PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
MARINA PINHEIRO FORTUNATO
ANÁLISE TEXTUAL: CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES E DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM PRODUÇÃO DE ALUNOS DOS ANOS FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL E DO ENSINO MÉDIO.
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
MARINA PINHEIRO FORTUNATO
ANÁLISE TEXTUAL: CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES E DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM PRODUÇÃO DE ALUNOS DOS ANOS FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL E DO ENSINO MÉDIO.
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa sob a orientação do Prof. Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira.
Ficha Catalográfica TD FORTUNATO, Marina Pinheiro
Análise textual: construção das relações e das representações sociais em produção de alunos dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio.
São Paulo. 258, 2011. Tese (Doutorado) – PUCSP Programa: Língua Portuguesa
Orientador: SIQUEIRA, João Hilton Sayeg de
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2011
Banca Examinadora
________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________
Dedico este trabalho a meus familiares que souberam pacientemente entender os meus momentos de solidão, para o desenvolvimento dos meus estudos.
Dedico este trabalho também aos profissionais das escolas pesquisadas — sem citar nomes, para não correr o risco de ingratidão—, por serem interlocutores nos meus anseios em educação.
AGRADECIMENTOS
Em especial ao meu querido orientador e amigo, Prof. Dr. João Hilton Sayeg-Siqueira, sempre paciente, que soube trilhar comigo, trazendo toda a sua experiência para me ensinar nesta caminhada.
Ao Prof. Dr. Emanuel Cardoso, que de maneira carinhosa e amiga contribuiu para o desenvolvimento do meu trabalho, no momento de minha qualificação.
Ao Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira, meu querido professor do curso, que de maneira carinhosa e firme conduziu meu aprendizado, no momento de minha qualificação.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduação em Língua Portuguesa, por suas inestimáveis colaborações.
À CAPES, pela bolsa que me concedeu.
EPÍGRAFE
Alguns textos conduzem a guerras ou à destruição de armas nucleares; outros levam
as pessoas a perderem o emprego ou a obtê-lo; outros ainda modificam as atitudes, as
crenças ou as práticas das pessoas.
RESUMO
Realizamos nossa pesquisa com alunas das oitavas séries do Ensino Fundamental e terceiros anos do Ensino Médio de escolas da rede pública do Estado de São Paulo. Iniciamos a análise da pesquisa com os estudos de Fairclough (2001) que sugere um método tridimensional de análise do discurso, o qual deve ser tomado como o próprio discurso. O autor ainda recomenda que qualquer exemplo da prática discursiva deva ser visto simultaneamente como um texto linguístico, oral e escrito; uma prática discursiva (produção e interpretação de texto) e prática sociocultural.
Fairclough (2001) contempla, por meio de seus trabalhos, uma relação entre discurso e sociedade, abordando a prática discursiva a partir da interpretação da relação que se estabelece não apenas com as ordens do discurso e práticas discursivas já existentes, mas também com as estruturas sociais, ideologias e relações de poder infundidas nesses discursos.
Outras reflexões presentes neste trabalho como as de Pedro (1997) e Dijk (2008) também apresentam conceitos oriundos das teorias de análise de discurso numa dimensão crítica. A importância do estudo dessas teorias é para que possamos compreender as relações de poder e as ideologias provenientes dos espaços escolares, a partir das produções discentes. Procuramos demonstrar ainda os fatores argumentativos nos textos dos alunos e suas representações sociais no discurso.
Procuramos buscar o entendimento para nossa análise na linguística textual a fim de avaliarmos os marcadores argumentativos nas produções e a influência dos condicionantes ideológicos presentes nos processos de produção textual.
ABSTRACT
We conducted our research with students from the eighth grade of elementary school and third year of High School to the Public of the State of São Paulo.
We begin the analysis with the research studies Fairclough (2001) that addresses a three-dimensional conception of discourse by stating that the three-dimensional method of discourse analysis is the speech and any instance of discursive practice that should be seen as both a linguistic text, oral and writing, a discourse practice (text production and interpretation) and sociocultural practice.
Fairclough (2001) considers his work through a relationship between discourse and society, addressing the discursive practice through the interpretation of the relationship established not only with the orders of discourse and discursive practices that already exist, but also to social structures, ideologies and relationships existing power in these discourses.
Other reflections are present in this work, among them, Pedro (1997), Dijk (2008) who also have certain concepts from the theories of discourse analysis in a critical dimension. The importance of studying these theories is that we can understand the power relations and ideologies from school premises, observing the students productions. What we want to prove that the factors are also present in argumentative student texts and their social representations are in discourse.
Thus, we get the understanding for our analysis on textual linguistics to evaluate argumentative markers in the productions and the influence of ideological constraints present in the processes of textual production.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Concepção tridimensional do discurso e seus componentes. 37 Figura 2: Componentes de análise da teoria tridimensional — Análise do
texto.
42
Figura 3: Componentes de análise da teoria tridimensional — Práticas discursivas.
51
Figura 4: Componentes de análise da teoria tridimensional — Práticas
sociais. 57
Figura 5: Itens de análise. 68
Figura 6: Aspectos da função interpessoal da linguagem 75 Figura 7: Aspectos da função interpessoal da linguagem — Convenções
de polidez 79
Figura 8: Aspectos da função interpessoal da linguagem —Ethos 82
Figura 9: Aspectos dos sentidos ideacionais – Conectivos e
argumentação. 83
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Estratégias de polidez propostas por Brown e Levinson 78
Tabela 2: Aspectos da função interpessoal – Coração de um torcedor. 105
Tabela 3: Aspectos dos sentidos ideacionais – Coração de um torcedor. 115
Tabela 4: Aspectos da função interpessoal – Vaidade. 131
Tabela 5: Aspectos dos sentidos ideacionais – Vaidade. 145
Tabela 6: Aspectos da função interpessoal – Maioridade penal. 158
Tabela 7: Aspectos dos sentidos ideacionais – Maioridade penal. 170
Tabela 8: Aspectos da função interpessoal – O que fazer? 182
Tabela 9: Aspectos dos sentidos ideacionais – O que fazer? 197
Tabela 10: Aspectos da função interpessoal - Modalização 211
Tabela 11: Aspectos da função interpessoal - Polidez 218
Tabela 12: Aspectos da função interpessoal - Ethos 221
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Aspectos da função interpessoal – Modalização (Alta afinidade) 212
Gráfico 2: Aspectos da função interpessoal – Modalização (Baixa afinidade) 215
Gráfico 3: Aspectos da função interpessoal – Modalização (Comparação de
afinidades) 216
Gráfico 4: Aspectos da função interpessoal – Polidez 219
Gráfico 5: Aspectos da função interpessoal –Ethos 221
Gráfico 6: Aspectos dos sentidos ideacionais – Inserções por redação 228
Gráfico 7: Aspectos dos sentidos ideacionais – Comparativo de inserções por
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 16
CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: FAIRCLOUGH 28
1.1. A Análise Crítica do Discurso na visão de outros teóricos. 31
1.2. Por uma teoria tridimensional do discurso. 37
1.2.1 A análise do texto 39
1.2.2 A prática discursiva 42
1.2.3 O discurso como prática social: ideologia e hegemonia. 52
1.2.4. O discurso como prática docente. 58
CAPÍTULO II - DA ANÁLISE 66
2.1. Modelo de análise 66
2.1.1 Função interpessoal da linguagem. 69
2.1.1.1. Modalização. 71
2.1.1.2. Polidez. 76
2.1.1.3. Ethos. 80
2.1.2. Aspectos dos sentidos ideacionais. 82
2.1.2.1. Conectivos e argumentação. 83
2.1.2.2. Transitividade e tema. 89
2.1.2.3. Significado das palavras. 95
2.1.2.4. Criação de palavras. 98
2.1.2.5. Metáfora. 99
CAPÍTULO III – ANÁLISE DO CORPUS 102
3.1. Os aspectos da função interpessoal e dos sentidos ideacionais. 102 3.2. Análise de redação I –Coração de um torcedor 103
3.2.1 Modalização 105
3.2.2. Polidez 109
3.2.3 Ethos 112
3.2.4 Conectivos e argumentação 115
3.2.5. Transitividade e Tema 119
3.2.6. Significado das Palavras 123
3.2.7. Metáfora 127
3.3. Análise de redação II –Vaidade 129
3.3.1. Modalização 131
3.3.3. Ethos 141
3.3.4. Conectivos e argumentação 145
3.3.5. Transitividade e Tema 150
3.3.6. Significado das palavras 152
3.3.7. Metáfora 155
3.4. Análise de redação III –Maioridade penal 157
3.4.1. Modalização 158
3.4.2. Polidez 163
3.4.3. Ethos 167
3.4.4. Conectivos e argumentação 170
3.4.5. Transitividade e Tema 174
3.4.6. Significado das Palavras 176
3.5. Análise de redação IV –O que fazer? 179
3.5.1. Modalização 182
3.5.2. Polidez 190
3.5.3. Ethos 194
3.5.4. Conectivos e argumentação 197
3.5.5. Transitividade e Tema 200
3.5.6. Significado das palavras 202
3.5.7. Metáfora 205
3.6. Sobre a análise do corpus. 205
3.7. Sobre os dados apresentados 211
CONSIDERAÇÕES FINAIS 235
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 248
ANEXOS 254
ANEXO A - Redação I –Coração de um torcedor
ANEXO B - Redação II –Vaidade
ANEXO C - Redação III –Maioridade penal
ANEXO D - Redação IV –O que fazer?
16
INTRODUÇÃO
A nossa pesquisa está pautada na análise do discurso em produções
escritas de alunos da rede pública das oitavas séries do ensino fundamental e terceiros
anos do ensino médio1 de duas escolas estaduais, situadas na zona leste da cidade de
São Paulo. O presente trabalho investiga as representações sociais que são
determinantes na composição do constructo das relações de poder presentes na prática
social e dos condicionantes ideológicos reconhecidos nos argumentos utilizados por
esses alunos.
Nessa perspectiva, buscamos os conceitos oriundos das teorias da análise
de discurso de Norman Fairclough (2001)2, no âmbito da análise tridimensional da obra
utilizada como base, que tratam das mudanças e dos efeitos decorrentes da linguagem
como prática social, a fim de explicitar como o discurso é revestido por relações de
poder e ideologias, e quais são os efeitos que desempenham nas identidades sociais, nas
relações sociais e nos sistemas de conhecimentos e crenças. Acreditamos que, embora
isso não seja visível aos participantes do discurso, está presente nas suas produções.
Sendo assim, os conceitos epistemológicos que foram delineados neste trabalho
discorrem do controle interacional e dos sentidos ideacionais constitutivos dos
1 De acordo com o contido no inciso I do Art. 21 da Lei 9394/96, a educação escolar é composta
pela educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
2 Fairclough (2001, p. 100) propõe uma análise tridimensional, afirmando que qualquer evento ou
17
condicionantes ideológicos naturalizados ou automatizados3 nos processos de produção
textual dos discentes.
Buscamos, a partir da concepção do autor, os atributos que denotam que
as ideologias estão implícitas nas práticas discursivas e apresentam um caráter
extremamente eficaz quando se tornam naturalizadas e conseguem atingir o status de
senso comum.
Contudo, essas propriedades discursivas aparentemente estáveis e
estabelecidas por ideologias podem ser contidas pelos interagentes se pensarmos nas
possibilidades de transformações sociais por meio do discurso e considerarmos seu
importante papel nesse sentido. Isso é possível se conseguirmos remodelar as práticas
discursivas e as ideologias que foram nelas construídas por meio das relações de
dominação.
Para discutirmos as questões formuladas nas pesquisas, buscamos ainda,
para as nossas reflexões, referenciais teóricos na área de análise crítica do discurso por
concorrerem em contributos teórico-conceituais para este trabalho. Essas teorias
consideraram os seres humanos participantes dos discursos a partir de suas
subjetividades e do uso linguístico que utilizam no processo de elaboração desses
discursos, realizados nos contextos sociais e culturais de que fazem parte. Assim, o
discurso é uma prática social relacionada a outras e funciona como parte constituinte da
sociedade.
Partindo desses pressupostos e pela metodologia da análise crítica do
discurso, procuramos discutir em que sentido o poder e a ideologia fazem parte do
3 Por “naturalizados” entende-se “intrínseco ao utente da língua (naturais)” ou “desenvolvido no
18 discurso em um processo de interação social, que, no nosso caso, aparecem por meio
das produções textuais de alguns alunos da educação básica.
Dessa forma, acreditamos que o docente deva considerar a linguagem
como um processo interativo e intencional instalada em contextos sociais mais amplos.
Entretanto, isso só poderá ocorrer se desvelarmos toda a complexidade que permeia as
estruturas sociais e ideológicas, por meio de interferências e reorganizações possíveis à
constituição das outras faces desses poderes.
Nesse sentido, procuraremos mostrar que as práticas discursivas
ocorridas nos contextos escolares são determinantes à formação do aluno por serem
processos pertencentes à estrutura social na qual estão envolvidos. Em outras palavras, o
discurso contribui como fator decisivo à inserção social.
Portanto, é preciso que se avaliem os mecanismos subjacentes
mantenedores dos poderes hegemônicos presentes nos diferentes espaços sociais. Essa é
uma tarefa a ser ponderada, pois reconhecemos que a pressão social determina ou
transforma os condicionantes ideológicos entre os participantes do discurso. É nesse
âmbito que o docente pode considerar a apropriação dos mecanismos do discurso como
prática social capaz construir as representações sociais, as identidades e os sistemas de
crença e conhecimento. Esse discurso pode ser responsável pela manutenção das
estruturas sociais, mas pode também ser contestador, crítico e romper com os processos
ideológicos proeminentes ao discurso como prática social.
Por isso, consideramos que os pressupostos apresentados ao longo deste
trabalho apresentam um arcabouço necessário para o processo de produção e
interpretação das produções textuais.
Nessa perspectiva, a teoria desenvolvida por Fairclough (2001) é decisiva
19 a fim de escrutiná-las para as mudanças desejadas. A análise desse autor parte de
estudos que contemplam o pensamento social e político necessários para o
desenvolvimento de uma teoria social da linguagem de forma mais adequada. A
ideologia é razão precípua para o entendimento do discurso na constituição, reprodução,
contestação e reestruturação das identidades sociais.
O autor aborda como bases teóricas três importantes asserções sobre
ideologia.
Primeiro, a asserção de que ela tem existência material nas práticas sociais das instituições, que abre o caminho para investigar as práticas discursivas como formas materiais de ideologia. Segundo, a asserção de que a ideologia ‘interpela os sujeitos’, que conduz à concepção de que um dos mais significativos ‘efeitos ideológicos’ que os lingüistas ignoram (segundo Althusser, 1971:161, n.16) é a constituição dos sujeitos. Terceiro, a asserção de que os ‘aparelhos ideológicos de estado’ (instituições tais como a educação ou a mídia) são ambos locais e marcos delimitadores na luta de classe, que apontam para a luta no discurso e subjacente a ele como foco para a análise de discurso orientada ideologicamente (FAIRCLOUGH, 2001, p.116-117).
Com esse propósito, avaliamos os determinantes ideológicos do controle
interacional nas produções dos alunos pesquisados e os encaminhamentos mais críticos
que lhes possam ser oferecidos para promoverem as devidas transformações,
considerando a presença das contradições sociais no contexto escolar, pois, na
concepção do autor:
20 O poder exercido por meio da reprodução do discurso institucional ou
social não interfere somente no discurso do aluno, mas está incorporado nos discursos
de todos os envolvidos no processo educativo, porque esse poder está presente nas
relações que se desenvolvem no sistema escolar. Assim, entender as produções textuais
discentes a partir das representações que os alunos fazem da realidade, ou compreender
a possibilidade de manutenção e de mudança das estruturas de poder dos diferentes
contextos discursivos é tarefa a ser investigada.
Buscamos também na concepção de Teun Adrianus Van Dijk (2008b) a
afirmação de que os grupos ou organizações poderosas estabelecem o poder por meio de
suas reproduções discursivas a partir do controle ou do acesso ao poder de acordo com
diferentes manifestações discursivas. Esse controle deve ser analisado de forma mais
cuidadosa para que possamos identificar quem o exerce no discurso público e de que
maneira é realizado. O discurso pode exercer o poder direta e coercitivamente e sua
persuasão justifica-se por argumentos, promessas ou outros instrumentos retóricos que
aumentam a possibilidade de os receptores formarem as representações mentais
desejadas.
O poder permeia, pois, os processos discursivos, mas consideramos aqui,
como controle mais perverso, a crença deliberada em certos dogmas que leva as pessoas
a compartilharem de certas opiniões e escolhas incontestavelmente, entretanto, o poder
exerce sua manipulação no discurso implicitamente de forma naturalizada por diversos
mecanismos discursivos. Outra possibilidade a ser destacada é o silêncio como forma de
poder instituído, esse é um dado importante para averiguarmos no processo de análise.
Dijk (2008b) leva-nos a confirmação dessa pressuposição:
21 quais situações? Quem tem acesso aos vários gêneros e formas de discurso ou aos meios de sua reprodução? Quanto menos poderosa for uma pessoa menor o seu acesso às várias formas de escrita e fala. No fim das contas, os sem-poder “não têm nada para dizer”, literalmente, não têm com quem falar ou precisam ficar em silêncio quando pessoas mais poderosas falam, como no caso das crianças, dos prisioneiros, dos réus e (em algumas culturas, incluindo algumas vezes a nossa) das mulheres. No dia-a-dia, a maior parte das pessoas, na qualidade de falantes, possui um acesso ativo apenas nas conversas com membros da família, amigos ou colegas de trabalho (DIJK, 2008b, p.44).
O controle social acontece pela apropriação dos conhecimentos,
preconceitos e ideologias que vão sendo adquiridos e incorporados por meio do
discurso. Então, podemos entender que a prática docente crítica e consciente deve
ocorrer a partir de pressões por mudanças entre os participantes do processo educativo.
Acreditamos que perceber esses fatores não é tarefa fácil na rotina escolar, porque há
imposições de múltiplas demandas. O discurso docente pode suceder anonimamente e
individualizado.
Portanto, a docência só poderá contribuir às inovações quando houver a
conscientização de que a linguagem se transforma e é transformadora dos sujeitos
sociais. A linguagem é oriunda de fatores sociais complexos e a prática docente também
é estruturada e estruturante pelos fatores ideológicos. Compreender os contextos sociais
a partir dessas demandas leva-nos a considerar a linguagem na base dessas estruturas
sociais e ideológicas e o controle exercido por ela.
Problemas de pesquisa, de nosso interesse:
Em relação ao controle interacional e aos sentidos ideacionais:
1. Quais são os marcadores que podemos identificar no controle interacional dos
22
2. Quais são os elementos constitutivos nas construções de argumentos a partir das
funções interpessoais da linguagem intensificados nos processos de produção textual
dos discentes?
Quanto às relações sociais pertinentes a fatores ideológicos
determinantes no discurso:
1. Quais são as palavras que podemos reconhecer no discurso discente que
contribuem para a avaliação do ethos?
2. De que modo as relações sociais entre os utentes são representadas ou
negociadas a partir de fatores ideológicos determinantes em seu discurso?
Sobre as relações propostas aos docentes como determinantes para a
construção do discurso e o que podemos perseguir:
1. Quais intervenções e encaminhamentos mais críticos que seriam viáveis aos
docentes na construção da identidade?
2. Os poderes hegemônicos dessas relações presentes na instituição escolar,
considerados como amostra em menor escala, são uma amostra da realidade social
instituída?
Entendemos que o trabalho a ser apresentado justifica-se pela inquietação
em descobrir como ocorrem as relações e as representações sociais nas produções
discentes com a finalidade de verificarmos se poderíamos desfazer o mito de que o
aluno não sabe escrever e tampouco consegue desenvolver seus argumentos no processo
de produção.
Os discursos são múltiplos e são diversas as vozes, na imprensa, na
escola, nos órgãos centrais, nas avaliações externas das instâncias públicas os quais
afirmam que aluno não aprende satisfatoriamente. Entretanto, não procuramos buscar
23 extrapolam o limite da sala de aula e não é o objetivo deste trabalho. Mas, o que
queremos percorrer é como podemos encontrar a materialização das representações
sociais nos discursos de alunos dos anos finais da educação básica.
O caminho metodológico para o corpus:
O estudo aqui definido e analisado é o de pensarmos em uma teoria que
compreenda uma expansão no que diz respeito à produção do texto. Optamos pela teoria
de Fairclough (2001) porque o autor não dissocia o texto da prática discursiva e da
prática social. Nesse sentido, as dimensões propostas pelo autor para uma análise
textual contemplam os nossos propósitos. Partimos ao entendimento de como o aluno da
rede pública realiza as suas intenções de argumentar os assuntos discutidos na escola
para que possamos construir uma amostra do que está presente na sociedade.
Para avaliarmos os textos desses alunos, solicitamos aos diretores das
escolas pesquisadas a autorização para periodicamente conversarmos com os
professores e acompanharmos as produções propostas aos alunos, sem que os
professores realizassem qualquer intervenção quanto ao processo de correção e não
solicitamos nenhum pedido para a realização dessas produções. Acreditávamos, no
começo da pesquisa, que esse distanciamento seria indispensável para buscarmos com
mais precisão a verificação dos dados. O nosso contato com as produções incidiu por
meio de reprodução xerografada ou resultado in loco.
Durante o percurso fomos analisando essas produções, mas percebermos
que as categorias de análise para serem verificadas com diferentes textos estavam
ficando com uma amplitude que, talvez, pudesse comprometer o resultado de nossas
intenções. Assim, recorremos novamente a Fairclough (2001) para melhor entender
24 Os pesquisadores podem bem desejar codificar um corpus inteiro ou grande parte dele, em termos amplos, talvez resumindo o discurso ou codificando-o em tópicos. Ou podem decompor o corpus em classes particulares de traços – certos tipos de questões ou formulações [...]. Contudo, a concepção de discurso que apresentei e a visão de análise que resumi anteriormente são especialmente relevantes para a análise detalhada de um pequeno número de amostras de discurso (FAIRCLOUGH, 2001, p. 281).
Quando descobrimos que precisaríamos delimitar este estudo, optamos
por investigar os artigos de opinião e rejeitamos as outras produções apresentadas pelos
docentes. Selecionamos, então, os textos de quatro alunas, sem buscarmos parâmetros
de escolha, para que não sofrêssemos influência de qualquer ordem, já que queríamos
descobrir como se desenvolveram as relações e representações das realidades por parte
dessas discentes. Reafirmamos que o distanciamento foi necessário para a concretização
da pesquisa e para podermos “desvendar” as implicações na análise textual. Partimos à
construção do sentido que buscávamos, quais elementos estavam presentes na prática
discursiva, em particular os ‘traços’ dos processos de produção textual, para encontrar
outras pistas de interpretação adequadas numa prática social mais ampla.
Escolhemos as categorias de análise estipuladas no modelo de análise
tridimensional de Fairclough (2001) para que pudéssemos conhecer o que não estava
“contido” nos discursos das alunas e, consequentemente, no ambiente escolar.
Partimos do pressuposto de que, se as práticas discursivas não foram realizadas no
contexto escolar, com base no entendimento das análises das práticas sociais, aquelas
inviabilizaram o processo de rompimento das ideologias e das relações de poder no
contexto social que deveria extrapolar os limites da sala de aula.
Buscar a descoberta de como são construídas as representações no
processo interativo por meio das produções escolares e quais os determinantes sociais
25 percebêssemos que o silêncio pode não ter rompido os implícitos culturais presentes nos
diferentes discursos.
Em se tratando dos exemplos das produções que serão discutidas aqui,
selecionamos como propriedades analíticas do texto, a função interpessoal da linguagem
e os significados ideacionais do texto presentes nos discursos das adolescentes. O que
será de nosso interesse, na função ideacional, é encontrarmos nos textos as pistas para
investigarmos como o controle interacional e os conhecimentos e crenças serão
reconhecidos nas configurações das relações sociais à prática social.
É com essa premissa e com esse intento que o presente trabalho é
proposto e apresenta-se com a organização que segue.
No Capítulo I, abordamos conceitos provenientes da teoria tridimensional
de Fairclough (2001), como exposto anteriormente, para entendermos os processos de
construção dos discursos como prática social e constitutivos de relações de poder
exercidas por fatores ideológicos.
Compartilhamos com a concepção do autor estudado, de que é possível
ocorrer mudanças, e acreditamos também que essas mudanças podem ser estabelecidas
no contexto escolar por meio de discursos. Essa concepção torna-se importante porque,
seguindo as concepções do autor, acreditamos que o discurso extrapola a sua própria
conceituação ao ser entendido não apenas como representação do mundo, mas também
como uma possibilidade de mudança, pois ele, sobretudo, significação do mundo.
Vinculamos, ainda, nesse capítulo, outros autores que tratam da análise da teoria crítica
do discurso, dentre eles: Pedro (1997), Kress (1996), Pêcheux (1983), que acenam com
a mesma concepção de discurso como prática social.
No Capítulo II, consideramos as bases para o nosso modelo de análise
26 da linguagem que são a “identitária” e a “relacional”, e as dimensões de sentido que são
interrelacionadas e interagem em todo o discurso, denominadas pelo autor como
funções da linguagem “ideacional”.
Optamos por construir e apresentar juntamente com a teoria apresentada
pelo autor, figuras e tabelas, no intuito de visualizar as categorias, objetos de análise,
constituindo dessa forma o seguinte:
• Funções interpessoais da linguagem (formas como as relações sociais são
estabelecidas no discurso), distribuídas em relacional e identitária com suas categorias
pertencentes ao controle interacional, à modalidade, à polidez e ao ethos.
• Aspectos dos sentidos ideacionais (construção da realidade social pertinente à
significação e à referência), relacionadas à coesão (conectivos e argumentação),
transitividade e tema, significação de palavras, criação de palavras e às metáforas.
Partimos da concepção de que os professores compreenderem a
importância de identificar esses fatores é fundamental ao processo de construção e
interpretação das produções discentes, no sentido de mudanças.
No capítulo III, realizamos as análises das propriedades constituídas no
nosso modelo, ou seja, o corpus da pesquisa. Estabelecemos as categorias pertencentes
à análise textual nas produções textuais das alunas relacionadas à função interpessoal da
linguagem e aos significados interpessoais descritos anteriormente.
Reunimos as categorias cotejadas também por meio de tabelas, as quais
serão apresentadas paralelamente à análise dos textos das alunas. Por fim, o diagnóstico
sobre essas análises será apresentado por meio de alguns gráficos, dedicados à
compreensão das questões propostas no trabalho.
Reforçamos que procuramos neste trabalho buscar determinadas
27 representações das alunas no processo de construção de textos. Certamente, muitas
questões que abarcam o tema e indicadores no processo de análise das produções
textuais não foram discutidos ou percebidos neste processo de análise. Temos a
convicção que as questões suscitadas aqui não esgotam o tema e tampouco consagram o
término do trabalho de análise.
Assim, entendemos que nosso trabalho é um começo para o debate que
28
CAPÍTULO I
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: FAIRCLOUGH
Neste capítulo, abordaremos alguns conceitos provenientes da teoria
tridimensional de Fairclough (2001) para entendermos os processos de construção dos
discursos com base na diversidade das relações sociais de poder exercidas por fatores
ideológicos que contribuem para a reprodução ou mudança social e cultural, e
apresentar os efeitos constitutivos da utilização da linguagem como forma de prática
social para a transformação social.
Fairclough (2001), ao usar o termo discurso, considera a linguagem uma
forma de prática social e não uma atividade unicamente individual ou articulada por
reflexo de variáveis situacionais4. As implicações dessa abordagem decorrem,
primeiramente, no sentido do discurso ser um modo de ação, uma maneira de as pessoas
agirem em relação ao mundo e procederem à face de outras.
O discurso não é só representação do mundo, mas também é significação
do mundo. Por isso, há uma ampliação significativa da importância do discurso como
constitutivo de práticas sociais e de diferentes construções de significados.
“Malinovski, para quem a linguagem era não um ‘espelho do pensamento’, mas sim um
‘modo de atividade’ como outras atividades socialmente cooperativas, pensava que as
emissões linguísticas (utterances) eram produzidas e compreendidas apenas dentro de
um contexto dado da situação” (Malinovski apud LOZANO et al 2002, p. 38). Do
mesmo modo, Halliday acredita que o ‘contexto de situação’ se obtém ‘através de uma
4 Ainda num sentido de redução da ambivalência interpretativa, o contexto também é um fator importante,
29 relação sistemática entre o ambiente social, por um lado, e a organização funcional da
linguagem do outro”’ (HALLIDAY, 1985, p. 11).
A outra implicação de Fairclough (2001) a ser considerada é a relação
existente entre o discurso e a estrutura social entendida numa concepção dialética,
porque a organização discursiva da sociedade não é proveniente de um livre jogo de
idéias das pessoas, mas é oriunda de práticas sociais arraigadas nas estruturas sociais.
Uma questão importante, para o autor, é como criamos as convenções e
as normas subjacentes aos eventos discursivos. Os tipos de discursos podem também ser
relacionados de diferentes maneiras, visto que eles podem ser ‘reinvestidos’.
De acordo com sua concepção, a prática política e a ideológica são
dependentes uma da outra, já que a ideologia é decorrente das relações de poder
suscitadas pelo exercício da autoridade e da busca pelo domínio. A prática política, por
sua vez, é categorizada em nível superior, pois o discurso como ação política não é só
um instrumento de luta de poder, mas pode ser um marco delimitador na luta pelo
poder, ou seja, o discurso pode neutralizar essa luta por autoridade e domínio, no
sentido permitir ser reinvestido nessas forças. Torna-se importante, então,
reconhecermos como as convenções e as normas discursivas que não estão manifestas
acontecem nos eventos discursivos. Para o autor:
O discurso como prática política, estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos) determinados por relações de poder e o “discurso como prática ideológica constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados no mundo de posições diversas de poder” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 94).
Nessa vertente, para Fairclough (2001), as conexões entre discurso,
30 notadamente percebidas pelos interagentes, por esse motivo deixam de ser contestadas e
são facilmente naturalizadas5.
Assim, precisamos compreender o discurso do mesmo modo que
reconhecemos outras formas de prática social. De acordo com as afirmações do autor, o
que precisamos descobrir é o que torna a prática discursiva notadamente discursiva.
Nesse sentido, podemos encontrar parte dessa resposta na linguagem, pois a atividade
discursiva é manifestada pela forma linguística entendida como texto6.
Em tal caso, a prática social, como a política e a ideológica, é uma
dimensão do evento discursivo, da mesma maneira que o texto o é. Entretanto, para
Fairclough (2001), o texto e a prática discursiva não são suficientes, porque são
mediadas por uma terceira dimensão que é a prática social. Embora não sejam opostas, a
prática discursiva é uma forma particular da prática social, podendo acontecer, em
alguns casos, o inverso: a prática social totalmente constituída pela prática discursiva.
Esses eventos discursivos específicos exibem aspectos diferenciados de
acordo com cada estrutura que apresentam, dependendo do domínio social, do âmbito
institucional e dos aspectos individuais de quem os produz. Em outras palavras,
Fairclough (2001, p. 91) acredita que o discurso é “socialmente constitutivo” e cita a
importância da discussão de Foucault (1972, apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 91) a
respeito da formação discursiva de objetos, sujeitos e conceitos. Portanto, o discurso
contribui para o desenvolvimento de todas as dimensões da estrutura social que, por sua
vez, o molda e o restringe por meio de suas normas e convenções ou relações,
identidades e instituições que lhe são explícitas.
5 As ideologias construídas nas convenções podem ser mais ou menos naturais e automáticas e, dentro
dessa normalidade, as pessoas podem achar impossível que nas suas práticas normais incidam investimentos ideológicos específicos. As estruturas de dominação são legitimadas pelas ideologias, que são naturalizadas e apresentadas como parte do senso comum.
6 O autor utiliza o termo “texto” com base no sentido amplo de Halliday (1978), como linguagem falada e
31 O autor afirma que a prática discursiva constitui-se de maneira
convencional ou de maneira criativa, da mesma forma que pode também contribuir para
a transformação ou reprodução da sociedade, nas esferas das identidades sociais,
relações sociais, sistemas de conhecimento e crenças.
Por exemplo, as identidades de professores e alunos e as relações entre elas, questão no centro de um sistema de educação, dependem da consistência e da durabilidade de padrões de fala no interior e no exterior dessas relações para sua reprodução. Porém, elas estão abertas a transformações que podem originar-se parcialmente no discurso: na fala da sala de aula, do parquinho, da sala dos professores, do debate educacional, e assim por diante (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92).
Também vinculamos aqui outros postulados da Análise do Discurso
Crítica (ACD), que abaliza a nossa pesquisa. Enfocamos alguns teóricos por
partilharem dos mesmos pressupostos de Fairclough (2001) de que a linguagem é
prática social, pois esse autor desvela as relações de dominação e hegemonia produzidas
discursivamente e ultrapassa os limites epistemológicos dessas teorias. Por isso, nos
deteremos em seu modelo de análise o que nos leva a optar pela análise textual com
base em seus pressupostos teóricos.
1.1. A Análise Crítica do Discurso na visão de outros teóricos.
Iniciamos esta seção pelas considerações de Fairclough (2001) sobre a
‘Linguística Crítica’ que foi desenvolvida por um grupo da Universidade de East Anglia
na década de 1970, dentre eles Fowler et al. (1979) e Kress e Hodge (1979). Quando os
autores tentaram associar um método de análise linguística textual com uma teoria
32 ideológicos, recorreram à teoria linguística funcionalista integrada de Michael Halliday
(1978, 1985) denominada ‘linguística sistêmica’.
Para a análise textual, de acordo Fairclough (2001), os linguistas críticos
utilizam-se dos trabalhos da ‘gramática sistêmica’ de Halliday, mas consideraram
também conceitos de outras teorias, como ‘ato de fala’ e ‘transformação’. Fairclough
(2001) afirma ainda que há uma tendência de se enfatizar o texto como produto e
subestimar os processos de produção e interpretação de textos. Entretanto, os textos
podem estar destinados a diferentes interpretações, “dependendo do contexto e do(a)
intérprete, o que significa que os sentidos sociais do discurso (bem como ideologias)
não podem ser simplesmente extraídos do texto sem considerar padrões e variações na
distribuição, no consumo e na interpretação social do texto” (FAIRCLOUGH, 2001, p.
49-50).
Pedro (1997) compartilha do pensamento de Fairclough (1989, 1992),
Kress (1996), Pedro (1996ª e b) pertinente à análise crítica do discurso, que trata de
abordagens de discurso em que o contexto é uma dimensão primordial. Conforme esses
autores, o discurso conceitualiza um sujeito não somente como agente processual com
relativos graus de autonomia, mas como sujeito construído por e construindo os
processos discursivos a partir da sua natureza de ator ideológico. A autora se reporta a
Fowler e a outros (1971) que defendem a variação em tipos de discursos por ser
indissociáveis de fatores econômicos e sociais e, nesse sentido, as variações refletem e
expressam ativamente o que é fundamental, ou seja, as diferenças sociais estruturadas
que estão nas origens do discurso.
Outra concepção que se apresenta é de Pêcheux (1983), na qual os
conceitos de ideologia e poder são abordados em termos semânticos. A sua contribuição
33 ideologia. O termo discurso é usado para mostrar os efeitos ideológicos no
funcionamento da linguagem e a materialidade linguística que está presente na
ideologia. Desse modo, cada posição passa a incorporar uma formação discursiva. As
palavras são compreendidas, em termos semânticos, nas mudanças de seus sentidos, de
acordo com a posição social de seus usuários. A língua se traduz pelo fato de que todo
processo discursivo se inscreve numa relação ideológica de classes (PÊCHEUX, 1983,
p. 92).
A contribuição trazida por Pêcheux (1983) é no sentido de partir do
‘corte saussuriano’ que confirma a ideia de a língua ser um sistema; entretanto, o autor
entende que a constituição do discurso é desembaraçada de suas implicações subjetivas.
Decorre daí que a oposição concreto/abstrato não poderia se superpor à oposição discurso/língua: a discursividade não é a fala (parole), isto é, uma maneira individual “concreta” de habitar a “abstração” da língua; não se trata de um uso, de uma utilização ou da realização de uma função. Muito pelo contrário, a expressão processo discursivo visa explicitamente a recolocar em seu lugar (idealista) a noção de fala (parole) juntamente com o antropologismo psicologista que ela veicula; a fórmula pela qual E. Balibar7 resume a tese de Stalin sobre a relação língua/luta de classes é, portanto, justa, desde que se compreenda bem que os termos “indiferença”, “não-indiferença” e “utilização” remetem a práticas de classe, e não às condutas subjetivas que eles evocam espontaneamente: [...] (PÊCHEUX, 1983, p. 91-92).
Pêcheux (1983) considera a referência das condições de produção do
discurso como condição primordial desse discurso, determinado extrinsecamente e
constituído no tecido histórico-social que o incorpora. Quando o autor transporta o
pensamento saussuriano para além dos níveis fonológico, morfológico e sintático, estes
são dotados de uma autonomia relativa, por isso incorporam a semântica nesse
processo, pois esta será o elo das significações, e deve ser entendida por meio das
condições sócio-históricas determinantes à constituição significativa do texto.
7 O autor se refere à obra de E. Balibar, “Marxismo et Linguistique, Cahiers marxistes-leninistes, 1996, nº
34 Ao opor base lingüística e processo discursivo, inicialmente estamos pretendendo destacar que, como foi apontado recentemente por P. Henry8,
todo sistema lingüístico, enquanto estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas, é dotado de uma autonomia relativa que o submete a leis internas, as quais constituem, precisamente, o objeto da Lingüística.
É, pois, sobre a base dessas leis internas que se desenvolvem os processos discursivos, e não enquanto expressão de um de um puro pensamento, de uma pura atividade cognitiva, etc., que utilizaria “acidentalmente” os sistemas lingüísticos (PÊCHEUX, 1983, p. 91).
Nesse âmbito, Fairclough (2001) afirma que na teoria materialista do
discurso de Pêcheux (1983), a questão do ‘pré-construído’ fincou a base para o
‘interdiscurso’, o qual será retomado mais adiante.
Nessa perspectiva, a “ilusão” de que fala Frege9 não é o puro e simples efeito
de um fenômeno sintático que constitui uma “imperfeição da linguagem”: o fenômeno sintático da relativa determinativa é, ao contrário, a condição de um efeito de sentido cuja causa material se assenta, de fato, na relação dissimétrica por discrepância entre dois “domínios de pensamento”, de modo que um elemento de um domínio irrompe num elemento do outro sob a forma do que chamamos “pré-construído”, isto é, como se esse elemento já se encontrasse aí. Especifiquemos que, ao falar de “domínios de pensamento”, não estamos querendo designar conteúdos de pensamento fora da linguagem, que se encontrariam na linguagem com outros conteúdos de pensamento: na verdade todo “conteúdo de pensamento” existe na linguagem, sob a forma deo discursivo (PÊCHEUX, 1983, p. 99).
Michel Pêcheux (1982, apud FAIRCLOUGH, 2001) analisa os conceitos
de ideologia e poder presentes no âmbito semântico, o que nos faz crer que a análise do
desenvolvimento da linguagem como forma material de ideologia é de fundamental
contribuição. Nesse âmbito, as palavras são compreendidas, em termos semânticos, no
8 Essa nota é identificada como número 4 em sua obra e se refere a “Le Mauvais Outil. Langue, Sujet et
Discours”, Paris, Klincksieck, 1977. Esse texto retoma parcialmente, numa perspectiva aprofundada e retificada, o texto mimeografado. (PÊCHEUX, 1983, p. 135).
9 De acordo com a afirmação do autor, este considera que Frege não dispõe de nenhuma intenção de
35 contexto ideológico das práticas histórico-sociais e nas variações de sentido que são
assumidas de acordo com as posições adquiridas pelos seus usuários.
Ainda na esfera da teoria social do discurso, cabe uma alusão a Foucault
(1982, apud FAIRCLOUGH, 2001), cuja contribuição é inestimável quando, estabelece
a relação entre conhecimento e poder, a construção discursiva de sujeitos sociais e o
conhecimento e funcionamento do discurso na transformação social. Nessa concepção
de poder, o discurso e a linguagem podem ser de fundamental importância nos
processos sociais modernos, porque, quando analisamos as instituições e as
organizações a partir do poder nelas vigente, podemos entender melhor suas práticas
discursivas. Nesse sentido, Fairclough (2001) se reporta a teoria de Foucault (1972),
sobre seus estudos arqueológicos contribuindo com duas principais teorias sobre o
discurso que necessitam ser incorporadas à análise de discurso textualmente orientada
(doravante ADTO). A ADTO tem como objeto para investigação qualquer tipo de
discurso como uma conversação, discurso de sala de aula, discurso de mídia, dentre
outros.
A primeira visão constitutiva do discurso envolve uma noção de discurso como ativamente constituindo ou construindo a sociedade em várias dimensões: o discurso constitui os objetos de conhecimento, os sujeitos e as formas sociais do “eu”, as relações sociais e as estruturas conceituais. A segunda é uma ênfase na interdependência das práticas discursivas de uma sociedade ou instituição: os textos sempre recorrem a outros textos contemporâneos ou historicamente anteriores e os transformam (uma propriedade comumente referida como intertextualidade de textos [...] (FAIRCLOUGH, 2001, p. 64).
Assim, na concepção foucaultiana, o discurso constitutivo contribui para
a produção, a transformação e a reprodução dos objetos do discurso.
A ênfase nas relações interdiscursivas é, então, importante implicação
para a análise do discurso, pois o cerne da investigação dessa análise é a estruturação ou
36 concepção de configurações modificáveis de conceitos dentro de uma formação
discursiva, na qual se originam diferentes tipos de relações nos textos e entre eles, essa
tese será útil para o desenvolvimento de perspectivas intertextuais e interdiscursivas na
ADTO, já que defende a premissa de não existir enunciado que não realize outros
enunciados.
A Análise Crítica do Discurso (ACD) considera os seres humanos a partir
da sua socialização, num processo de julgamento das suas subjetividades e do uso
linguístico particular, ou seja, a expressão de uma produção realizada em contextos
sociais e culturais diversos pode se tornar um meio de perpetuar as formas ideológicas
de desigualdades sociais.
Entendemos, assim, que as diferentes concepções pertinentes ao uso da
linguagem nos ajudam a compreender o estabelecimento e a manutenção das estruturas
de poder subjacentes que demandam de ações ocorridas nos contextos sociais
institucionalizados, bem como o fazem as lutas ideológicas travadas socialmente. A
linguagem é um meio de manutenção dessas estruturas hegemônicas instituídas por
condicionantes instalados nos tecidos sociais. Nesse sentido, precisamos avaliar os
implícitos decorrentes da ordem do discurso nessas ações sociais institucionalizadas,
que, no nosso caso de estudo, é a instituição escolar.
As contribuições de Pêcheux (1983), Foucault (1972), Pedro (1997) e
Fairclough (2001), os quais abordam teorias concernentes à análise de discurso, são
fundamentais por contemplar uma dimensão crítica de análise do discurso. A
importância do estudo desses autores, sobre as convergências ou divergências que
possam surgir no ato comunicativo, nos leva à compreensão de que o discurso ocorre
por meio do uso da língua num constituinte ideológico e sociológico. Isso nos incita à
37 como um conjunto de práticas histórico-sociais, dentro de um contexto de forças
travadas por lutas ideológicas presentes no interior dessa construção discursiva.
1.2. Por uma teoria tridimensional do discurso.
Retomamos, nesta seção, a teoria de Fairclough (2001) que propõe um
método que contemple a análise da dimensão do discurso como texto, prática discursiva
e prática social — tríade que se apresenta como um único processo no funcionamento
do discurso. Em outras palavras, as perspectivas definidas no processo de análise
tridimensional reúnem a análise linguística e a teoria social do discurso e apresenta o
texto com o sentido de interação nele presente.
38 O grande avanço do estudo desse autor está em afirmar que as mudanças
podem ocorrer nas estruturas sociais a partir de interações nas práticas discursivas,
propiciando diferentes reorganizações dessas estruturas, o que, de certa forma, não foi
contemplado por outros autores dessa corrente linguística crítica.
A dimensão do ‘texto’ cuida da análise lingüística de textos. A dimensão da ‘prática discursiva’, como interação, na concepção de textos e interação de discursivo, especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual – por exemplo, que tipos de discurso (incluindo ‘discursos’ no sentido mais socioteórico) são derivados e como se combinam. A dimensão de prática social cuida de questões de interesse na análise social, tais como as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e os efeitos constitutivos/construtivos referidos anteriormente (FAIRCLOUGH, 2001, p. 23).
O autor estabelece, então, três tradições analíticas na concepção
tridimensional imprescindíveis à análise do discurso. A tradição de análise textual e
linguística; a tradição interpretativa ou microssociológica, que considera a prática social
como algo em que as pessoas produzem de maneira ativa e se entendem por meio de
procedimentos de senso comum partilhados; e a tradição macrossociológica de análise
da prática social correspondente às estruturas sociais.
Desse modo, de acordo com a Figura 1, devemos entender que o texto
está contido na prática discursiva da mesma forma que essa prática discursiva está
contida na prática social.
Assim, a interconexão entre a prática sociocultural e o texto é mediada
pela prática discursiva, e a forma como esse texto é produzido ou interpretado
dependerá de práticas e convenções discursivas mediadas e articuladas por uma ordem
maior, pois não podem ser dissociadas da natureza da prática social que o próprio
39 Segundo o autor, não podemos considerar os aspectos de um texto sem o
próprio texto, sem que haja referência à produção e/ou à interpretação textual. Nesse
sentido, o autor afirma que:
Por causa dessa sobreposição, a divisão dos tópicos analíticos entre análise textual e análise da prática discursiva (e também entre as atividades analíticas de descrição e interpretação) não é nítida10. “Onde os aspectos formais dos textos são mais destacados, os tópicos são aí incluídos; onde os processos produtivos e interpretativos são mais destacados, os tópicos são incluídos na análise da prática discursiva, mesmo que envolvam aspectos formais dos textos [...] (FAIRCLOUGH, 2001, p. 102).
Considerando a colocação de Fairclough, inferimos que qualquer tipo de
característica encontrada no texto é uma pista para a análise de discurso. É isso que
causa grande dificuldade porque a análise linguística acaba sendo muito complexa e
apresenta muitos tipos e técnicas de análise.
Por isso, segundo a proposta do autor, é necessário que se encerre um
quadro de análise amplo, visto que seu campo é muito técnico e complexo e qualquer
aspecto textual é significativo para a análise de discurso. É nesse alcance que o autor,
em seu quadro de análise textual, faz suas abordagens considerando as formas
linguísticas e também os sentidos.
1.2.1 A análise do texto
Na concepção de Fairclough (2001), a análise de discurso é uma
atividade multidisciplinar, entretanto ele oferece referências para aqueles que desejam
seguir linhas particulares de análise. Por isso, algumas categorias no quadro de análise
10 Análise denominada de “descrição”. É a dimensão que cuida da análise textual. “As partes que tratam
40 textual trazem suas orientações aparentemente para as formas linguísticas, enquanto
outras são orientadas para os sentidos. Entretanto, o autor afirma que essa divisão é
ilusória.
Outra questão discutida pelo autor em relação à significação é entre o
significado potencial de um texto e sua interpretação. Esse significado potencial é
normalmente heterogêneo, porque há uma complexidade de significados diversos, que
são sobrepostos e algumas vezes contraditórios, por isso os textos são, de maneira geral,
altamente ambivalentes e abertos a múltiplas interpretações. Em sua opinião, os
intérpretes reduzem essa ambivalência potencial quando optam por um sentido
particular, ou por pequeno conjunto de sentidos alternativos.
Fairclough (2001) estende sua orientação ao determinar que a análise
textual organiza-se em quatro tópicos: ‘vocabulário’, ‘gramática’, ‘coesão’ e ‘estrutura
textual’. De acordo com o autor, podemos conceber esses componentes em uma escala
ascendente, ou seja, de itens menores aos maiores.
O vocabulário diz respeito às palavras individuais, a gramática trata da
organização das palavras em orações e frases, a coesão aborda a ligação entre orações e
frases e a estrutura textual trata das propriedades que organizam os textos numa escala
mais ampla.
O autor destaca, ainda, outros componentes essenciais que deixam de ser
utilizados na análise textual e são considerados na prática discursiva, mesmo que esses
itens contemplem aspectos formais presentes nos textos denominados como ‘forças’11
dos enunciados. O autor afirma que as correlações de unidades menores à organização
das unidades maiores podem ser realizadas de formas diferentes, pois:
11 Forças - são os tipos em frases e como as frases estão relacionadas para formarem unidades maiores
41 Obtém-se a ligação de várias maneiras: mediante o uso de vocabulário de um campo semântico comum, a repetição de palavras, o uso de sinônimos próximos, e assim por diante; mediante uma variedade de mecanismos de referência e substituição (pronomes, artigos definidos, demonstrativos, elipse de palavras repetidas, e assim por diante); mediante o uso de conjunções, tais como ‘portanto’, ‘entretanto’, e ‘mas’ (FAIRCLOUGH, 2001, p. 106).
Fairclough (2001) afirma que observar a coesão está próximo ao que
Foucault (1972) se refere como “vários esquemas retóricos, segundo a combinação dos
grupos de enunciados”. Esses esquemas e suas características particulares, como no
caso das estruturas argumentativas dos textos, variam de acordo com os tipos de
discurso, e é importante investigar essas variações como evidências de maneiras
distintas de racionalidade à medida que as práticas discursivas sejam modificadas.
A estrutura textual está relacionada também à ‘arquitetura’ dos textos,
especificamente às características superiores de planejamento de diversos tipos de texto,
como as maneiras e as ordens em que os elementos ou os episódios se combinam para a
elaboração desses textos. Para o autor: “Tais convenções de estruturação podem ampliar
a percepção dos sistemas de conhecimentos e crenças e dos pressupostos sobre as
relações sociais e as identidades sociais que estão embutidos nas convenções dos tipos
de texto” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 106).
Essa primeira dimensão constitui a tradição de análise textual e análise
linguística. Entretanto, como levantamos anteriormente, a análise textual deve ser feita
42
Figura 2: Componentes de análise da teoria tridimensional — Análise do texto.
Quando tratamos, portanto, da análise textual, é importante que nos
concentremos nos quatro componentes apresentados por Fairclough (2001) para uma
completa compreensão da composição. Em outras palavras, devemos observar
atentamente as palavras utilizadas na produção textual, seus significados
contextualizados, a organização desses vocábulos do texto, como se dá a montagem das
orações e frases, a organização destas e a estrutura como um todo, para entendermos os
aspectos intrínsecos à composição textual.
43 A prática discursiva diz respeito aos processos de produção, distribuição
e consumo, e a variedade na natureza desses processos acontece de acordo com os
diferentes tipos de discursos relacionados a fatores sociais. Para o autor, os textos são
produzidos com perspectivas particulares em contextos sociais específicos, da mesma
forma que os textos são interpretados de modos diferentes e surgem em contextos
sociais diversos. Por isso, a preocupação de Fairclough (2001) com o texto não está
focada apenas na organização estrutural, mas, ainda, na sua face organizacional,
considerando-se a produção, a decodificação e o discurso como prática social.
Na concepção do autor, a produção e a apreensão do texto são de ordem
parcialmente sociocognitiva, por envolver os processos cognitivos de produção e de
interpretação textual fundamentados nas estruturas e nas convenções sociais
interiorizadas. Nesses processos sociocognitivos, devemos observar a especificação dos
elementos das ordens do discurso, tanto quanto outros recursos sociais designados
‘recursos dos membros’, que são as bases para a produção e a interpretação dos sentidos
e a maneira que ocorrem. Segundo o teórico:
A preocupação central é estabelecer conexões explanatórias entre os modos de organização e interpretação textual (normativos, inovativos, etc.), como os textos são produzidos, distribuídos e consumidos em um sentido mais amplo, e a natureza social em termos de sua relação com as estruturas e as lutas sociais (FAIRCLOUGH, 2001, p. 99-100).
A apreensão de textos acontece variavelmente de acordo com os diferentes
contextos sociais, e parte dessa diferença deve ser considerada uma tarefa pertinente ao
tipo de trabalho interpretativo. O autor cita, por exemplo, que normalmente não se leem
receitas como se fossem textos estéticos ou artigos acadêmicos, da mesma maneira que
44 Tanto a decodificação quanto a produção podem ser individuais ou
coletivas como as cartas de amor e os registros administrativos, respectivamente.
Diversos textos (entrevista oficiais, grandes poemas) têm seus registros, são transcritos,
preservados e relidos, entretanto outros textos como conversas informais não são
registrados, surgem como transitórios e acabam sendo esquecidos. Outros textos são
modificados em textos diferentes, as paráfrases como exemplo. Assim, os resultados
apresentados pelos textos são variados. Estes textos podem apresentar natureza
extradiscursiva e também discursiva. Na concepção de Fairclough (2001, p. 108):
"Alguns textos conduzem a guerras ou à destruição de armas nucleares; outros levam as
pessoas a perderem o emprego ou a obtê-lo; outros ainda modificam as atitudes, as
crenças ou as práticas das pessoas”.
Assim sendo, podemos advogar que diferentes textos podem conduzir a
muitas ações e a resultados inesperados.
Alguns textos têm distribuição simples – uma conversa casual pertence apenas ao contexto imediato de situação em que ocorre _, enquanto outros têm distribuição complexa. Textos produzidos por líderes políticos ou textos relativos à negociação internacional de armas são distribuídos em uma variedade de diferentes domínios institucionais, cada um dos quais possui padrões próprios de consumo e rotinas próprias para a reprodução e transformação de textos (FAIRCLOUGH, 2001, p. 108).
A existência das dimensões “sociocognitivas” específicas de produção e
interpretação textual estão no centro da inter-relação entre os recursos dos membros
constantes conforme interiorizações que são trazidas pelos participantes do discurso
para o processamento textual e para o próprio texto. “Este é considerado como um
conjunto de ‘traços’ do processo de produção, ou um conjunto ‘pistas’ para o processo
de interpretação (...)” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 108). Esses elementos intrínsecos
prescrevê-45 los, muitas vezes, como fonte de eficácia ideológica, ainda que certos aspectos possam
ser mais conscientes do que outros.
O autor afirma que os processos de produção e de interpretação são
restringidos socialmente, em duplo sentido. Primeiro, pelos recursos disponibilizados
pelos membros por meio de estruturas sociais interiorizadas, normas e convenções, bem
como pelas ordens de discurso e convenções estabelecidas para a produção, distribuição
e consumo de textos. Segundo, pela natureza específica da prática social na qual estão
inseridos esses processos e que determina os elementos dos recursos dos membros a que
estes recorrem e da maneira como recorrem. Explorar, portanto, essas restrições é um
fator importante para o quadro tridimensional na análise do discurso, especialmente no
estabelecimento das conexões de análise entre a natureza dos processos discursivos em
instâncias particulares e a natureza das práticas sociais de que fazem parte.
Também consideramos necessário tratar mais duas dimensões de análise
sobre os aspectos sociocognitivos da produção e da interpretação que são a ‘força’ e a
‘coerência’. Em sua concepção, a interpretação deve ser caracterizada como processo de
níveis múltiplos e de acordo com um processo ‘ascendente – descendente’, o qual é
considerado, de forma mais específica, em níveis superior e inferior, respectivamente.
O nível superior refere-se aos significados das frases, dos textos completos e de
partes ou ‘episódios’ de um texto que possam ser interpretados como excertos
compostos de frases coerentemente conectadas. Os significados dessas unidades
‘superiores’ são formados também em parte dos significados das unidades ‘inferiores’,
que são sequências de sons ou marcas gráficas do texto escrito, consideradas no
processo de interpretação ascendente.
Porém, as predições sobre os significados das unidades de nível superior