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Capítulo IV – REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DE LIDERANÇA NUMA ESCOLA SECUNDÁRIA

DISPOSITIVO METODOLÓGICO

3. As técnicas de recolha e tratamento da informação

3.3. A análise documental

Foi com alguma facilidade que operacionalizamos esta técnica, para o que muito contribuiu ‘sermos de dentro’, pois sabemos onde se encontram, disponíveis para toda a comunidade, um grande número dos documentos de que precisávamos para a concretização da nossa investigação empírica. Relativamente a outros, aparentemente menos acessíveis, também não se nos colocou dificuldade de qualquer ordem, nem exterior, do lado da escola, nem interior, pois sabíamos o que pretendíamos, não procurávamos sem rumo, mesmo quando o que estava em causa era a legislação de suporte mais recente.

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A análise documental revelou-se de extrema utilidade, pois permitiu-nos, relativamente aos documentos internos debruçar, de forma mais atenta e reflexiva, sobre os documentos que definem a política educativa da própria escola; fazer uma apropriação mais substantiva, porque com uma finalidade específica, da visão traçada para esta escola através, nomeadamente, da consulta do Projeto de Intervenção, apresentado pelo diretor aquando da sua candidatura, e que o Conselho Geral subscreveu quando o elegeu para o cargo, bem como sedimentar a ideia de que estamos perante uma escola inclusiva, pela observação de documentos que deixam perceber a aposta na diversificação da sua oferta formativa; interpretar a dinâmica cultural da escola e dos seus atores, pela consulta dos seus Planos Anual e Plurianual de Atividades, encontrando entre as atividades constantes nestes documentos as que marcam a identidade e singularidade da escola, sob o ponto de vista cultural mas também estratégico; compreender à luz do Regulamento Interno, e de outros documentos, se a valorização da participação dos diversos atores aparece de forma explícita; registar os pontos fortes e fracos da escola, identificados pelo seu líder bem como a perspectivação que faz do futuro, pela análise do Relatório de Atividades apresentado no final do ano letivo ao Conselho Geral, enquanto documento de prestação de contas do diretor; por outro lado, a consulta de documentos externos, persegue, entre outras, uma finalidade, essencialmente, comparativa, tratando-se de perceber como são operacionalizadas a nível interno os normativos externos, no que concerne, em particular, à liderança do diretor, ao decretado reforço, às nomeações para o desempenho dos cargos; a consulta dos Relatórios da IGE, em particular o da avaliação externa da escola, serve também uma abordagem comparativa, centrando-nos em particular no item relativo à avaliação da liderança.

Percebe-se, assim, a importância da análise documental numa investigação qualitativa, Merriam (1988), sendo uma fonte de recolha de informação muito relevante a nível do estudo de caso, que a autora sublinha ao escrever que a documentação existente “pode ajudar o investigador a descobrir significados, a desenvolver compreensão, e a descobrir ideias relevantes para o problema a investigar” (1988: 118). Tendo presente a afirmação de Bogdan & Biklen, de que “as escolas e outras organizações burocráticas têm a reputação de produzir uma profusão de comunicações escritas e ficheiros” (1994: 189), foi facilmente entendível a utilidade dos documentos, que podem ser classificados de oficiais, tanto internos como externos, pelo que, para o

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nosso estudo serão tidos como referenciais de consulta e recolha de informação os seguintes:

- PEE;

- Plano Anual e Plurianual de Actividades; - Projeto de Intervenção do Diretor;

- RI;

- Relatório Anual/Final de Actividades; - Atas de CP e de CG;

- Materiais de divulgação da oferta formativa; - Relatório de Avaliação Externa da IGE; - Decreto-Lei n.º 75/2008;

- Decreto-Lei n.º 115-A/98; - Decreto-Lei n.º 172/91; - Decreto-Lei n.º 769-A/76.

Perante um tão vasto leque de documentos era essencial destacar o essencial do supérfluo, não nos dispersarmos concentrando a nossa análise, sobretudo, nos aspetos relacionados com o nosso problema de investigação. Foi imprescindível a realização duma viagem hermenêutica, assumindo-nos como intérprete das discursividades, nalgumas das quais tínhamos, no entanto, participado, mas a realização do trabalho fazia com que muitas coisas parecessem novas, como se as víssemos pela primeira vez, pois a lente que agora utilizávamos não era a de professor produtor, mas a de pesquisador intérprete, que busca e constrói significados. É que, como escreve Gadamer, “o texto traz um tema à fala, mas quem o consegue é, em última análise, o desempenho do intérprete” (1998: 565). No entanto, a compreensão de um documento não pode resultar no pretensiosismo do leitor de tudo ter compreendido, e de que a sua leitura vale para sempre e para todos, deve antes pensar que

embora se tenha de compreendê-lo em cada caso de uma maneira diferente, continua sendo o mesmo texto que, cada vez, se nos apresenta de modo diferente. (...) Assim, a compreensão não se satisfaz no virtuosismo técnico de um ‘compreender’ tudo o que está escrito (Gadamer, 1998: 579-706).

3.4. A entrevista

A entrevista é uma estratégia muito útil, fundamental para a recolha de dados, sobretudo em investigações de natureza qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994), daí muito

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utilizada. Esta requer do investigador a mobilização de competências de vária ordem, na medida em que ele tem que dominar o problema em estudo, tem que ter conhecimento do contexto, resultante, de preferência, não só das informações teóricas recolhidas pela análise documental mas também da vivência desse mesmo contexto, o que lhe permitirá definir o que quer perguntar e a quem quer perguntar, tendo que ter também cuidado sobre o como perguntar. A revisão da literatura permite-nos afirmar que o investigador deve ter claro que tipo de informação é desejado bem como que questões são as mais apropriadas para a obtenção dessa informação. Portanto, para lá das competências cognitivas, do conhecimento da problemática a investigar na perspetiva global e particular, o investigador deverá também possuir competências linguísticas que lhe permitam formular as perguntas mais certas para a obtenção dos resultados desejados, bem como competências comunicacionais e relacionais, permitindo as primeiras, sempre que necessário, desmontar as perguntas escritas, com vista à sua simplificação, pois o discurso oral e numa relação de frente a frente tem maior flexibilidade que o escrito, permitindo a adaptação da pergunta ao entrevistado e a sua melhor orientação no sentido pretendido pelo investigador. Considera Afonso (2005) que a entrevista consiste numa interacção verbal entre o entrevistador e o respondente, situação de face a face, constituindo uma das técnicas de recolha de dados mais frequentes. Outros autores como, Bogdan & Biklen definem a entrevista como uma “ (…) conversa intencional, geralmente entre duas pessoas” e “ (…) com o objectivo de obter informações sobre a outra” (1994: 134). Por sua vez, as competências relacionais podem ser a chave do sucesso da entrevista, pois se não houver empatia, confiança, se não for criado pelo entrevistado um clima de à vontade e de liberdade, se o entrevistador se apresentar num patamar de superioridade, aquilo que obterá do entrevistado será de pouca relevância para o estudo. Uma eventual arrogância intelectual do entrevistador é, na nossa opinião, a melhor via para levar o entrevistado ao silêncio, não no sentido da não resposta, mas no sentido da não verdade, da resposta rápida e desinteressada. De facto, não podemos pretender que o outro se preocupe connosco se nós lhe damos a entender que não o temos em boa conta, que somos melhores do que ele. Daí que a humildade intelectual, combinada com valores ético-morais de reconhecimento do valor do outro, por isso o escolhemos, de respeito por si como pessoa e como profissional, seja essencial para que o outro fale, porque percebe que a sua opinião vale; então a sua disposição para dizer a verdade será maior, ainda que seja a sua verdade, a sua interpretação dos factos e das pessoas, traduzindo, algumas vezes, um misto de realidade com fantasia.

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Se o que interessa ao investigador é estudar o assunto em profundidade, ouvir os atores, levá-los a reflectir sobre o problema, que muitas vezes, ainda que estando latente, não foi objeto de auto-análise, fazer com que ponham a descoberto e partilhem as suas interpretações, então uma boa técnica ao serviço deste intento é a entrevista, pois segundo Quivy & Campenhoudt permite conhecer o

(…) sentido que os actores dão às suas práticas e aos acontecimentos com os quais se vêem confrontados: os seus sistemas de valores, as suas referências normativas, as suas interpretações de situações conflituosas ou não, as leituras que fazem das próprias experiências, etc (1998: 194).

Os autores consultados são de opinião que a entrevista pode assumir vários formas, na linha do que Patton (1985, 1990) refere existirem três tipos de entrevista: informal, estruturada ou padronizada e semiestruturada, sendo também usuais outras designações como livres, estruturadas, semiestruturadas, ou semidiretivas, segundo Quivy & Campenhoudt (1998). Se nas primeiras, informais ou livres, o respondente discorre como bem entender, sem qualquer orientação, sobre o assunto posto à discussão pelo investigador, nas segundas, estruturadas, todas as perguntas são estabelecidas a priori; também a respectiva formulação e a sequência respeitam um padrão rígido que não deixa liberdade quer ao entrevistador quer ao entrevistado, visto que, numa posição extrema, este apenas terá que seleccionar as respostas; por último, nas semiestruturadas ou semidiretivas, não obstante a existência de algumas perguntas previamente estabelecidas, o entrevistador não está limitado por elas, sendo livre para incluir outras, face às respostas dadas pelo entrevistado, clarificando as primeiras, e orientando o entrevistado, fazendo-o regressar ao caminho quando dele se afasta, pois é possível no decorrer duma conversa/entrevista que exista esse desvio, sem que se consiga obter a resposta à pergunta, ficando comprometidos os objetivos da investigação. Quivy & Campenhoudt (1998) definem esta modalidade de entrevistas como não sendo inteiramente aberta nem encaminhada por um grande número de perguntas precisas.

Cabe ao investigador decidir pela adoção da que melhor se adequa à natureza e objetivos do seu estudo. No nosso caso optamos pela entrevista semiestruturada, pois pretendíamos manter com os nossos pares uma conversação que não sendo formatada, contudo guiada, nos permitisse, com liberdade relativa, por em cima da mesa opiniões sobre o actual momento da política educativa, sem nos desviarmos do problema da liderança, e sobretudo analisar em profundidade a representação dos interlocutores sobre a prática da liderança do diretor, captando as suas vivências e expetativas em

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relação ao diretor e à própria escola. Traçamos como objetivo fazer deste momento, que em muitos casos ultrapassou os 60 minutos, um tempo de reflexão introspetiva, um revisitar de imagens, umas mais presentes do que outras, sobre o que tinha sido a liderança do presidente do Conselho Executivo e sobre o que era a liderança do diretor, já que se tratava duma mesma pessoa. Colocamos algumas expetativas nesta estratégia de conversação, que nos fazia descentrar de nós para ir ao encontro do outro e para pensar sobre um outro. Tivemos então subjacentes as palavras de Gadamer, que nos diz que numa conversação é primacial

Atender realmente o outro, deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e talvez não no sentido de que se queira entendê-lo como esta individualidade, mas sim no de que se procura entender o que diz (1998: 561);

ao que acrescenta a necessidade de cumplicidade e de aproximação entre os que se envolvem num ato discursivo presencial, deixando perceber que é fundamental que

os interlocutores não passem ao largo um do outro (...) É por isso (...) que a primeira condição da arte da conversação é nos assegurarmos de que o interlocutor nos acompanhe no mesmo passo, já que (...) aquele que fala é, sempre ele mesmo, aquele que se põe a falar até que apareça por fim a verdade daquilo de que se fala (1998: 541).

Também Minayo (1994) considera que a entrevista privilegia, para a obtenção de informações, a fala individual, a qual desoculta sistemas de valores, crenças, normas, símbolos e representações, que correspondem ao pensamento coletivo do grupo/grupos com que se identifica o entrevistado, e do qual ele acaba por ser, inconsciente ou conscientemente, o porta-voz. A entrevista semiestruturada é a que melhor permite ao sujeito falante, entrevistado, discorrer sobre as suas experiências, as suas visões, a partir da pergunta aberta colocada pelo entrevistador, que este pode ir modelando, ou seja, este tipo de entrevista dá maior liberdade ao entrevistado e ao entrevistador, pois não só possibilita ao primeiro repostas livres e espontâneas como valoriza a intervenção do segundo.

Tendo subjacente a ideia de que esta técnica permite a aproximação do concreto/real ao vivido, sem que a correspondência nem sempre se traduza num esquema de igualdade, o que nós pretendíamos era captar as representações, baseadas no vivido, que os entrevistados tinham da liderança na sua escola, da liderança do diretor, confrontando essa liderança, por um lado, com os normativos que ditam o seu ‘reforço’, e por outro, com um regresso ao passado, à liderança do presidente do Conselho Executivo. Como não era possível ouvir todos os professores no tempo que tínhamos disponível, nem desejável segundo alguns autores, que consideram que a repetição e a falta de integração de dados novos, é muito frequente, devendo o

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entrevistador saber que quando tal acontece é altura de parar, tivemos que seleccionar um grupo de interlocutores. Cabe referir que a escolha da população a entrevistar, ainda que aleatória no relativo aos informantes concretos, obedeceu a alguns critérios, designadamente a inclusão de professores pertencentes ao Conselho Pedagógico, “ órgão de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa (…)”, presidido pelo diretor e onde são tomadas decisões importantes para a dinâmica da escola, constituído por elementos, que na sua maioria, também desempenham funções de liderança; de professores pertencentes ao Conselho Geral, incluindo o seu presidente, órgão a que cabe, entre outras coisas, “aprovar o projecto educativo e acompanhar e avaliar a sua execução; aprovar o regulamento interno (…) da escola (…); aprovar os planos anual e plurianual de actividades; apreciar os relatórios periódicos e aprovar o relatório final de execução do plano anual de actividades; definir as linhas orientadoras para a elaboração do orçamento; definir as linhas orientadoras do planeamento e execução, pelo director, das actividades no domínio da acção social escolar; aprovar o relatório de contas de gerência (…)” (D/L 75/2008: 2345- 2349), aparecendo com um papel que consideramos próximo do ‘legislador’, para além de que lhe reconhecemos implícito o papel de ‘fiscalizador’ do trabalho desenvolvido na escola, sobretudo o do próprio diretor. Definimos, ainda, um outro critério, tendo em conta os objetivos da nossa investigação, que consistia em perceber até que ponto na ação concreta do diretor da escola, anterior presidente do Conselho Executivo, era percebido, fruto das suas práticas efetivas, o ‘reforço’ da liderança. Na sequência do que estabelecemos que os entrevistados teriam que ter um mínimo de tempo de serviço na escola correspondente a 5 anos lectivos, sendo de sublinhar que nestes 5 anos tinha que estar reunida a condição de neles ter sido presenciada a forma de aplicação dos dois últimos normativos relativos à administração e gestão da escola, na base dos quais estão filosofias de escola diferentes, sendo que a pessoa líder da escola se manteve a mesma, tendo sido, fruto de eleições diretas, presidente do Conselho Diretivo, presidente do Conselho Executivo e hoje diretor, na sequência da sua eleição pelo Conselho Geral.

Na sequência deste critério cabe referir que dum total de 71 docentes (tendo sido retirados aqueles que tinham horário reduzido e que acumulavam noutra escola), reuniam estas condições 48 (incluindo neles o diretor mas não nos incluindo a nós próprios). Apenas um dos docentes entrevistados se encontrava no limite aqui estabelecido, ultrapassando a maioria (11 dos entrevistados) os 10 anos de serviço na escola, e chegando a um máximo de 24 anos. Fazendo a média de anos na escola dos

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docentes entrevistados, esta traduz-se em 14, e o número de anos total de serviço situa- se entre 17-37.

Tivemos, ainda, subjacente à nossa escolha um princípio, que consistia em ter um número de interlocutores privilegiados que incluísse as consideradas ‘vozes críticas’, geradoras de algum ruído, e algumas das quais se enquadram no perfil do líder informal, descurando o critério da amizade e da simpatia pela pessoa do diretor. Pretendíamos, desta forma, obter resultados cuja fiabilidade e validade, não pudesse ser objetada pela parcialidade reconhecida aos entrevistados.

De entre os 48 docentes que reuniam as condições pré-estabelecidas, foram entrevistados 15, incluindo neles o diretor, sendo esta população avaliada por nós como suficiente, facto para que releva o terem sido ultrapassadas as vinte horas de conversação. Todas as entrevistas foram gravadas, tendo sido precedidas duma explicação sobre os objetivos da pesquisa, e da entrega de um guião ao entrevistado, para que ele se pudesse localizar sempre que o ato de conversar o levasse a uma encruzilhada de caminhos, e a um descentramento da pergunta em foco. Tivemos, ainda, o cuidado de estabelecer, no momento prévio à entrevista, uma espécie de protocolo, traduzido na forma de compromisso verbal, no qual assegurávamos o anonimato, até porque ninguém se identificava na entrevista, e a confidencialidade das informações registadas, às quais apenas nós teríamos acesso, e das quais se reproduziram apenas excertos susceptíveis de enquadramento na narrativa da pesquisa empírica.

No pressuposto de que não se pode reduzir a realidade às representações que os homens dela constroem, mas que são os homens que, pelas suas interpretações dão cor e sabor à própria realidade, sem o que ela seria amorfa e sem significado, os dados recolhidos com base na entrevista foram cruzados com os resultantes da utilização de outras técnicas, servindo a entrevista, sobretudo, para complementar e fazer o contraponto com a observação das práticas efetivas, realizada ao longo do período assinalado.