• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 CONTROLE JURISDICIONAL DE

2.4 INFLUXOS EM OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS

2.4.2 Espanha

A Espanha conheceu uma primeira experiência de justiça constitucional na

Segunda República, com a instauração de um Tribunal de Garantias Constitucionais (1931-

1936) pela Constituição de 9 de dezembro de 1931 (arts. 121 a 124), influenciada pelo sistema

austríaco

211

.

208

Para Wolfgand Zeidler, a eficácia vinculatória atinge inclusive o legislador. Assim, “no caso de o Tribunal Constitucional ter declarado uma norma inconstitucional, o legislador fica impedido, devido à ‘eficácia vinculativa’ (da decisão), de emitir de novo o mesmo preceito” (ZEIDLER, Wolfgand. op. cit., p. 75-76).

209

Entretanto, como ressalta Wolfgand Zeidler, “na prática, só com grande reserva o Tribunal admite afastar-se dos princípios jurídicos definidos na sua própria jurisprudência. A autoridade do Tribunal, adquirida no passado e a conservar no futuro, depende de uma jurisprudência plausível e a mesmo tempo segura e continuada” (ZEIDLER, Wolfgand. A justiça constitucional no quadro das funções do estado: em especial tipos, conteúdos e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Relatórios Nacionais, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 77).

210

FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 72-75. 211

Sobre a matéria, confira-se: FAVOREU, Louis. op. cit., p. 114; ENTERRÍA, Eduardo García. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 65; LUENGO, Juan Antonio Doncel. O modelo espanhol de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 80.

A Constituição da Espanha, de 27 de dezembro de 1978, adotou como base o

modelo austríaco (com a introdução de importantes modificações)

212

, instituindo um Tribunal

Constitucional

213-214

, fruto da convicção dos debates constituintes acerca da necessidade de

criar um sistema de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, garantindo ao

máximo a eficácia dos direitos e liberdades constitucionais, fragilizados pela larga experiência

ditatorial, e reconduzindo pacificamente as tensões a que daria lugar a nova distribuição

territorial de poder que se estabelecia

215

.

O Tribunal Constitucional é competente para processar e julgar: (1) o recurso e

a questão de inconstitucionalidade contra leis, disposições normativas e atos com força de lei,

do Estado e das Comunidades Autônomas; (2) o recurso de amparo por violação de direitos e

liberdades referidos no art. 53.2 da Constituição espanhola; (3) conflitos de competência entre

Estado e Comunidades Autônomas ou destas entre si; (4) conflitos entre órgãos

constitucionais do Estado e conflitos em defesa da autonomia local; (5) impugnações do

Governo contra as disposições e regulamentos adotados pelos órgãos das comunidades

autônomas; (6) verificação das nomeações dos magistrados do Tribunal Constitucional,

quanto aos requisitos previstos na Constituição e na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional

(7) declaração sobre a constitucionalidade dos tratados internacionais; (8) demais matérias

atribuídas pela Constituição e pelas leis orgânicas (art. 161, al. 1 e 2, da Constituição

espanhola

216

, e art. 2.1, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional

217

).

212

Por esta razão, diz-se que o modelo adotado foi o alemão (ainda que com algumas variações). Nesse sentido: ENTERRÍA, Eduardo García. op. cit., p. 145.

213

A nomeação dos primeiros ministros ocorreu em 15 de fevereiro de 1980; o Tribunal foi estabelecido oficialmente em 12 de julho do mesmo ano, e começou a funcionar em 15 de julho (FAVOREU, Louis. op. cit., p. 114), sendo composto por 12 (doze) membros nomeados pelo rei (dentre magistrados e fiscais, professores de universidade, funcionários públicos e advogados, todos juristas de reconhecida competência com mais de 15 (quinze) anos de exercício profissional), dos quais: 4 (quatro) por proposta do Congresso (por maioria de três quintos de seus membros); 4 (quatro) por proposta do Senado (por maioria de três quintos de seus membros); 2 (dois) por proposta do Governo; e 2 (dois) por proposta do Conselho Geral do Poder Judiciário (LUENGO, Juan Antonio Doncel. O modelo espanhol de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.- jun. 2001, p. 81-82).

214

Ressalte-se que, apesar do caráter politicamente descentralizado do Estado espanhol, o Tribunal Constitucional exerce igualmente o controle das leis das Comunidades Autônomas, que não possuem órgão de jurisdição constitucional próprio (SEGURA, Angel Latorre; DIEZ-PÍCAZO, Luíz. La justicia constitucional em el cuadro de las funciones del Estado. Vista à la luz de las espécies contenidos y efectos de las decisiones sobre la constitucionalidad de las normas juridicas. Tribunal Constitucional de España. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Lisboa: Tribunal Constitucional, 1987, p. 181- 182).

215

LUENGO, Juan Antonio Doncel. O modelo espanhol de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 80.

216

ESPANHA. Constituição da Espanha, de 27 de dezembro de 1978. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/constitucion/consti11.html>. Acesso em: 16 set. 2007.

217

ESPANHA. Lei Orgânica nº 02, de 03 de outubro de 1979. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/tribunal/leyesacuerdos/LOTC.pdf>. Acesso em: 16 set. 2007.

A Constituição espanhola estabeleceu um modelo de controle concentrado de

constitucionalidade das normas que pode ser exercido por diversas vias, a seguir analisadas.

O controle preventivo se manifesta na análise prévia de certos tratados e de

projetos de autonomia ou de leis orgânicas, não consubstanciando competência meramente

consultiva. Assim, a manifestação do Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade da

norma impede sua ratificação ou aprovação

218

.

O controle repressivo pode ser exercido de forma abstrata (recurso de

inconstitucionalidade) ou concreta (questão de inconstitucionalidade e recurso de amparo).

O recurso de inconstitucionalidade pode ser apresentado diretamente ao

Tribunal Constitucional pelo Presidente, pelo Defensor Público e por 50 (cinqüenta)

deputados ou senadores, visando à impugnação abstrata de leis, disposições normativas e atos

com força de lei editados pelo Estado ou pelas Comunidades Autônomas, de tratados

internacionais e de regulamentos das Câmaras e das Cortes Gerais (art. 32, al. 1, Lei Orgânica

do Tribunal Constitucional)

219

.

Por outro lado, os orgãos colegiados executivos e as Assembléias das

Comunidades Autônomas podem interpor recurso de inconstitucionalidade contra as leis,

disposições normativas e atos com força de lei, editados pelo Estado, e que possam afetar seu

respectivo âmbito de autonomia (art. 32, al. 2, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional)

220

.

Trata-se de um controle concentrado e abstrato de normas, que não se origina

em função de um conflito de interesses concretos, mas simplesmente de uma discrepância

objetiva entre a interpretação do texto constitucional e a lei singular, atuando os recorrentes

como defensores da integridade da Constituição

221

.

O recurso de inconstitucionalidade deve ser interposto no prazo de 3 (três)

meses a partir da publicação do ato legislativo impugnado (art. 33, al. 1, Lei Orgânica do

Tribunal Constitucional)

222

.

A questão de inconstitucionalidade, por sua vez, é modalidade de controle

concreto e concentrado

223

, por meio da qual se remete ao Tribunal Constitucional a

218

ENTERRÍA, Eduardo García. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 164.

219

ESPANHA. Lei Orgânica nº 02, de 03 de outubro de 1979. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/tribunal/leyesacuerdos/LOTC.pdf>. Acesso em: 16 set. 2007.

220

ESPANHA. Lei Orgânica nº 02, de 03 de outubro de 1979. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/tribunal/leyesacuerdos/LOTC.pdf>. Acesso em: 16 set. 2007.

221

ENTERRÍA, Eduardo García. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 147-148.

222

ESPANHA. Lei Orgânica nº 02, de 03 de outubro de 1979. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/tribunal/leyesacuerdos/LOTC.pdf>. Acesso em: 16 set. 2007.

apreciação do problema da constitucionalidade da lei quando este surge como questão

incidental prévia à aplicação da norma a um processo submetido a um juiz ou tribunal

qualquer (art. 35, al. 1, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional)

224

. Nesse caso, o julgador

ordinário tem dúvidas acerca da validade ou invalidade da norma que condiciona o

julgamento de um caso concreto

225

.

A sentença proferida no recurso e na questão de inconstitucionalidade é

irrecorrível. O reconhecimento da inconstitucionalidade em ambos os procedimentos acarreta,

regra geral, a declaração de nulidade da norma impugnada (art. 39, al. 1, Lei Orgânica do

Tribunal Constitucional), tema que será melhor analisado no próximo capítulo

226

.

O recurso de amparo, por sua vez, é interposto por particulares visando à

proteção de seus direitos fundamentais enunciados no art. 53, al. 2, da Constituição espanhola,

que são essencialmente os direitos e liberdades clássicos, com exclusão dos econômicos e

sociais, sobretudo do direito de propriedade

227

. Trata-se de um procedimento subsidiário de

proteção dos direitos fundamentais, pressupondo o esgotamento de todos os recursos

ordinários possíveis, e que neles se tenha concedido ao juiz ou autoridade a oportunidade de

repor o direito que se alega violado

228

.

A legitimidade para a interposição do recurso de amparo alcança toda pessoa

física ou jurídica que invoque um interesse legítimo, assim como o Defensor Público e o

Ministério Público (art. 162, al. 1, b, da Constituição espanhola)

229

.

223

Ainda que o conhecimento e a decisão do processo não sejam remetidos ao Tribunal Constitucional, colocar- se-á, inevitavelmente, no juízo de constitucionalidade que a esse corresponde, a dialética do caso concreto, que entra já dentro do característico quadro mental da justiça (ENTERRÍA, Eduardo García. op. cit., p. 148-149). Trata-se, ademais, de uma jurisdição constitucional concentrada, pois somente o Tribunal Constitucional pode declarar a inconstitucionalidade de normas com força de lei, ainda que os órgãos judiciais possam participar na provocação dessa declaração (LUENGO, Juan Antonio Doncel. O modelo espanhol de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 79).

224

ESPANHA. Lei Orgânica nº 02, de 03 de outubro de 1979. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/tribunal/leyesacuerdos/LOTC.pdf>. Acesso em: 16 set. 2007. A remissão pode ocorrer a cargo de qualquer órgão judicial, independente de sua posição hierárquica, desde que se lhe reconheça um caráter jurisdicional (FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 121-122).

225

O Tribunal Constitucional não exige do juiz a quo uma afirmação da inconstitucionalidade da lei, mas também não é suficiente que a alegação não seja apenas manifestamente infundada (SEGURA, Angel Latorre; DIEZ-PÍCAZO, Luíz. La justicia constitucional em el cuadro de las funciones del Estado. Vista à la luz de las espécies contenidos y efectos de las decisiones sobre la constitucionalidad de las normas juridicas. Tribunal Constitucional de España. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Lisboa: Tribunal Constitucional, 1987, p. 187).

226

ENTERRÍA, Eduardo García. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 151.

227

FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 117-120. 228

LUENGO, Juan Antonio Doncel. O modelo espanhol de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 85.

229

ESPANHA. Constituição da Espanha, de 27 de dezembro de 1978. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.es/constitucion/consti11.html>. Acesso em 16 set. 2007.

A sentença que concede o amparo conterá algum ou alguns dos seguintes

pronunciamentos: (1) nulidade do ato que tenha violado o direito, com a determinação da

extensão dos efeitos dessa nulidade; (2) reconhecimento do direito ou liberdade em

conformidade com o seu conteúdo constitucionalmente declarado; (3) restabelecimento do

direito do recorrente com a adoção das medidas apropriadas

230

.

As considerações acima evidenciam que a Constituição espanhola, a exemplo

da alemã, instituiu um sistema híbrido.

Com efeito, o modelo espanhol tem por base o sistema austríaco,

estabelecendo a concentração do controle de constitucionalidade em um órgão constitucional

distinto do Poder Judiciário, responsável pelo monopólio do rechaço das leis

inconstitucionais, bem como a possibilidade de exercício da fiscalização por meio de recurso

direto, interposto independentemente da existência de um caso concreto.

Entretanto, sofreu o modelo espanhol influência dos sistemas americano e

alemão, refletida na equiparação, a princípio, entre as concepções de nulidade e

inconstitucionalidade (afastando o sistema kelseniano de mera anulabilidade), na extensão a

todos os juízes e tribunais ordinários da legitimidade para suscitar a questão de

inconstitucionalidade, e na previsão do recurso de amparo

231

.