíveis consequências sociais dos discursos, tanto àqueles reproduzidos por eles quanto àqueles realizados por outros, tanto em relação às formas nas práticas discursivas quanto às representações hegemônicas presentes na sociedade.

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Quando pensamos nas práticas discursivas abordados na escola, precisamos destacar os diversos mitos que estão incorporados nesse discurso institucional. Essas práticas surgem mitigadas em vários sentidos. Acreditamos que, de modo ainda mais acentuado, os alunos são influenciados por forças constantes e adjacentes quando sofrem influências sociais internas e externas ao ambiente escolar, sem se darem conta disso.

Assim sendo, assinalamos a análise estratégica de Dijk (2008a) de que não podemos nos limitar às características textuais apenas; devemos avaliar as características do usuário da língua, considerando-se seus objetivos e seu conhecimento de mundo. Os discursos, enquanto histórias, não se realizam no vazio; são construídos e entendidos pelos falantes e ouvintes de acordo com determinadas situações, considerando-se um contexto sócio-cultural mais amplo, em que as dimensões sociais do discurso não representam apenas um evento de dimensões cognitivas. Tanto as dimensões sociais do discurso quanto as dimensões cognitivas interagem entre si. Isso deverá responder ao fato de que todo discurso e consequentemente o processo de entendimento do discurso são processos funcionais num contexto social.

É neste sentido que os alunos devem saber interpretar os diferentes discursos para que possam produzir seus textos com autonomia e conhecimentos linguísticos em condições satisfatórias de entendimento de todos os mecanismos de interação. Compreender o sentido mais extenso da palavra, da sentença e do texto sucessivamente é determinante aos processos discursivos. Os alunos escrevem, muitas vezes, sem a devida ciência de que no processo de produção precisam recorrer a todos os recursos linguísticos que compõem os processos discursivos para a realização de sua interação.

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Partindo da teoria tridimensional de Fairclough (2001), em que as estruturas discursivas podem receber e sofrer influências da estrutura social mais ampla, acreditamos que o aluno enfrenta o poder que também está presente no espaço escolar sob seus diversos aspectos. Esse poder ocorre por meio do controle interacional presente nos diálogos ou determinações de várias ordens, como o acesso ao conhecimento social ou cultural pela prática docente, bem como pela ocorrência de outras influências do poder social que fazem parte da rotina desse aluno, sem que este o perceba. É o que o autor identifica como “naturalização do discurso”, ou expressões incorporadas em seu discurso inconscientemente. E, nesse processo, muitas vezes o docente não se apercebe também dessas relações de poder.

A nossa proposta é que a prática docente deva contribuir para a reflexão das ações desenvolvidas no contexto escolar e para a reestruturação das relações hegemônicas nos diferentes discursos. Sugerimos que se deva avançar a fim de observar o texto com mais perspicácia para entender que as mudanças sociais possam existir no sentido dialético de Fairclough (2001), ou seja, na possibilidade de rompimento dessa estruturas de poder. Acreditamos que as influências sociais perpassam as práticas discursivas consolidadas na mente.

A docência é condição de ação às práticas sociais, nos mais variados contextos de aprendizagem, porque essa docência comprometida está relacionada a uma dimensão social mais ampla. Desse modo, devemos enfocar no impacto qualitativo que esse conjunto de práticas sociais representa para o sujeito aprendiz.

O professor pode compreender que esses pressupostos são indissociáveis a sua prática docente e considerar as complexidades e antagonismos no contexto escolar e nas demandas sociais existentes. Portanto, reconhecer as informações que estão

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disponibilizadas socialmente para construirmos as nossas referências sobre o mundo, sobre os outros e sobre nós mesmos, é fundamental para o processo educativo.

Pensando nesse sentido, é necessário que o professor assuma a sua condição de produtor-mediador, aquele que pode interceder por uma melhor prática de ensino e da sua própria prática pedagógica, aquele que diante de cada situação reflita, busque suas próprias soluções para as questões enfrentadas a fim de construir novas estratégias de ensino e de aprendizagem.

Assim, o docente deve pensar sobre as atividades que ocorrem na sala de aula, nos recursos didáticos utilizados, na articulação dos diferentes momentos de ensino e de aprendizagem de maneira mais autônoma e significativa para o aluno. É preciso desenvolver práticas em que o aluno descubra novas possibilidades para a apropriação do conhecimento. A interação do professor e aluno, nesse processo, é uma tarefa a ser considerada.

Ainda na perspectiva da abordagem crítica do discurso, encontra-se a linguística aplicada de Rajagopalan (2003). Esse autor considera o contexto escolar quando aborda que a tarefa de um educador crítico é instigar a visão crítica de seus alunos, de inserir uma postura crítica de constantes questionamentos, das certezas e dogmas. Nesse âmbito, o educador crítico exercerá, sempre, uma ameaça aos poderes constituídos.

Para Rajagopalan (2003), o pedagogo deve ser um catalisador de mudanças sociais, deve ser idealista e convicto de que a partir de sua ação, por mais limitada e localizada que lhe pareça, é possível desencadear mudanças sociais de grandes proporções.

O educador precisa buscar um espaço na sala de aula para que seus alunos possam discutir com maiores convicções a própria vida fora da escola e suas

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impressões sobre a sociedade em que vive e relacionar seu ponto de vista aos conhecimentos constantes nos livros de acordo com a sua realidade. Acreditamos que se esse processo não for contextualizado, pouco poderemos avançar para que o aluno se transforme em um ser crítico e agente do seu próprio destino.

A tarefa do educador crítico é estimular, na aprendizagem, o desenvolvimento de concepções dialéticas, quando cria constantemente possibilidades de questionamentos das incertezas e rupturas de dogmas incorporados nos diferentes discursos quando estes permanecem inquestionáveis.

A pedagogia crítica nasceu das inquietações vividas ou reproduzidas na sala de aula, não enquanto um espaço acadêmico no seu sentido tradicional, isto é, um lugar onde se confere o saber àqueles que dele carecem, mas enquanto um autêntico espelho das contradições e tensões que marcam a realidade que se verifica fora da escola (Rajagopalan, no prelo-3). Ou seja, o primeiro compromisso de um pedagogo crítico é com a comunidade, da qual a sala de aula é uma pequena, porém fiel, amostra [...]. (RAJAGOPALAN, 2003, p. 105).

Entretanto, essa atitude nem sempre é bem vista no ambiente escolar. Compartilhamos a idéia do autor quando este afirma que a “a crença na neutralidade do educador é ela mesma uma atitude política — a de não perturbar a ordem das coisas que se encontra instalada, ainda que nela possam estar abrigadas severas injustiças e arbitrariedades gritantes” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 111). Somos contrários a essa postura, pois acreditamos na opinião de Rajagopalan, quando ele afirma que o educador deve ser um intermediador para que o aluno se torne mais crítico e observador em relação à ideologia e hegemonia de certos poderes.

Ao educador crítico cabe a tarefa de estimular a visão crítica dos alunos, de implantar uma postura crítica, de constante questionamento das certezas que, com o passar do tempo, adquirem a aura e a ‘intocabilidade’ dos dogmas. É por esse motivo que o educador crítico atrai via de regra, a ira daqueles que estão plenamente satisfeitos com o status quo e interpretam qualquer forma de questionamento das regras do jogo estabelecidas como uma grande ameaça a si e à sua situação confortável e privilegiada. A história vem se repetindo desde longínquos tempos na Grécia Antiga, quando Sócrates, o pai

64 da filosofia no mundo ocidental, foi obrigado a se retratar de tudo o que ensinara aos seus atenienses sob pena de pagar pelo crime de perturbar a ordem com a sua própria vida. O educador crítico sempre foi e sempre será uma ameaça para os poderes constituídos (RAJAGOPALAN, 2003, p. 111).

O docente consciente não deve utilizar o espaço escolar apenas para ensinar o aluno a reproduzir um discurso constituído ou referendado pelo poder, mas para propiciar mudanças efetivas no processo de construção de si mesmo, tarefa bem mais complexa do que imaginamos.

Percebemos que a utilização da linguagem não é prática isolada e as influências sofridas no contexto escolar têm sua relevância para o refortalecimento dessas relações de poder. É nesta acepção que vamos delinear nosso estudo. Porque entendemos que no discurso docente e na prática discursiva discente há muitas influências decorrentes dos poderes hegemônicos, podendo, assim, dificultar o processo de aprendizagem do aluno.

Entretanto, acreditamos que nessa ação o que a torna mais complexa é que, na maioria das vezes, o docente age inconscientemente, reforça a manutenção hegemônica dessas relações de poder dentro das estruturas do poder institucional, sem se dar conta disso. O aluno por sua vez incorpora as deliberações do poder institucional e social presentes em suas relações, mas também não se vê integrante no processo. Nesse ciclo, o docente pode contribuir como agente do processo de manipulação ou inculcação, pois não se articula no sentido de reorganizar suas ações nessas estruturas de poder. Esse docente não desenvolve outras propostas e práticas mais criativas para que permitam a ruptura do discurso institucional vigente.

No capítulo seguinte pretendemos explicitar as categorias constantes do modelo de análise textual que são a função interpessoal da linguagemna elaboração de identidades sociais e relações sociais bem como os ‘sentidos ideacionais’ de Fairclough

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(2001), para que possamos aplicá-los e analisarmos como as representações e identidades sociais estão presentes nos discursos dos alunos.

66 CAPÍTULO II

DA ANÁLISE