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NO TRAJETO DA LIDERANÇA DO DIRETOR DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

3. A liderança à luz das perspetivas de análise burocrática e democrática

3.1. O modelo burocrático

A teoria burocrática de Weber tem como objectivo primacial a eficiência da organização. Na linha de Taylor, Weber enfatiza a estrutura formal e hierárquica da organização, defendendo uma autoridade racional-legal, cuja origem é o cargo e não o saber profissional, e ainda regras e procedimentos bem definidos, na base duma lógica de precisão, como garantia da previsibilidade. Neste contexto, Lima escreve que

o modelo burocrático, quando aplicado ao estudo das escolas, acentua a importância das normas abstractas e das estruturas formais, os processos de planeamento e de tomada de decisões, a consistência dos objectivos e das tecnologias, a estabilidade, o consenso e o carácter preditivo das acções organizacionais (1998: 66).

À organização escolar aplicam-se, no dizer de Formosinho, algumas das características da burocracia weberiana, como “legalismo, uniformidade, impessoalidade, formalismo, centralismo e hierarquia” (1989: 8), ao que Costa acrescenta “a obsessão pelos documentos escritos, actuação rotineira com base no cumprimento de normas escritas e estáveis e pedagogia uniforme” (2003: 39). A filosofia do legalismo, ou seja, a importância e uniformidade das leis marcadas pelo formalismo, uma vez que se apresentam sob a forma escrita, nomeadamente as normas próprias de cada escola, consubstanciada no facto de tudo ser previsto com antecedência, acrescido da hierarquia do poder, fazem da escola uma organização mecanicista (Morgan, 1986) de tipo burocrático.

A burocracia é considerada um modelo que, através da centralização do poder e da autoridade, com cadeias de comando entre os diferentes níveis hierárquicos, sublinhando Weber que “a organização dos cargos obedece ao princípio da hierarquia” (1978: 17), tem como finalidade a eficiência das organizações.

Para esta eficiência assume especial relevância o líder e o tipo de liderança praticada nas organizações. Um dos marcos dessa liderança reside na impessoalidade nas relações, estando a mesma em conformidade com a racionalidade que lhe subjaz. Na perspetiva de alguns autores esta mesma racionalidade, cujo objectivo é a dominação e se traduz numa crescente alienação do comportamento humano, reduziria esse comportamento ao de um robot, o que mostra a desumanização da burocracia, podendo

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assistir-se à prevalência nos liderados do tipo ator apático, consequência de lealdades forçadas, mas também, em parte, consentidas pelos próprios liderados. Em consentâneo com esta ideia, Lima afirma que o modelo de Weber é “teoricamente centralizado, impessoal, alheio a influências e a sentimentos” (1998: 125). Estamos perante uma liderança em que a lógica dos valores das relações é relegada para um nível inferior em prol de uma liderança racional centralizada, movida pelos valores da lógica da accountability.

Ora a atual política educativa também se pauta por estes mesmos princípios de racionalidade e de competitividade, da eficiência e da eficácia para o que se pretende que a direção das escolas seja assumida por líderes fortes, capazes de cumprirem o superiormente decretado, de ‘tomarem a decisão certa’. O D/L 75/2008 valoriza então “boas e fortes lideranças”, para o que se decreta a unipessoalidade da liderança. Uma visão racionalista e legalista leva à imposição da unipessoalidade como forma de garantir a generalização de “lideranças eficazes”. Assistimos, assim, a lideranças mais dependentes da tutela, continuando a verificar-se um universalismo normativo, factos que, em parte, não se conformam com uma gestão das escolas mais democrática e mais autónoma.

As escolas são, então, organizações marcadas por um certo centralismo fundado num sistema hierárquico, numa organização vertical do sistema educativo, sendo que verdadeiramente o núcleo decisório está mais fora da escola do que no seu interior, pois é o MEC o principal responsável pela normatividade instituída que, no essencial, se carateriza por uma ordem invariável, de cima para baixo, ou seja, do topo para a base, restando ao diretor executar a política governamental, ou, nas palavras de alguns autores, fazer das escolas um prolongamento do MEC.

Assistimos, assim, à liderança de uma direção escolar “atópica” (Lima, 1998), na medida em que o poder é partilhado com o Estado, estando as lideranças mais remetidas para o plano da execução local das políticas educativas centrais, pese embora a existência de uma autonomia decretada pouco praticada. Podemos ainda atentar no centralismo local destas lideranças que se pode constituir, por exemplo, na centralização das decisões no diretor com a consequente subalternização dos outros órgãos, particularmente do Conselho Pedagógico, assistindo-se à prática de uma liderança fechada que poderá culminar numa dinâmica de escola tradutora duma visão unívoca, a do diretor, já que as metas, objetivos, prioridades e estratégias são definidas pelo líder/diretor. Logo o PEE em vez de ser da escola será o do diretor, na medida em que

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ele espelha a sua visão, sendo que, de alguma forma, ela já estaria plasmada no seu Projeto de Intervenção que foi subscrito por quem o elegeu e que, pelo menos em teoria, representa toda a comunidade educativa.

Na perspetiva duma liderança burocrática, o diretor, enquanto responsável de topo pela vida da organização, exerce uma regulação de controlo através de uma liderança não partilhada, entendida mesmo como autocrática ou antagonista e associada a uma orientação da escola para a reprodução pela adesão ao status quo. Este líder burocrático não caminha ao lado dos seus liderados, é fechado e conservador, fazendo da distância a força da sua liderança, o que nos permite dizer, em consentâneo com autores estudados, que ele exerce o poder sobre, (power over). Esta caraterística de líder/diretor fechado é também evidente na forma como, no interior da organização, circula a informação, pois esta flui pelas estruturas, não chegando a todos de igual modo, o que em nada contribui para o desenvolvimento e emancipação dos liderados. Mas nada obriga a que esse desenvolvimento seja desejado, pois o líder burocrático é conservador, não investindo estas lideranças das organizações educativas na formação, o que nos leva a pensar que nesta conceptualização de escola o professor é entendido como um simples funcionário e mero reprodutor de conhecimento. Está assim inviabilizado, ou pelo menos dificultado, pensamos nós, o desenvolvimento, a mudança das organizações educativas e, consequentemente, do universo social.

Com efeito, o que se pretende nas organizações burocráticas não são lideranças abertas, voltadas para a mudança, o que, em parte, justifica a rigidez das leis e a centralização do poder nos lugares cimeiros da hierarquia. Assim, a liderança está sustentada, essencialmente, sobre regras impessoais, escritas e por uma estrutura hierarquizada. Temos, assim, uma liderança formal a que corresponde um líder formal, estatuário, um líder por decreto, estando o seu poder fundado na natureza do cargo, estando por isso regulamentado, prescrito. Este poder legal diferencia-se do poder cujo suporte são as competências do líder, podendo, pelo facto, não ser legitimado pelos liderados, não vendo desta forma reconhecida a sua autoridade, uma autoridade que, no entanto, ele impõe, dado que esta é centralizada, está concentrada na sua pessoa. Efetivamente, o líder é reconhecido como tal interna e externamente, reconhecimento este fundado no exercício do cargo, não carecendo por isso de legitimação na competência. Certo é que um líder cujo poder advenha exclusivamente da força da lei não será, assim o entendemos, um verdadeiro líder e a sua liderança apenas vigorará na medida em que é imposta, estando dependente da passividade dos liderados. Na

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verdade, a existência destas lideranças formais não impede o aparecimento de lideranças não formais, ou informais, ainda que seja um forte entrave, mas pode concorrer para que o descontentamento e a insatisfação dos liderados funcionem como um móbil de desestabilização. Um líder que quer manter o estabelecido não poderá alhear-se desta possibilidade.

Certo é que o líder burocrático, o diretor, enquanto autoridade máxima da organização educativa é o cerne do processo decisório, na medida em que as decisões são individuais, não sendo consideradas as opiniões dos liderados. Este líder atua na base de uma racionalidade legal, formal, na qual se suporta a possibilidade de decisões a priori, até porque aquilo que o move é a ideia de eficiência e eficácia da organização, estando a própria racionalidade baseada na relação meio-fim, pois o que se procura é através dos meios mais eficientes alcançar os resultados desejados para a organização. Nesta medida, e ainda que os interesses que movem o líder sejam os organizacionais, parece-nos estarmos em presença de uma liderança autoritária ou diretiva, na medida em que o líder impõe, na base dum poder legal, a sua vontade, desconsiderando os contributos dos ‘subordinados’.

Não obstante a crítica que se possa fazer a este centralismo decisório, consideramos não ser de menosprezar o seu caráter racional-legal que não só limita a ambiguidade como aumenta a precisão e a rapidez na tomada de decisões, evitando o arrastar de problemas e a consequente ineficácia da organização. A meta é, então, atingir os objetivos definidos para aquela realidade, para o que contribuirá uma relação assimétrica líder-liderados, pois o líder tem o poder de mando, uma dominação legal- racional (Weber, 1999), porque baseada em normas legais racionalmente definidas e cujo caráter impessoal implica que todos têm que lhe obedecer, logo o poder está legitimado em regras racionais estatuídas. Por isso, consideramos ser possível afirmar- se que se obedece à lei e não ao superior.

Sob a alçada destas premissas, parece-nos ser possível concluir que a liderança burocrática pode também ser considerada prática e pragmática, e que esta capacidade decisória e o poder do líder não são aleatórios, pois estão suportados em regras, em normas bem definidas, ficando desta forma salvaguardada a eventual arbitrariedade do líder/diretor, o que os defensores da burocracia acentuam como aspeto muito positivo.

A dominação dos subordinados pelos superiores hierárquicos, fruto dum poder formalmente decretado, bem como a existência de regulamentos específicos, que se pretende univocamente interpretados, e de procedimentos rotineiros, contribuem, então,

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para a precisão almejada e ainda para uma eventual redução de conflitos no interior da organização, até porque as relações entre as pessoas são, quase exclusivamente, de âmbito profissional, voltadas para a produção. Neste sentido Weber afirma que

a precisão, a rapidez, a não ambiguidade, o manejo de documentos, a continuidade, a discrição, a unidade, a subordinação estrita, a eliminação de conflitos, as despesas de pessoal e material, […] foi francamente melhorado na administração burocrática (1976: 45).

Diríamos, então, apesar do actual quadro de “participação decretada” (Lima, 1998), que a adopção de uma lente burocrática permitirá, certamente, encontrar rotinas e estabilidade nas actividades diárias das escolas e confirmar, empiricamente em menor ou maior grau, a existência na organização escolar de algumas especificidades burocráticas.

De facto, a escola pública portuguesa orienta-se por um normativismo legal que goza do postulado da universalidade, dado que as leis gerais são as mesmas para todas as escolas, embora sejam observáveis alguns procedimentos não uniformes, dependendo dos contextos específicos de cada escola e, em particular, dos seus líderes, sobretudo do diretor. Não obstante, ainda que na organização escolar sejam visíveis muitas características do modelo burocrático, esta não o encarna na sua plenitude, admitindo-se alguma variação na interpretação da lei e dando-se a possibilidade de as escolas integrarem essas especificidades nos seus Projectos Educativos, apesar da estrutura do nosso sistema educativo continuar bastante rígida, formalizada e normativa.