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NO TRAJETO DA LIDERANÇA DO DIRETOR DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

3. A liderança à luz das perspetivas de análise burocrática e democrática

3.2. O modelo democrático

Este modelo coloca a ênfase na colegialidade da decisão, e a sua utilização é considerada, por alguns autores, particularmente relevante em organizações que integrem uma pluralidade de profissionais. A defini-lo está também o predomínio da autoridade profissional sobre a autoridade formal, e ainda “ [o] pressuposto de que os membros da organização partilham um conjunto de valores, o que permite que as decisões possam ser colectivamente tomadas na base do consenso” (Sá, 1997: 73).

A grande diferença deste modelo relativamente aos formais, nomeadamente ao burocrático, reside, segundo alguns autores, no processo decisório. É que o modelo democrático coloca a tónica na horizontalidade, no empoderamento dos diferentes atores, na partilha de responsabilidades, na relevância dada à participação de todos e na busca de consensos. Reconhece-se “a existência de uma organização informal cujas

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linhas não coincidem necessariamente com as da organização formal” (Sá, 1997: 73), e que, de forma mais ou menos clara, tenta, muitas vezes, por em causa a autoridade formal. Na medida em que valoriza a cooperação de todos, o envolvimento dos detentores dum poder informal, pode servir os interesses da própria organização formal, já que a participação nas decisões sobre o funcionamento da organização vai aumentar o grau de responsabilização dessas vozes discordantes.

Dewey, um defensor do princípio democrático, considera que a escola deve ser o espelho da sociedade, referindo que

devemos criar nas escolas uma projecção do tipo de sociedade que desejaríamos realizar; e, formando os espíritos de acordo com este tipo, modificar gradualmente os principais e mais recalcitrantes aspectos da sociedade adulta (1959: 349-350).

À semelhança de Freire, o autor defende a educação democrática e uma escola voltada para o exercício da cidadania. Cabe à escola ser um laboratório da cidadania democrática, ensinando a democracia pela experiência de vivências verdadeiramente democráticas. O caminho seria, então, da democracia na escola para a democracia na sociedade; democratizar a escola para democratizar a sociedade. Só que, em sociedades não-democráticas é difícil a realização de escolas democráticas, pelo que consideramos que a relação é de coimplicação, sendo ambas, escola e sociedade, o espelho e o reflexo uma da outra. Desta feita, escolas democráticas contribuem para sociedades democráticas, e inversamente.

À escola cabe formar na cidadania democrática e para a cidadania democrática, ensaiar novas formas de intervenção social e comprometer-se com a promoção dos direitos humanos e a criação de sociedades mais justas. Estamos face a uma conceção de escola ao serviço da verdadeira educação, da educação libertadora (Freire, 2000b), e, por inerência, da educação para a responsabilidade.

As organizações existem tanto para responder a objectivos formais como para servir as necessidades das pessoas. É neste enquadramento que consideramos ser possível perspetivar a escola pois se tem que responder a objectivos de política educativa, centralmente definidos, não pode esquecer os interesses e as necessidades daqueles que nela interagem, educadores e educandos, o que no limite se pode traduzir na ideia de que servir o estado não pode significar não servir as pessoas, pois não há este sem aquelas.

O modelo democrático valoriza menos a dimensão formal, a autoridade burocrático-formal, do que a autoridade profissional. Esta segunda traduz-se numa

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participação alargada na tomada de decisões escolares e, em contraste com a autoridade do cargo, apoia-se na partilha, por todos os elementos da comunidade, de um conjunto de valores e de crenças construídos com base na socialização profissional (Costa, 2003). À luz do modelo democrático, a função das lideranças consiste na criação de condições favorecedoras da participação alargada dos elementos que constituem a organização. O líder deve ter a competência para fazer coincidir na organização, sem grandes sobressaltos, a organização informal com a organização formal (Sá, 1997) de modo que a primeira, em vez de funcionar com um fator de bloqueio da segunda, impedindo-a de alcançar os objectivos organizacionais, funcione, sobretudo, como um fator de mudança, de transformação. Tal desiderato pressupõe um líder transformacional, um líder do presente com os olhos postos no futuro, capaz de caminhar ao lado dos liderados, e de fazer com que os mesmos caminhem com ele e não contra ele, sendo admissíveis opiniões diferentes, mas que em vez de se autoexcluírem possam ser complementares, o que requer o estabelecimento de consensos. Este líder pratica uma ‘gestão centrada nas pessoas’, uma ‘gestão participada’, por isso anti- autocrática, ou antes, democrática. Com propriedade podemos dizer que este líder terá que possuir competências interrelacionais e comunicacionais, pois não só as decisões são o resultado duma procura conjunta, feita de diálogo e de deliberações colegiais, como carecem de ser partilhadas, difundidas a toda a organização, em particular aos liderados que não participaram diretamente no processo decisório.

Não decorre daqui que o líder deixe de ter poder e autoridade, significa antes que a legitimidade do mesmo está, não meramente na lei, fruto do cargo que exerce, mas esta é-lhe dada pelos liderados, resultante do reconhecimento do seu saber. Trata- se, então, de um líder que exerce o poder com, (power with), os liderados, na base da dialogicidade e não da imposição. Efetivamente é nos liderados que ele procura a legitimidade da sua autoridade, e fá-lo no reconhecimento da importância daqueles que com ele trabalham, pela prática duma gestão colegial. É que numa organização cujos membros se reclamam de profissionais, qualquer tentativa de controlo hierárquico é percebida como ilegítima. Como afirma Bush, "Where professionals specialize, as in secondary schools and colleges, the ability of leaders to direct the actions of subordinates may be questionable" (1986: 43).

Na organização escolar, líder e liderados, diretor e professores, todos são profissionais, prevalecendo o que os aproxima em relação ao que os diferencia, para o que contribui, em grande medida, a falta de formação específica, em administração e

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gestão escolar, de muitos diretores. Terão que ser os pares, e não o poder do cargo, a legitimarem a sua autoridade, pois sendo todos profissionais as decisões do diretor, sobretudo se forem unipessoais e impostas, estão sujeitas a questionação. Para além de que, o diretor, tendo ‘contas a prestar’, precisa, indubitavelmente, do envolvimento, da colaboração de todos, que devem partilhar uma visão comum para a escola a que pertencem.

Um líder/diretor democrático delega, distribui o poder pelos liderados em particular pelos que na organização educativa são responsáveis pela liderança de outros órgãos ou estruturas educativas. Temos assim uma liderança facilitadora ou emancipadora, aberta à inovação, à mudança, que valoriza a capacidade interventiva dos liderados, o seu empowerment na vida da organização, revelando-se estes capazes de colaborar com o líder na procura das melhores soluções para a organização.

Assiste-se a uma relação líder-liderados onde a horizontalidade nas relações prevalece sobre a verticalidade, e onde o primeiro considera os segundos atores ativos, donos de vozes que devem mobilizar na crítica argumentativa e na defesa do bem comum. O líder/diretor considera o professor um intelectual que produz conhecimento, pelo que aposta na formação, na autoformação, participando, muitas vezes, nessa formação como mais um colega entre os pares. Estamos face a lideranças preocupadas com o desenvolvimento dos profissionais, quer no trabalho individual quer no trabalho de grupo/equipa (Conselhos de Turma, Departamentos, entre outros), pois assumem esse desenvolvimento como um instrumento de mudança, de evolução. Estas lideranças são fundamentais para que as escolas sejam centros de formação para a cidadania e para a democracia.

Desta feita, na escola de hoje a direção unipessoal a cargo dum líder formal, não pode assumir-se como condição suficiente para o desaparecimento, ausência, da colegialidade decisória, da democracia na liderança. A afirmação da democracia nas escolas só pode concretizar-se se os atores educativos estiverem impregnados do espírito da cidadania ativa e crítica transformando-os em homens e mulheres interventivos com responsabilidade no destino da sociedade do futuro.

Vale reiterar que as lentes que escolhemos nos vão permitir olhar a escola sob dois ângulos que se cruzam na mesma realidade. É com este olhar que partimos para o nosso estudo empírico. Trata-se de um estudo de caso, centrado numa escola secundária pública, acerca de uma problemática específica, a liderança do diretor, assumindo o

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mesmo uma natureza qualitativa. É sobre esse processo de busca, de desocultamento do nosso problema de investigação que incidirá a II Parte do nosso trabalho.

II PARTE