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Capítulo IV – REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DE LIDERANÇA NUMA ESCOLA SECUNDÁRIA

DISPOSITIVO METODOLÓGICO

3. As técnicas de recolha e tratamento da informação

3.2. As conversas informais

Mais do que conversas informais aquilo que nós fizemos foi uma outra forma de observação, a observação direta, que consistiu num prestar atenção, num ‘estar à escuta’ de conversas que decorriam ao nosso lado, na tentativa de registar notas (notas de campo) sem que os falantes soubessem que estavam a ser observados, o que num contexto que não o da investigação poria em causa valores ético-morais, mas que, neste caso e pelo facto dos sujeitos observados estarem mais à vontade, se constituiu numa fonte de informações importante. Recorde-se, no entanto, que o nosso estatuto de ‘investigadora’ foi dado a conhecer à comunidade, via diretor/conselho pedagógico, numa fase bastante inicial do nosso trabalho, para além do que havia o compromisso assumido pela mesma via de que o anonimato seria mantido em todas as circunstâncias da investigação, estando em causa a dimensão ética da investigação. Sublinhe-se que, apesar de dilemas éticos que eventualmente possam ter acontecido ao longo do percurso, procuramos sempre que a nossa investigação fosse eticamente responsável, até porque estava em causa a confiança e o respeito dos nossos pares, daqueles com quem convivemos diariamente.

Conseguimos, pela atenção especial que prestávamos ao que ia acontecendo à nossa volta, ver coisas que, muitas vezes, nem os próprios sabiam que estavam a

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Utilizamos o substantivo diretor, em ruptura com o seu sentido gramatical, e tratamo-lo como um substantivo uniforme, invariável em função do género, para mais facilmente cumprirmos o critério do anonimato.

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discutir, ler sinais que nos davam informações relevantes. Falo por exemplo da aproximação cordial e numa postura de interesse e de diálogo, com que alguns atores tidos como ‘líderes informais’ e identificados como ‘fontes de ruído’, se dirigiam ao diretor, sendo de registar a naturalidade e o à vontade com que o faziam. Daí concordarmos com a opinião de Eisner (1991), segundo a qual um bom observador terá de ter a capacidade de monitorizar as deixas verbais e não verbais, assim como o uso corrente, ambíguo e descritivo da linguagem, para o que terá que mobilizar as competências da atenção e da significação, da análise hermenêutica aplicada às diferentes discursividades (verbal e não verbal).

Nesta estratégia, que consideramos mais de observação, privilegiamos a informalidade, na perspetiva de “obter respostas sem fazer perguntas” (Costa, 1986: 138). Assim foi-nos possível registar observações do diretor, dando conta de que ‘o professor x chegou atrasado à aula, sem que apresentasse justificação para o facto’, ‘o professor y desconhece o regulamento interno’, ou em situações de maior stress e face a alguns comportamentos injustificados face à lei e ao RI, desabafa ‘não percebo porque agiu daquela maneira, a escola não está em auto-gestão’ ou quando após ter conversado, em particular, com o professor em causa, diz com ar desapontado “como é possível não cumprir o que foi decidido em grupo, aprovado pelo Conselho Pedagógico, e fazê-lo convicto de que não há mal algum nisso”. Estes dados cruzados com alguns dos colhidos através da entrevista, permitiram-nos uma conclusão prévia, merecedora de aprofundamento, pois vai ao encontro duma das hipóteses que colocamos, que consiste no facto dos atores educativos considerarem que houve um reforço da autoridade do diretor, um acréscimo dos seus poderes, mas que o nosso registo nos permite constatar que tal não se traduziu na alteração das suas práticas efetivas.

Esta estratégia possibilitou-nos, via conversas informais entre duas docentes, colher elementos acerca da liderança do diretor, “muito democrático; só em casos extremos e muito pontuais, deixa de sê-lo”, faz-se alusão ao quanto custou a tomada de decisão sobre uma não recondução para o desempenho dum cargo; ainda a propósito da liderança “é mais de fazer do que de burocracias”, fazendo-se a comparação com outro diretor considerado muito burocrático, ou ainda “procura sempre a opinião dos outros, mesmo quando podia ter decidido sozinho, não o fez sem me consultar” (afirmação proferida por um elemento não docente e com funções específicas na escola). Foi-me ainda dado registar a propósito do funcionamento do Conselho Pedagógico “há muita discussão…”. Com frequência, foi possível escutar, proferidas por parte de elementos,

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docentes e não docentes, novos na escola e depois de nela se instalarem e trabalharem algum tempo/anos, que traziam do exterior, fornecidas por pessoas que não pertenciam ao contexto, representações menos positivos sobre a liderança aí exercida mas que o confronto com as práticas não veio a confirmar, bem pelo contrário, afirmações do género: “o que eu digo a essas pessoas é que não trocava esta escola por nenhuma outra, e que o que dizem é fruto de desconhecimento”, “essas opiniões, quando muito, só podem vir de quem não quer trabalhar ou não é cumpridor”.

Traduz ainda o tipo de líder, e a apropriação que faz da escola como escola de todos, uma observação que o diretor nos dirigiu quando, num determinado contexto referimos “tenho na escola…”, apressando-se a corrigir-nos “não digas tenho na escola, mas temos, pois a escola não é tua nem minha, nem da direcção, é dos professores, dos alunos, do pessoal não docente, da comunidade…”.

Assim, ainda que a busca de ‘informantes privilegiados’ não tenha sido o princípio mais seguido, conseguimos, imersos no contexto global da escola, que não só a sala dos professores, observar e registar dados de atores privilegiados ou pelo cargo que desempenhavam, que lhes permitia falar com substância, com conhecimento oriundo da experiência/observação direta e não do ouvir dizer, ou pela sua postura mais inconformada, que se traduzia, nalguns casos, em discursos verbais ou não verbais mas susceptíveis de leitura, e noutros casos, em ‘monólogos em círculos fechados, na sala de professores’, onde só falava para fora o discurso não verbal. Esta última situação era observável, sobretudo em momentos em que na ‘ordem do dia’ estava a avaliação do pessoal docente, o fenómeno, na nossa opinião, mais problemático no decorrer desta investigação, já que decorria o segundo e último ano do segundo ciclo avaliativo.