• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 A EFICÁCIA TEMPORAL DAS DECISÕES DE

4.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO

4.2.2 O controle concentrado e abstrato das leis e atos normativos federais

4.2.2.4 A argüição de descumprimento de preceito fundamental

A Constituição de 1988 também previu a argüição de descumprimento de

preceito fundamental (decorrente desta Constituição), a ser apreciada pelo Supremo Tribunal

Federal, na forma da lei (art. 102, §1º).

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento acerca da não auto-

aplicabilidade deste dispositivo, deixando de conhecer, assim, uma série de ações deste tipo

em razão da ausência de lei regulamentadora

475

. A Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999,

supriu essa lacuna, disciplinando o processo e julgamento da argüição de descumprimento de

preceito fundamental

476

.

A argüição será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, objetivando

evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público (art. 1º, Lei

nº 9.882/99)

477

.

475

SARLET, Ingo Wolfgang. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: alguns aspectos controversos. In TAVARES, André Ramos (coord.). Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: análises à luz da Lei n. 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001, p. 151.

476

O projeto de lei original, encaminhado pela Deputada Sandra Starling, dispunha, em apenas um artigo, sobre a reclamação ao Supremo Tribunal Federal em caso de descumprimento de preceito constitucional no processo legislativo. Confira-se: “Art. 1º. Caberá reclamação de parte interessada ao Supremo Tribunal Federal mediante pedido de um décimo dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, quando ocorrer descumprimento de preceito fundamental do texto constitucional, em face de interpretação ou aplicação dos regimes internos das respectivas Casas, ou comum, no processo legislativo de elaboração de normas previstas no art. 59 da Constituição. Parágrafo único. Aplicar-se-ão, no que couberem, à reclamação prevista neste artigo, as disposições dos artigos 13 a 18 da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990”. Tal projeto foi ampliado e alterado por sugestão do Relator Deputado Prisco Viana, com as seguintes considerações: a) inadequação do nomen juris reclamação, já que a Constituição Federal se reporta expressamente ao termo argüição de descumprimento de preceito fundamental; b) inadequação do procedimento, já que a reclamação é procedimento subjetivo com objetivo previsto especificamente na Constituição Federal para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões da Suprema Corte; c) necessidade de disciplinar de forma abrangente e detalhada as hipóteses de cabimento e o procedimento para o instituto. O substitutivo oferecido pelo relator corresponde quase integralmente ao texto vigente da Lei nº 9.982, de 03 de dezembro de 2008 (BRASIL. Projeto de Lei nº 2.872, de 1997. Câmara dos Deputados. Deputada Sandra Starling. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 10 jun. 2008).

477

Os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal sinalizam a compreensão de que a argüição de descumprimento de preceito fundamental foi instituída para completar o sistema de controle objetivo de constitucionalidade, razão pela qual nela somente se admite a impugnação de normas ou atos acabados, que tenham concluído seu ciclo de formação, não sendo possível sua transformação em mecanismo de controle preventivo e abstrato de constitucionalidade. Nesse sentido: BRASIL. Agravo Regimental na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 43. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Carlos Britto. Julgamento em 20 nov. 2003. Publicação no DJ: 19 dez. 2003. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 19 jan. 2008; BRASIL. Questão de Ordem na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 01. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Néri da Silveira. Julgamento em 03 fev. 2000.

O conceito de preceito fundamental não é de simples determinação,

aparentando ser destituído de um conteúdo específico. Pode-se dizer que alguns preceitos

fundamentais estão enunciados de forma explícita no texto constitucional, como os direitos e

garantias individuais, os princípios protegidos pelas cláusulas pétreas e os princípios

constitucionais sensíveis.

O alcance das hipóteses de admissão da argüição de descumprimento de

preceito fundamental, entretanto, somente poderá ser determinado mediante esforço

hermenêutico, com o estudo da ordem constitucional em seu contexto e nas suas relações de

interdependência, permitindo-se, então, identificar as disposições essenciais para a

preservação dos princípios basilares de um determinado sistema.

Desta forma, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando

se constatar “possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem

constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado

específico a esse princípio”

478

, cabendo ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que

há de se compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental

479

.

Por outro lado, nos termos do art. 1º, parágrafo único, inciso I, da referida lei,

caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o

fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federais, estaduais ou

municipais, incluídos os anteriores à Constituição.

Conforme ressaltou Gilmar Ferreira Mendes, a possibilidade de existência de

“incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos

de múltiplos órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental (pelo menos, ao da

segurança jurídica)”. Assim, admite-se a propositura da argüição de descumprimento de

preceito fundamental “toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrar-se

necessária para afastar aplicações erráticas, tumultuárias ou incongruentes, que comprometam

Publicação no DJ: 07 nov. 2003. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 19 jan. 2008. Por outro lado, a argüição de descumprimento de preceito fundamental é considerada prejudicada quando não estiver mais em vigor a lei ou o ato do poder público impugnado (BRASIL. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 49. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Min. Menezes Direito. Julgamento em 01 jan. 2008. Publicação no DJ: 08 fev, 2008. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008.

478

BRASIL. Medida Cautelar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 33-5/PA. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em: 29 dez. 2003. Publicação no DJ: 06 ago. 2004. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008.

479

BRASIL. Questão de Ordem na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 01. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Néri da Silveira. Julgamento em 03 fev. 2000. Publicação no DJ: 07 nov. 2003. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 19 jan. 2008.

gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria idéia de prestação judicial

efetiva”

480

.

Destarte, a ausência de definição da controvérsia poderá consubstanciar a

concretização da lesão a preceito fundamental. Saliente-se, ademais, que a Lei nº 9.882/99

acaba por incluir as leis ou atos normativos municipais na esfera de atuação do controle

concentrado, o que vem sendo objeto de críticas, sob o argumento de que tal constituiria burla

ao texto constitucional, que expressamente excluiu tais atos do objeto de ação direta de

inconstitucionalidade

481

.

A lei ordinária possibilita, outrossim, a análise direta pelo Supremo Tribunal

Federal da compatibilidade de normas e atos pré-constitucionais com a ordem constitucional

superveniente, mitigando o entendimento anteriormente firmado pelo Supremo Tribunal

Federal de que tal questionamento, tratando-se de discussão sobre a recepção do direito

anterior, e não sobre sua inconstitucionalidade, estaria excluída do controle concentrado.

Conforme o art. 2º, inciso I, da referida lei, os legitimados ativos são os

mesmos da ação direta de inconstitucionalidade

482

. Ademais, faculta-se ao interessado,

480

Assim, “em um sistema dotado de órgão de cúpula, que tem a missão de guarda da Constituição, a multiplicidade ou a diversidade de soluções pode constituir-se, por si só, em uma ameaça ao princípio constitucional da segurança jurídica e, por conseguinte, em uma autêntica lesão a preceito fundamental” (BRASIL. Medida Cautelar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 33-5/PA. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em: 29 dez. 2003. Publicação no DJ: 06 ago. 2004. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008).

481

Nesse sentido, encontra-se pendente de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.231, proposta contra a integralidade da Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999, com destaque para esse dispositivo.

482

O art. 2º, inciso II, do Projeto de Lei nº 2.872/97 (Câmara dos Deputados), enunciava, dentre os legitimados para a propositura da argüição de descumprimento de preceito fundamental, “qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público”. Entretanto, esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, que entendeu ser incompatível com o controle concentrado de constitucionalidade a admissão de um acesso individual e irrestrito. Oportuno transcrever as razões do veto: “A disposição insere um mecanismo de acesso direto, irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal sob a alegação de descumprimento de preceito fundamental por "qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público". A admissão de um acesso individual e irrestrito é incompatível com o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais – modalidade em que se insere o instituto regulado pelo projeto de lei sob exame. A inexistência de qualquer requisito específico a ser ostentado pelo proponente da argüição e a generalidade do objeto da impugnação fazem presumir a elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, sem a correlata exigência de relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. Dúvida não há de que a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal consubstancia um objetivo ou princípio implícito da ordem constitucional, para cuja máxima eficácia devem zelar os demais poderes e as normas infraconstitucionais. De resto, o amplo rol de entes legitimados para a promoção do controle abstrato de normas inscrito no art. 103 da Constituição Federal assegura a veiculação e a seleção qualificada das questões constitucionais de maior relevância e consistência, atuando como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania. Cabe igualmente ao Procurador-Geral da República, em sua função precípua de Advogado da Constituição, a formalização das questões constitucionais carentes de decisão e socialmente relevantes. Afigura-se correto supor, portanto, que a existência de uma pluralidade de entes social e juridicamente legitimados para a promoção de controle de constitucionalidade – sem prejuízo do acesso individual ao controle difuso – torna desnecessário e pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar e julgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e individual ao Supremo Tribunal Federal. Na medida em que se multiplicam os feitos a examinar sem que se assegure sua relevância e transcendência social, o comprometimento adicional da capacidade funcional do

mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito

fundamental ao Procurador-Geral da República, a quem cabe examinar os fundamentos

jurídicos do pedido e decidir acerca do cabimento de seu ingresso em juízo (art. 2, §1º).

O art 3º, §1º, da Lei nº 9.882/99, consagrou o princípio da subsidiariedade, não

se admitindo, portanto, a argüição de descumprimento de preceito fundamental quando

houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

O Supremo Tribunal Federal vem afastando uma interpretação estritamente

literal deste dispositivo. Assim, a aplicação desse princípio não deve impedir o exercício da

argüição de descumprimento de preceito fundamental, razão pela qual a demanda somente

não deve ser admitida quando seja possível a utilização, em cada caso, dos demais

instrumentos de controle normativo abstrato

483

ou de outro meio que também permita a

impugnação do ato com efeitos amplos, gerais e imediatos, como, por exemplo, o recurso

extraordinário em caso de decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade proposta

no âmbito estadual

484

.

O art. 5º, da Lei nº 9.882/90, prescreve expressamente a possibilidade de

concessão de medida liminar em sede de argüição de descumprimento de preceito

fundamental.

A decisão na argüição de descumprimento de preceito fundamental exige

quorum mínimo de dois terços dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e terá eficácia

contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (art. 8º,

caput e §3º, da Lei nº 9.882/99). Ademais, trata-se de decisão irrecorrível e insuscetível de

impugnação por meio de ação rescisória (art. 12, Lei nº 9.882/99).

Supremo Tribunal Federal constitui inequívoca ofensa ao interesse público. Impõe-se, portanto, seja vetada a disposição em comento” (BRASIL. Mensagem nº 1.807, de 03 de dezembro de 1999. Presidência da República. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Mensagem_Veto/1999/Mv1807-99.htm>. Acesso em: 19 mar. 2008).

483

BRASIL. Medida Cautelar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 126. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em: 19 dez. 2007. Publicação no DJ: 01 jan. 2008. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008.

484

BRASIL. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 111. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. Relator Ministro Carlos Britto. Julgamento em: 27 set. 2007. Publicação no DJ: 04 out. 2007. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008. No mesmo sentido: BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.864. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em: 14 set. 2007. Publicação no DJ: 20 set. 2007. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008; BRASIL. Medida Cautelar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 33-5/PA. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em: 07 dez. 2005. Publicação no DJ: 27 out. 2006. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008; BRASIL. Medida Cautelar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 79. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. Relator Ministro Cezar Peluso. Julgamento em: 29 jul. 2005. Publicação no DJ: 04 ago. 2005. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2008.

Por fim, nos termos do art. 11, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental poderá ter

sua eficácia restrita ou postergada face à ocorrência de razões de segurança jurídica ou de

excepcional interesse social, tema que será abordado a seguir.

4.2.3 Controle concentrado e abstrato das leis e atos normativos estaduais e municipais