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Capítulo IV – REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DE LIDERANÇA NUMA ESCOLA SECUNDÁRIA

DISPOSITIVO METODOLÓGICO

2. Formulação do problema, objectivos e hipóteses

2.1. A Pergunta de partida

O problema da liderança das escolas não sendo novo, ganhou nova dimensão fruto da alteração legislativa, nomeadamente a publicação do D/L 75/2008. Este normativo, assente num paradigma de centralização e hierarquização, instituiu a obrigatoriedade da unipessoalidade no órgão de administração e gestão da escola pública. Temos assim decretada a rutura com um modelo de colegialidade que vigorou durante décadas, sem que tal constituísse a vontade de pelo menos uma grande parte dos atores no terreno, os professores, já que a opção por esta possibilidade estava prevista na anterior legislação de referência e foram poucas as escolas onde ela se veio a concretizar. Se este facto, por si só, já poderia ser determinante para a definição do nosso problema, outro aspeto foi ainda decisivo. Falamos do conteúdo do preâmbulo do D/L 75/2008, em que se apresenta como um dos objectivos da alteração introduzida “reforçar as lideranças das escolas, o que constitui reconhecidamente uma das mais necessárias medidas de reorganização do regime de administração escolar”, acrescentando que “este objectivo concretiza-se no presente decreto -lei pela criação do cargo de director” (2008: 2342). Estão aqui as premissas tidas como o suporte do nosso problema, a ‘criação do cargo do diretor’ e o ‘reforço das lideranças das escolas’, a que somamos a relação de implicação entre a primeira e a segunda.

Já que, como defendem alguns autores, nomeadamente Bachelard, o conhecimento produzido é sempre resposta a uma questão, a qual vai orientar o trabalho do investigador, sobretudo o empírico, assume, então, particular relevância a criação de uma pergunta de partida que, sem ser fechada, nos permita prosseguir.

O pressuposto em que assenta a nossa pergunta traduz-se na ideia de que não existe uma correspondência absoluta entre o ‘reforço das lideranças’, previsto no Decreto-Lei 75/2008, e as práticas observadas na escola. Pensamos que é aplicável à liderança das escolas públicas a ideia segundo a qual uma coisa são as “orientações para a acção organizacional” e outra é a “acção organizacional” (Lima, 1998) concreta, ou seja, entre o decretado e o praticado existe um hiato, que resulta das múltiplas apropriações que os sujeitos fazem desses mesmos decretos bem como do que pretendem, dentro do que legalmente lhes é possível, fazer com eles. Assumimos, assim, como pergunta de partida para este Projeto de Investigação:

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lideranças’, preconizado no Decreto-Lei 75/2008?

Com a mesma finalidade de orientação do trabalho de pesquisa formulamos outras perguntas orientadoras, sub-questões ou questões-chave que decorrem da pergunta de partida, na qual estão, de alguma forma, incluídas, pelo que “devem-se especificar claramente quais as questões-chave a responder com o estudo” (Barañano, 2008: 40).

Podemos dizer que estas questões de investigação aparecem como os alicerces a partir do qual vai ser erigido o nosso processo investigativo, de cujo desenvolvimento dependerão os resultados da investigação. Desta feita, estas questões assumem-se, em nosso entender, como o núcleo, o cerne da pesquisa, já que nelas está implicado o resultado a alcançar, como defende Talbot citado por Fortin (2003). A sua importância percebe-se facilmente se nos concentrarmos nesta relação de implicação. Assim, decorrentes da primeira pergunta aparecem-nos outras a que atribuímos particular relevância e que também serão alvo de incidência deste trabalho, sendo por isso norteadoras da nossa pesquisa. Aqui se incluem as seguintes:

 O que pensam os atores educativos (professores) sobre o novo modelo de administração e gestão das escolas?

 A existência formal de um órgão de administração e gestão unipessoal é condição determinante da emergência de ‘lideranças fortes’?

 Em que se traduz, na prática organizativa da escola, o reforço da liderança do diretor?

 Quais as interpretações que os professores fazem da liderança do diretor?  Até que ponto as representações e as práticas dos atores educativos vão ao

encontro do legalmente estabelecido no relativo ao ‘reforço da liderança’/reconhecimento de maior poder/autoridade ao diretor?

 Será que o facto de os líderes das estruturas intermédias serem designados pelo diretor é condição determinante do ‘reforço’ da liderança desses docentes e do seu reconhecimento pelos pares?

 Pode ou não o Conselho Geral condicionar a liderança do diretor?

 O que mudou a nível da liderança na escola com a introdução do D/L 75/2008?  Que tipo de líder (diretor) e de liderança é observável na escola?

 Quais as motivações do diretor para o exercício da liderança?

 Estão as práticas do diretor, no actual contexto de ‘lideranças fortes’, em concordância com os princípios da democraticidade e da participação?

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2.2. Os objectivos e as hipóteses de trabalho

Para a nossa investigação definimos como objeto “o estudo da liderança do diretor, na perspetiva analítico-reflexiva do ‘reforço’ dessa liderança, numa escola secundária pública”. Na tentativa duma compreensão holística do problema da liderança, traçamos um conjunto de objetivos que orientaram não só o nosso estudo empírico mas também o nosso quadro conceptual de referência, a fundamentação teórica do nosso trabalho, pois como referem Lima & Pacheco, o “processo de investigação tem (…) como referente a formulação de objectivos, que orientam o investigador na prossecução dos percursos inicialmente inventariados” (2006: 16).

Apesar de alguns dos objetivos que apresentamos serem mais gerais do que outros, entendemos não ser importante a separação entre objetivos gerais e específicos, nem sequer apresentá-los hierarquizados segundo esse critério. Assim sendo, são objetivos do nosso projecto:

 compreender os múltiplos estilos de liderança/ líder;

 refletir sobre a relação entre estilos de liderança e paradigmas organizacionais de escola;

 perceber se existe um reforço efetivo das lideranças da escola, como preconiza o D/L 75/2008;

 analisar os reflexos do referido D/L na liderança do diretor duma escola secundária pública;

 captar as representações que os professores têm sobre este órgão de administração e gestão unipessoal;

 perceber se as representações e as práticas dos atores educativos estão em concordância com o ‘reforço teórico’ das lideranças, nomeadamente no que se refere à liderança do diretor da escola;

 problematizar a relação entre liderança unipessoal e democraticidade e participação a nível da organização educativa;

 problematizar o exercício da liderança do diretor, na tentativa de determinar se existe um tipo de liderança dominante;

 captar eventuais correlações entre “clima de escola” e tipo de liderança praticada pelo diretor.

Com a finalidade de responder aos objetivos estabelecidos, formulamos algumas hipóteses de investigação, também elas orientadoras do nosso trabalho, particularmente

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da investigação empírica, levada a cabo na escola secundária do Ágora, no concelho de Vila Real. De sublinhar, desde já, o carácter específico destas hipóteses, na medida em que elas não se destinam a ser submetidas a testes de verificação experimental/laboratorial, nem têm como finalidade a obtenção de conclusões gerais, de leis científicas, ou então estaríamos a afastar-nos do caráter qualitativo da metodologia que elegemos para realizar o nosso projeto investigativo. Estas hipóteses serão apenas referentes, guiões para a nossa pesquisa, mas não a determinarão em absoluto, pois entendemos esta investigação como um processo aberto que pode, à medida que se desenrola a nossa prática discursiva e operativa, particularmente a segunda, na vertente empírica do estudo, estar sujeita a pequenos desvios. Isto mesmo se justifica pelo facto de considerarmos que o conhecimento não é linear, não se faz em linha reta mas, maioritariamente, é produto de ‘ziguezagues’, de muitas investidas por parte do investigador; é que a ‘verdade’86

das coisas gosta de se esconder e por isso o caminho a percorrer é longo e inacabado. O nosso percurso foi então orientado mas não determinado e factos houve que nos fizeram reorientá-lo.

O conhecimento que tínhamos do contexto, da problemática objeto do estudo, das dinâmicas do contexto e dos atores, facilitaram a construção de algumas hipóteses de trabalho. Portanto, foi a partir da problemática da investigação, da matriz teórica em que a fundamentamos, do conhecimento do locus da ação e como forma de evitarmos andar ao sabor do vento, embora não nos sentíssemos perdidos, que definimos as hipóteses que a seguir se apresentam. Estabelecemos como hipótese mais geral:

 A emergência de ‘lideranças fortes’ nas escolas não depende da constituição do órgão de gestão (unipessoal ou colegial) mas antes da capacidade dos líderes formais para envolverem os diversos atores na dinâmica organizacional.

Desta primeira derivamos outras que, de forma mais ou menos explícita, estão nela contidas.

 O Decreto-Lei 75/2008 veio reforçar na teoria as lideranças na organização educativa mas nas dinâmicas da prática organizativa isto não se assume

86 A verdade é aqui percebida num sentido que não o absoluto, pois entendemos, na linha de outros

autores, que a Verdade na sua dimensão de saber certo e definitivo não existe, é inacessível a um homem finito e limitado espácio-temporalmente, dotado, no entanto, da capacidade de ir encontrando/construindo verdades. Não obstante o aspeto paradoxal da afirmação de que ‘a Verdade absoluta não existe’, ou isto mesmo é falso, o que pretendemos deixar claro é a ideia de que o conhecimento é uma construção contínua e mutável, jamais definitiva e acabada, não só pela complexidade da realidade mas também pela condição da própria natureza humana.

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como um dado absoluto.

 Ainda que as representações dos atores educativos, traduzam um reconhecimento do ‘reforço’ teórico da liderança do diretor, tal não se traduziu em alteração das suas práticas efetivas.

 A possibilidade conferida ao diretor para designar docentes para o exercício de cargos de coordenação educativa e de supervisão pedagógica constitui-se um mecanismo de ‘reforço da liderança’.

 O ‘decretado’ reforço das lideranças não inviabiliza práticas de democracia e participação por parte dos líderes formais, em particular do diretor.  Não há diferenças significativas entre o líder/liderança do diretor e o

líder/liderança do presidente do Conselho Executivo.