CAPÍTULO 4 A EFICÁCIA TEMPORAL DAS DECISÕES DE
4.2 O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO
4.2.4 Controle das omissões normativas: ação direta de
A inconstitucionalidade pode derivar de uma conduta ativa do Poder Público,
que edita leis ou atos normativos contrários à Constituição, ou de um comportamento
omissivo, por meio do qual o Estado deixa de adotar as medidas necessárias à realização dos
preceitos constitucionais.
A preocupação com o tratamento jurídico das omissões inconstitucionais é
relativamente recente, alcançando maior interesse com o advento do Estado Social, em que se
evidencia o papel dos Poderes Públicos na garantia da igualdade material entre os cidadãos,
superando-se o modelo liberal centrado apenas na preservação das liberdades individuais
488.
Neste ponto, então, a Constituição de 1988 igualmente inovou, ao prever
mecanismos específicos para o controle das omissões normativas inconstitucionais, quais
sejam: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º) e o mandado de
injunção (art. 5, LXXI)
489.
No caso da ação direta, uma vez declarada a inconstitucionalidade por omissão
de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente
488
ROSA, André Vicente Pires. Las omisiones legislativas e su control constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 32. Com efeito, tal como ressalta este autor, “a sociedade, que por algum tempo lutou para limitar a atuação do Estado de afastá-lo ao máximo da vida privada, agora tenta realizar outro objetivo. A luta passa a ser, de certa perspectiva, no caminho oposto: o Estado ideológica e juridicamente renovado deve voltar a interferir na sociedade. Já não mais para vulnerar direitos e situações pacificamente aceitas como intocáveis, mas para converter-se em um aliado do povo, em particular dos mais débeis economicamente, na conquista e na construção de uma sociedade qualitativamente mais evoluída”. Assim, “se houve momentos na história em que a liberdade necessitava ser garantida prioritária e urgentemente – e de certo modo construída –, agora era a vez de outro valor: a igualdade. Mas não a igualdade formal que já constituía parte do acervo axiológico do liberalismo, e sim a igualdade material (ROSA, André Vicente Pires. op. cit., p. 5-6). No mesmo sentido, confira-se SANTOS, Gustavo Ferreira. (Neoconstitucionalismo e democracia. Revista de Informação Legislativa, a. 43, n. 172, p. 45-55, out.-dez. 2006. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_172/r172- 04.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2008, p. 48), segundo o qual “o constitucionalismo social, que representa uma segunda versão do pensamento constitucionalista, decorre do esgotamento fático da visão liberal, impotente diante da chamada questão social, que abala o século XIX. O Estado indiferente é substituído por um Estado propositivo. Questões existenciais antes deixadas à solução individual passam a ser assumidas pelo Estado, que se transforma em um prestador de serviços”.
489
Como observa André Vicente Pires Rosa, “o fato é que o constituinte de 1988 (...) estava extremamente preocupado com a quantidade de direitos e liberdades que o Texto Maior anterior, o de 1967, havia reconhecido, e que nunca tiveram aplicação pelo motivo que se acaba de mencionar”. Sendo assim, “com base nesta preocupação, a Assembléia Nacional Constituinte tentou ao menos em dois momentos específicos assegurar a aplicação dos direitos constitucionais frente às inações do Parlamento, indendentemente do sempre conveniente e necessário desenvolvimento legislativo das normas constitucionais. Tratou de oferecer os instrumentos jurídicos para tentar fazer realmente efetivas as normas constitucionais. Criou para isso a chamada ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, duas ações constitucionais” (ROSA, André Vicente Pires.
op. cit.,
p. 288-289).para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para
fazê-lo no prazo de 30 (trinta) dias (art. 103, §2º).
O rol de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade
por omissão será o previsto no art. 103, caput
490. Entretanto, diversamente do que ocorre no
controle da ação inconstitucional, na ação direta por omissão não se exige a intervenção do
Advogado-Geral da União no sentido de justificar a inércia do poder público no
adimplemento do dever de legislar
491.
Não é cabível a concessão de medida liminar em sede de ação direta de
inconstitucionalidade por omissão
492.
Tratando-se de omissão legislativa, o Supremo Tribunal Federal firmou
entendimento no sentido de não lhe caber a prerrogativa de expedir provimentos normativos
com o objetivo de suprir eventual inatividade do órgão legislativo. Desta forma, procedente a
ação direta de inconstitucionalidade por omissão, compete ao Supremo Tribunal Federal,
reconhecendo o estado de inércia do Poder Público, apenas cientificar o legislador
inadimplente, para que esse adote as medidas necessárias à concretização do texto
constitucional
493.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, ainda, mecanismo de controle
concreto da inconstitucionalidade por omissão, ao prever a possibilidade de concessão de
mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício
dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania (art. 5º, inciso LXXI).
490
Há, entretanto, certas peculiaridades e restrições, já que alguns dos legitimados dispõem de direito de iniciativa legislativa, caracterizando-se como responsáveis ou co-responsáveis pelo eventual estado de inconstitucionalidade, e destinatários primeiros da ordem judicial de fazer, em caso de procedência da ação. Assim, salvo no caso de iniciativa privativa de órgãos de outros poderes, tais órgãos constitucionais não poderiam propor ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Nesse sentido, confira-se: BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.682/MT. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em: 09 maio 2007. Publicação no DJ: 06 set. 2007. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2007.
491
Nesse sentido, confira-se: BRASIL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.439/DF. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em: 22 maio 1996. Publicação no DJ: 30 maio 2003. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2007.
492
Nesse sentido, confira-se: BRASIL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.439/DF. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em: 22 maio 1996. Publicação no DJ: 30 maio 2003. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2007.
493
Nesse sentido, confira-se: BRASIL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.439/DF. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Celso de Mello. Julgamento em: 22 maio 1996. Publicação no DJ: 30 maio 2003. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2007.
Trata-se de processo subjetivo, em que a apreciação da existência de
inconstitucionalidade por omissão se coloca apenas como questão incidental, necessária ao
deslinde da situação concreta posta em julgamento
494.
Conforme observa André Vicente Pires Rosa, a insuficiência normativa pode
decorrer de dois motivos: (a) restaram sem regulação alguns aspectos da norma
constitucional; (b) a regulação feita pelo legislador não abarca todos os possíveis destinatários
da norma constitucional, configurando, assim, uma espécie de violação do princípio da
igualdade
495.
Assim, a omissão inconstitucional pode ser total, quando nenhuma providência
é tomada, ou parcial, quando a medida adotada se afigura insuficiente.
Ausente disciplina normativa genérica, cabe ao julgador emitir
pronunciamento judicial acerca da regulamentação que deve reger o caso concreto, fixando as
balizas para o exercício do direito constitucionalmente assegurado, até o advento da lei ou ato
normativo emitidos pelo Poder competente
496. Nesse contexto, cabe ressaltar que o Supremo
Tribunal Federal vem se afastando da postura inicialmente adotada de apenas declarar a
omissão normativa, para reconhecer a possibilidade de regulação provisória da matéria pelo
próprio Poder Judiciário
497-498.
494
Os sindicatos podem impetrar, em favor de seus membros ou associados, mandado de injunção coletivo. 495
ROSA, André Vicente Pires. Las omisiones legislativas e su control constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 157.
496
Nesse sentido, confira-se: BRASIL. Mandado de Injunção nº 721/DF. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento em: 30 ago. 2007. Publicação no DJ: 30 nov. 2007. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 dez. 2007.Oportuno transcrever, neste ponto, trecho do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio: “Essa atuação não se confunde com atividade do Legislativo, pois o Judiciário, neste caso, não lança preceito abstrato na ordem jurídica. O Poder Judiciário apenas viabiliza, no caso concreto, o exercício do direito ou prerrogativa assegurado pela Constituição. O pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo. É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do artigo 5 da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada (...)”.
497
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a existência de omissão legislativa inconstitucional, em sede de mandado de injunção, limitava-se a comunicar a mora ao Poder Legislativo, à semelhança do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O deferimento do mandado de injunção atuava apenas como advertência ao órgão legislativo omisso, diante da impossibilidade de outra providência, em virtude do princípio da separação e independência entre os poderes (BRASIL. Mandado de Injunção nº 584/SP. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Relator Ministro Moreira Alves. Julgamento em: 29 nov. 2001. Publicação no DJ: 22 fev. 2002. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2007).
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Neste ponto, cabível referir a proposta de lege ferenda apresentada por André Vicente Pires Rosa, em obra específica sobre o tema. Para este autor, o mandado de injunção é o instrumento por excelência para o combate