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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: FAIRCLOUGH

2.1. Modelo de análise

2.1.1 Função interpessoal da linguagem.

O controle interacional é uma propriedade analítica do texto que inclui a tomada de turno, a estrutura de troca, o controle de tópicos, o controle de agendas e a formulação — estes não considerados em nossa análise —, bem como a modalização, a polidez e o ethos — aspectos a serem observados neste trabalho. Esse controle interacional deve ser considerado como uma dimensão da estrutura textual, da mesma forma que a modalidade é uma dimensão da gramática, de acordo com as orientações de Halliday (1985), e a polidez é um aspecto que Fairclough (2001) denomina como ‘força’. A seleção desses tópicos particulares para a discussão apresentada pelo autor não deve ser arbitrária, visto que cada uma delas oferece uma rica base para que percebamos os aspectos sociais culturalmente significantes de mudança nas funções relacional e de identidade do discurso.

Por isso, tanto o controle interacional quanto a modalização, a polidez e o

ethos têm funções determinadas e partilhadas. Verificar essas características é importante já que nos acenam para o entendimento de como as sociedades escolhem e constroem suas identidades. Além disso, possibilita-nos entender o funcionamento dessas construções, a imposição das relações de poder e as modificações e reproduções sociais imbricadas nessas práticas discursivas.

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Os aspectos abordados pelo autor como “características do controle interacional” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 178) normalmente são aqueles que dão garantias para que a interação funcione com regularidade num nível organizacional em que os turnos na conversação sejam distribuídos harmoniosamente, e que os tópicos (perguntas e respostas) possam ser escolhidos e mudados. Para o autor, um corolário desse monitoramento é que o participante possa controlar o sistema de turnos conversacionais, ou seja, a forma com que os turnos estão organizados entre os participantes na interação.

Desse modo, pretendemos apresentar contribuições para se perceber como as interações são estabelecidas com base em fatores sociais e determinantes para o processo de aceitação entre os participantes desse processo. Para tanto, serão objeto de análise a modalização, a polidez e o ethos. Com isso, pretendemos avaliar como ocorrem as relações sociais entre os participantes do discurso (alunos da escola pública). O controle interacional é sempre realizado de maneira colaborativa entre as pessoas, mas pode acontecer diferentemente, dependendo das relações sociais e de poder entre os participantes do discurso. Assim, a pessoa pode controlar a tomada, o conteúdo e a duração dos turnos, de acordo com a modalidade, a polidez e o ethos.

Para o autor, o controle interacional é uma dimensão da estrutura textual, a modalidade, uma dimensão da gramática (embora seja uma concepção de gramática muito orientada para o significado, como Halliday (1985) e a polidez, um aspecto que denominei ‘força’. O ethos transcende as categorias, [...] e é motivado pelo foco no ‘eu’ (FAIRCLOUGH, 2001, p.176).

Não há arbitrariedade na seleção dos tópicos particulares para a discussão, pois cada um deles é uma base substancial para a percepção dos aspectos sociais e culturais, que são importantes para a mudança nas funções relacional e de identidades do discurso. Encontramos também, na conversação, outro aspecto de

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controle interacional em perguntas mais ou menos fechadas em que se estabelece um limite relativamente estreito entre o discurso das pessoas.

Esses controles na interação discursiva podem ser exercidos de forma explícita (por modalizadores, por exemplo) ou implícita (por gestos ou expressões, ou apenas silêncio) por vários sujeitos envolvidos nesse processo. A seguir, explicitamos as demais categorias que servirão como base para a nossa análise.

2.1.1.1. Modalização

A modalização trata da relação entre produtor — aquele que produz o enunciado — e proposição — exposição de uma asserção produzida pelo utente que é delimitada por certas marcas formais, que podem ser identificados a partir do comprometimento ou do distanciamento da relação entre eles. Cabe lembrar que, na modalização, há o relacionamento pelo grau de afinidade dos produtores com as proposições.

Quando declaramos algo por meio de uma proposição, podemos afirmar ou negar terminantemente sobre essa proposição. Entretanto, existe a possibilidade de fazê-lo de outra maneira, já que estão disponíveis vários graus de comprometimento menos categóricos e menos determinados a favor do enunciado proposto ou contra ele, como nos termos ‘pode ser’, ‘provavelmente é’, ‘possivelmente é’ ou ‘é mais ou menos’. Essa é a esfera a que o autor atribui como modalização, que é “a dimensão da gramática da oração que corresponde à ‘função interpessoal’ da linguagem” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 199).

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Em um enunciado proposicional, o produtor acaba indicando o grau de ‘afinidade’ com a proposição (HODGE E KRESS, 1988, apud FAIRCLOUGH, 2001). Por isso, podemos encontrar no enunciado a propriedade da modalização.

Fairclough (2001) desenvolve uma reflexão sobre as distinções temporais por meio da modalização com verbos auxiliares modais. Porém acrescenta que, independente da maneira de se entender essa modalização, haverá ampliação de seu sentido e outras possibilidades de entendê-la abrangendo outros verbos que não apenas estes.

A modalidade na gramática era tradicionalmente associada com os ‘verbos auxiliares modais’ (‘dever’ – obrigação moral; ‘poder’ – permissão, possibilidade; ‘poder’ – capacidade, dever, etc.), que são um meio importante de realizar a modalidade. Entretanto, a abordagem ‘sistêmica’ à gramática a que Hodge e Kress (1988) recorrem enfatiza que os verbos auxiliares modais são apenas um aspecto da modalidade entre muitos (apud Halliday, 1985:85- 89)” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 199).

Dessa maneira, o tempo verbal pode ser analisado como outro modalizador, como no caso do presente do indicativo ‘é’, que determina uma modalidade categórica.

Outra característica importante à modalização é a utilização de um conjunto de advérbios modais como ‘provavelmente’, ‘possivelmente’, ‘obviamente’ e ‘definitivamente’, bem como de seus adjetivos equivalentes como ‘é possível’, ‘é provável’, ou seja, existem possibilidades de manifestação de vários graus de afinidade. Para o autor, além dessas possibilidades, há outras formas de manifestações de vários graus de afinidade, como indeterminações do tipo ‘uma espécie de’, ‘um pouco’, ‘ou uma coisa assim’ ou padrões de entonação, fala hesitante etc.

A modalização pode ser subjetiva, percebido quando da utilização das bases ‘acho’, ‘penso’, ‘suspeito’ ou ‘duvido’. No caso da modalidade subjetiva, fica

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evidente que o grau de afinidade do próprio falante com a proposição aparece expresso no enunciado.

Podemos encontrar múltiplos aspectos na modalização de um enunciado ou frase simples, como em “penso que ela estava um pouco bêbada, não estava? A baixa afinidade é expressa no marcador de modalidade subjetiva (penso), na indeterminação (um pouco) e na adição de uma pergunta final à asserção (não estava?)” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200).

O que precisamos notar é que, na modalização, não encontramos somente o comprometimento do falante ou escritor com suas proposições; esse comprometimento acontece no curso das interações com outras pessoas, e a afinidade utilizada em suas proposições é normalmente difícil de ser separada do seu sentido de afinidade e solidariedade com os interagentes. Como no caso de uma proposição afirmativa com ‘não é?’ no final da asserção, ou seja, além de expressar alta afinidade pela afirmação, também expressa uma dependência recíproca com a pessoa com quem se fala.

No caso de declarações positivas acompanhadas de respostas negativas no final das proposições, ou vice-versa, há uma alta afinidade com a proposição, a qual é compartilhada entre o falante e o receptor. Essas inserções são realizadas para demonstrar vínculo e empatia entre os sujeitos da interação e não para obter informações. Dessa forma, a alta afinidade pode caracterizar muito mais um desejo de reforçar o sentido da proposição do que obter uma relação de comprometimento de alguém com a hipótese sugerida.

No entanto, a afinidade apresentada pelo produtor em relação a uma representação do mundo deve ser indissociável do relacionamento entre ele e os demais participantes do discurso.

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As modalizações podem determinar também baixa afinidade, pois pode haver um distanciamento do participante do discurso em relação à proposição apresentada. Existem muitos fatores envolvidos para se analisar a baixa afinidade, as relações sociais, conhecimento e poder são alguns deles.

Assim, uma proposição de baixa afinidade pode exprimir falta de poder do produtor e não apenas falta de convicção ou de conhecimento. Por outro lado, algo que pode ser reivindicado como conhecimento e expressão de alta afinidade depende das relações de poder estabelecidas. Para o autor a “modalidade é, então, um ponto de intersecção no discurso, entre a significação da realidade e a representação das relações sociais – ou, nos termos da linguística sistêmica, entre as funções ideacional e interpessoal da linguagem” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 201).

Outra característica abordada pelo autor é o uso de modalidades objetivas que possibilitam que as perspectivas parciais sejam universais. A importância de verificarmos essas propriedades nos leva a avaliar o trabalho ideológico, como a influência da mídia, que oferece imagens e categorias para a realidade que posiciona e molda os sujeitos sociais e apresenta grande reforço para o controle e a reprodução social.

Quanto à modalidade objetiva, em que essa base subjetiva está implícita, surgem termos como ‘pode ser’ ou ‘é provavelmente’. Nesse caso, pode estar obscuro o ponto de vista representado pelo falante, ou seja, ele pode estar projetando o seu próprio ponto de vista como universal, ou agindo na condução para o ponto de vista de outro grupo ou mesmo de outro indivíduo. O uso dessa modalidade objetiva normalmente implica alguma forma de poder.

75 Figura 6: Aspectos da função interpessoal da linguagem

A afinidade pode expressar, então, a solidariedade com os interagentes, ou seja, todos compartilham da mesma opinião. Na concepção do autor, “expressar alta afinidade pode ter pouca relação com o comprometimento de alguém com uma proposição, mas muita relação com um desejo de demonstrar solidariedade (HODGE e KRESS, 1988:123, apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 201).

Portanto, a modalização apresenta uma importante característica no discurso para entendermos as relações sociais e de poder presentes nos enunciados. Para Fairclough (2001), a importância social da modalização está na sua extensão, porque as proposições modalizadas podem ser refutadas e estar abertas à luta e à transformação. È importante observar que essas posições sustentam o trabalho ideológico nos diferentes discursos e instituições, oferecendo, assim, categorizações para a realidade que posiciona e molda os sujeitos, sendo que sua contribuição ocorre principalmente para o controle e a reprodução social, mas pode ser uma possibilidade de ruptura quando se percebe a sua extensão às relações ideológicas.

Baixa afinidade.

Relação entre propositores e proposições. Significação da realidade e representação das relações sociais.

Subjetiva e Objetiva Grau de afinidade das proposições. Alta afinidade

76 2.1.1.2. Polidez.

Fairclough (2001) cita a teoria mais influente de Brown e Levinson (1978) em que a polidez é um conjunto de estratégias por parte dos participantes do discurso destinada a mitigar os atos da fala que podem ser ameaçadores para sua própria ‘face’ ou dos interlocutores. O uso desse nível de linguagem é moldado pelo ideário desses participantes.

Esses autores pressupõem um conjunto universal de “desejos de face” humanos que indicam que as pessoas têm uma ‘face positiva’ porque querem ser amadas, compreendidas, admiradas dentre outras possibilidades. De outro modo, existe também a ‘face negativa’, quando não querem ser controladas ou impedidas em suas realizações por outras pessoas. Independentemente de sua intenção, a face deve ser protegida de acordo com o interesse de todos. Porém, para o autor, ainda, faltam outras análises nas quais se verifique a variabilidade das práticas de polidez nos diversos tipos de discurso dentro de uma cultura, bem como as ligações entre as práticas de polidez variáveis e as alterações das relações sociais ou restrições aos produtores pelas práticas de polidez. Bourdieu (1977:95, apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 218) sugere que as concessões da polidez acontecem sempre de maneira política, diferentemente das colocações de Brown e Levinson.

Fairclough (2001) cita que as convenções de polidez particulares incorporam e reconhecem de maneira implícita as relações sociais e de poder particulares, pois, quando recorremos a elas, essas relações são reproduzidas. Quando se investiga as convenções de polidez de um dado gênero ou tipo do discurso, podemos perceber que as relações sociais estão dentro das práticas e dos domínios institucionais associadas a esse gênero. Para ele, quando dizemos as coisas de maneira indireta, ou seja, quando usamos ‘atos da fala indiretos’, estamos tratando de uma parte importante

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da polidez, pois, ao se fazer uma pergunta de forma hipotética, revela-se uma maneira indireta de se fazer um pedido, como no caso de expressão ‘você poderia ajudar’ no lugar de ‘ajude’.

Temos alguns indícios de convenção de polidez na modalidade de baixa afinidade, quando a produção não constitui um enfrentamento, obtida por meio da indeterminação. Essa característica da modalidade é também uma propriedade da polidez negativa, pois evita infringir o domínio da autoridade do produtor.

Desse modo, considerando as inferências feitas por Fairclough (2001) em suas análises das teorias de Brown e Levinson, acreditamos de suma relevância para nosso estudo expor a determinação que esses autores fazem da polidez. Marcotulio e Souza (2007), considerando o modelo Brown e Levinson, discorrem sobre o fato de a imagem social ser vulnerável, por isso geralmente o utente se utiliza de recursos para minimizar a ameaça. Quando elabora uma composição, independente da situação, o autor emprega estratégias menos intensas conforme o risco de deterioração da imagem dos participantes. Desse modo, para Brown e Levinson (1987, apud MARCOTULIO e SOUZA, 2007), diante da perspectiva de realizar uma ação ameaçadora, ela pode ser tomada, dentre outras possibilidades:

• com polidez positiva, quando o foco é face positiva do ouvinte, de maneira que demonstra que, em algum nível, o interlocutor deseja as mesmas coisas que o ouvinte, demonstrando todos os participantes do ato linguístico pertencem ao mesmo grupo. • com polidez negativa, quando aponta para satisfazer a face negativa do outro, focando em seus desejos básicos de manutenção de território e de auto-determinação. • de maneira sutil, encoberta, de forma indireta.

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Em decorrência dessas determinações, Brown e Levinson chegaram a um esquema de estratégias de polidez positiva, polidez negativa e indiretividade, conforme podemos ver no quadro a seguir:

Estratégias de polidez

Polidez positiva Polidez negativa Indiretividade

1. Perceba o outro. Mostre-se interessado pelos desejos e necessidades do outro. 2. Exagere o interesse, a aprovação e a simpatia pelo outro.

3. Intensifique o interesse pelo outro.

4. Use marcas de identidade de grupo.

5. Procure acordo. 6. Evite desacordo.

7. Pressuponha, declare pontos em comum.

8. Faça piadas.

9. Explicite e pressuponha os conhecimentos sobre os desejos do outro. 10. Ofereça, prometa. 11. Seja otimista. 12. Inclua o ouvinte na atividade. 13. Dê ou peça razões, explicações. 14. Simule ou explicite reciprocidade. 15. Dê presentes. 1. Seja convencionalmente indireto.

2. Questione, seja evasivo. 3. Seja pessimista. 4. Minimize a imposição. 5. Mostre respeito. 6. Peça desculpas.

7. Impessoalize o falante e o ouvinte. Evite os pronomes "eu" e "você".

8. Declare o FTA como uma regra geral.

9. Nominalize.

10. Vá diretamente como se estivesse assumindo o débito, ou como se não estivesse

endividando o ouvinte. 1. Dê pistas. 2. Dê chaves de associação. 3. Pressuponha. 4. Diminua a importância. 5. Exagere, aumente a importância. 6. Use tautologias. 7. Use contradições. 8. Seja irônico. 9. Use metáforas.

10. Faça perguntas retóricas. 11. Seja ambíguo.

12. Seja vago. 13. Hipergeneralize. 14. Desloque o ouvinte. 15. Seja incompleto, use elipse.

Tabela 1: Estratégias de polidez propostas por Brown e Levinson (1987, apud MARCOTULIO e SOUZA, 2007).

Outra afirmação diz respeito às mudanças do receptor para a ‘voz do mundo da vida’ — quando utiliza o senso comum para alcançar concordância, solidariedade ou empatia — que também podem ser aceitas como polidez. Em alguns

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casos, há a possibilidade de ser consideradas como pistas implícitas para o interlocutor acerca de um conjunto de situações problemáticas adicionais e subjacentes a algum problema abordado. Algumas perguntas acabam sendo um ato ameaçador para a face negativa do receptor. Mas algumas perguntas podem ser também potencialmente ameaçadoras para a face positiva do receptor por parecerem embaraçosas ou constrangedoras.

Fairclough (2001)põe em questão ainda episódios em que as convenções de polidez nos dão a impressão de estarem invertidas, porque o interlocutor demonstra polidez positiva e negativa para o receptor. Nesse caso, o utente pode utilizar a polidez positiva quando adota a voz do mundo da vida, e polidez negativa quando se utiliza de formas reticentes e mitigadas de sua pergunta. Para o autor, essas diferenças acontecem de acordo com as relações sociais. Portanto, mais uma vez, podemos perceber que as convenções de polidez estão relacionadas aos graus de poder estabelecidos.

80 2.1.1.3. Ethos.

O conceito do ethos constitui um ponto no qual podemos estabelecer uma união entre a diversificação de características, não somente no discurso, mas ainda no comportamento em geral, sendo que essa união leva-nos à construção de uma versão particular do ‘eu’. No contexto dessas significações, os aspectos da análise textual denominados de controle interacional, modalidade e polidez têm um papel primordial. “Com efeito, a maior parte, se não a totalidade das dimensões analiticamente separáveis do discurso e do texto, tem algumas implicações, diretas ou indiretas, para a construção do “eu” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 209).

Para o autor, a questão do ethos é intertextual. Os modelos de determinados gêneros e tipos de discurso devem ser utilizados na constituição da subjetividade (identidade social, ‘eu’) das pessoas que participam das interações. Além disso, ele afirma que o significado do ethos pode ser ampliado:

Entretanto, o ethos pode ser considerado como parte de um processo mais amplo de ‘modelagem’ em que o lugar e o tempo de uma interação e seu conjunto de participantes, bem como o ethos dos participantes, são constituídos pela projeção de ligações em determinadas direções intertextuais de preferência a outras [...] (FAIRCLOUGH, 2001, p. 207).

Nessa acepção, por meio do aconselhamento os participantes são construídos em uma relação de solidariedade e experiência comum; se não for realizada pela amizade, a cena passa a ser construída para as pessoas sentirem-se aliviadas de seus problemas.

Cabe ressaltar que o ethos apresenta-se tanto pela atitude do corpo quanto pela voz. Bourdieu (1984, apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 208), indica “que a linguagem seja considerada como uma ‘dimensão da héxis’ corporal na qual a relação global da pessoa com o mundo social é expressa”. Desse modo, não é apenas pelo que

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as pessoas dizem, mas pela relação com o próprio corpo, ou seja, é o efeito cumulativo dessa disposição corporal total, como o modo de se sentar, suas expressões faciais, seus movimentos, sua maneira de responder fisicamente ao que é dito, dentre outras características pessoais.

Entretanto, para o autor, a maior parte da atenção para o “eu” no discurso é focalizada no conceito da ‘expressão’:

É comum distinguir uma função emotiva ou expressiva da linguagem, que está ligada ao modo como as pessoas expressam as coisas, de maneira a mostrar seus sentimentos sobre elas, ou atitudes em relação a elas, e há um conceito amplamente utilizado de ‘significado emotivo’ para aspectos ‘expressivos’ do significado das palavras (FAIRCLOUGH, 2001, p. 209).

O autor afirma que, ao se enfatizar a construção, a função da identidade da linguagem passa a ser importante, porque as formas pelas quais as sociedades criam categorias e constroem identidades para seus participantes é um aspecto relevante da maneira como elas funcionam, como as relações de poder são impostas e exercidas, como as sociedades são reproduzidas e transformadas.

Outro destaque aqui é para a polidez denominada de ‘força’. Sua ausência pode associar-se ao conceito mais geral do ethos ao demonstrar o comportamento total de alguém que participa do discurso e apresenta o estilo verbal (falado ou escrito) e o tom de voz que fazem parte de seu estilo, sinalizando sua identidade social e sua subjetividade.

Sendo assim, pesquisar as convenções de polidez de um determinado gênero ou tipo de discurso é uma maneira de se reconhecer as práticas sociais e os domínios institucionais pertencentes ao gênero ou tipo discurso. Fairclough (2001) assume uma postura dialética ao reconhecer as restrições das convenções e a possibilidade de rearticulação de maneira criativa visando suas transformações.

82 Figura 8: Aspectos da função interpessoal da linguagem — Ethos