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Capítulo IV – REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DE LIDERANÇA NUMA ESCOLA SECUNDÁRIA

DISPOSITIVO METODOLÓGICO

4. Tratamento dos dados

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e

realidade se prendem dinamicamente.”.

(Freire, A Importância do Ato de Ler)93

A realidade aparece diante de nós como um grande livro que nos impressiona e impulsiona para a sua leitura. O primeiro ato de leitura do ser humano é, na linha de Freire, a do mundo e só depois entramos no mundo das palavras, pois, também a criança se impressiona com o colorido das flores ou com o azul do mar, e atribui-lhes um significado, à sua medida, mas que não deixa de ser uma leitura, entre muitas outras possíveis.

Os fenómenos do real provocam-nos, não nos deixam indiferentes, e reclamam de nós uma atitude empreendedora, propositiva e transformadora. Só o homem tem esta capacidade de procurar o sentido das coisas e de o partilhar com os outros através da palavra, podendo, através da reflexão criadora, provocar a mudança e a transformação da própria realidade. Partimos para a nossa investigação imbuídos deste espírito de busca, de fazer a nossa leitura do fenómeno em análise e de conhecer e (re)ler as leituras de outros, sendo nosso objetivo final criar conhecimento e partilhá-lo com outros e, se possível, talvez esse seja o desígnio mais difícil, contribuir para eventuais mudanças.

Os dados recolhidos, eles próprios objeto de uma primeira interpretação, serão novamente matéria de reflexão, de pensamento crítico, de olhar cruzado, a partir do qual se aprofundarão as perguntas que nos colocamos ou outras se colocarão, com vista à apropriação dos múltiplos sentidos atribuídos pelos sujeitos ao objeto pesquisado, e à compreensão pessoal e integrada desse mesmo objeto, ou seja, estamos face a procedimentos do domínio da análise de conteúdo. Portanto, estes sentidos que traduzem leituras, serão também submetidos à nossa leitura, do que resulta um universo semiótico, posto pela palavra, e condensado no nosso texto, mas gerado no universo temático, no contexto. Daí, na linha de Freire, afirmarmos que entre a palavra e o contexto, entre a linguagem e a realidade há um jogo dialético, uma relação que os prende.

Face às informações recolhidas há que tomar decisões, sobre como trabalhá-las, como ‘descobrir’ nelas a(s) resposta(s) para a(s) questões de que partimos. Serão

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também elas e nelas que estará contido a validade do nosso construto. A fase da discussão dos resultados é uma fase empreendedora, criativa, transformadora, se não se limitar a uma abordagem descritiva e transpositiva das informações colhidas. É então o investigador que, nesta fase, assume primazia decisória, pois será ele a determinar o que vai fazer e como vai fazer, com o que resultou da abordagem metodológica que fez ao fenómeno, não podendo passar ao lado dos objetivos do seu estudo.

Neste contexto de tratamento dos dados num estudo de caso, Merriam aponta três níveis de análise, que corresponderão a três diferentes formas do estudo de caso: (1) descritiva; (2) categorial; (3) conceptual (developing theory). A grande diferença entre eles está, essencialmente, no facto dos dois primeiros se ficarem apenas pela descrição, enquanto “o terceiro nível implica fazer inferências e desenvolvimento teórico” (1998: 140). Trata-se, então, de um nível em que o investigador tem que ser propositivo, tem que ultrapassar o que lhe é dado da forma mais imediata, via interpretação dos locutores, via objeto de estudo e a sua própria observação e ir mais além, buscar por detrás disso, o que consiste, como referem Miles & Huberman, em transpor

[as] trincheiras empíricas para uma maior cobertura conceptual da paisagem: não nos ficarmos apenas pela negociação com o observável mas também com o inobservável, e ligarmos estes dois campos com sucessivas camadas de cola inferencial (1984: 228).

Em consentâneo com o referido e em linha com alguns autores, parece-nos que a descrição e a categorização não esgotam a análise de dados, cabendo ao investigador ir mais adiante, acrescentando algo ao já conhecido, usando da sua reflexão analítico- crítica para inovar, para aumentar o conhecimento acerca do problema pesquisado, ainda que aumentar possa não significar em quantidade mas antes em qualidade, em profundidade, a partir do caso estudado, pois acreditamos que cada caso é um manancial inesgotável de conhecimentos múltiplos e que quantos mais forem os casos e os investigadores maior será o conhecimento sobre a temática, ainda que sempre incompleto e susceptível de ‘leituras outras’.

A análise qualitativa dos dados requer, no dizer de autores como Patton (1990), criatividade para descobrir sentido no amontoado de dados em bruto, capacidade de ver para lá das palavras e do observável, de ler gestos, expressões, textos e contextos, de forma holística, não descurando os pormenores significativos. Esta fase é, provavelmente, aquela que mais exige do investigador, pois para lá do trabalho de significação, já que “os dados nunca falam por si próprios” (Bogdan & Biklen, 1994: 298), é preciso pô-los a falar, ele terá ainda a seu cargo o trabalho da comunicação, na

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medida em que a investigação destina-se a ser narrada, a ser contada aos outros, para o que terá que pensar no destinatário do seu discurso e preocupar-se em encontrar a melhor forma de lhe comunicar a sua interpretação do fenómeno. Parece-nos ser de relevar aquando da apresentação dos resultados a caracterização do contexto onde se realizou o estudo, desocultando o espaço e em menor grau os participantes, tendo sempre subjacente o princípio da reserva do anonimato.

A nossa pesquisa permitiu-nos colher informações relativas às representações que os entrevistados têm sobre o novo modelo de administração e gestão e respectivas alterações na dinâmica da escola; a relação entre composição do órgão de gestão e ‘lideranças fortes’; a liderança e o processo de tomada de decisão na escola, com enfoque na atuação do diretor; o tipo de líder/liderança do diretor da escola. A abordagem de cada um destes quatro tópicos, através da técnica da entrevista, entre outras, era ainda orientada de modo a permitir-nos concluir sobre eventuais diferenças e/ou semelhanças entre a atual liderança do diretor e a do presidente do Conselho Executivo, no caso a mesma pessoa. Procuramos captar as representações sobre o poder do diretor neste novo modelo e a forma como ele era operacionalizado pelo diretor da escola e ainda perceber que tipo de autoridade lhe era reconhecido. A nossa investigação, centrada na liderança do diretor, resultou então numa coleta de dados, a que fomos dando sentido à medida que ela se ia realizando, uma característica da pesquisa qualitativa, e que no final, depois de completa, foi alvo de uma (re)interpretação fruto do cruzamento das várias fontes, traduzindo-se em conhecimento partilhável, que carecerá sempre de ser lido como uma leitura de outrem acerca de um contexto específico.

CAPÍTULO IV