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CAPÍTULO 2 CONTROLE JURISDICIONAL DE

2.4 INFLUXOS EM OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS

2.4.1 Alemanha

No século XIX, a Federação alemã e alguns Estados Federados adotaram

procedimentos especiais para solucionar conflitos derivados do Direito Constitucional

(procedimentos de resolução de controvérsias e Tribunal de decisão federal, e Tribunais de

Estado em alguns Estados Federados), mas que, na prática, nem sempre tiveram eficácia, em

razão da forte autonomia dos Estados Federados e do poder demasiado dos respectivos

príncipes regentes, além da pretensão dos parlamentos recém-constituídos de assegurarem

uma parte dos direitos do povo. Nesse contexto, a própria Constituição de Bismarck de 1871

não previu qualquer tribunal estatal, e o Tribunal Imperial criado em Leipzig em 1879 não

estabeleceu qualquer jurisdição constitucional

175

.

A Constituição de Weimar de 1919 (art. 108) criou um Tribunal do Estado

para a República alemã, que possuía dentre as suas competências a resolução dos conflitos

entre os órgãos de um Estado Federado e dos conflitos federais entre o governo central e os

Estados Federados. No entanto, tal Constituição não conheceu um controle propriamente

jurídico-constitucional das leis e dos conflitos entre órgãos constitucionais da República

176

.

O regime nacional-socialista, por sua vez, recusou o controle jurisdicional da

atividade do Estado, bem como a revisão judicial das leis, sob o argumento de que “a lei do

Führer em todas as suas forças é necessariamente vinculativa para os juízes”

177

. Nesse

período, o legislador deixou de ser o garantidor, para constituir a maior ameaça à liberdade,

capaz de introduzir injustiças sistemáticas, pervertendo o ordenamento jurídico

178

.

As experiências negativas com um regime totalitário, e a pretensão de construir

uma democracia pluralista vinculada à proteção das minorias, prepararam o terreno para o

175

HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 44. Conforme observa Carl Schmitt, apesar de os embates constitucionais alemães do século XIX não poderem ser comparados com grandes revoluções, as constituições da monarquia constitucional alemã não desconsideraram de modo algum a salvaguarda da Constituição. Nesse sentido, especialmente características são as determinações da Constituição da Baviera (1818) e da Saxônia (1831). Entretanto, após as experiências vividas no conflito na Prússia e após os grandes sucessos da política de Otto Von Bismarck, foi tacitamente desconsiderada, como era de se supor, a questão de uma garantia da Constituição, e na geração seguinte, quando da indiferença geral por uma teoria constitucional, não se tinha mais uma verdadeira consciência dela. Assim, em meio ao sentimento de segurança política e bem-estar da população, qualificar-se-ia de meramente “política” a indagação pelo guardião da Constituição. O interesse pelo tema somente teria sido retomado com a Constituição de Weimar (SCHMITT, Carl. O Guardião da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 3-4).

176

Apesar de tudo, o tribunal, incidentalmente, submeteu à revisão judicial as leis federais desde as suas sentenças de Abril de 1921 (RGZ 102, 161) e de Fevereiro de 1925 (RGZ 111, 320) (HÄBERLE, Peter. op. cit., p. 44).

177

HÄBERLE, Peter. op. cit., p. 45. 178

ENTERRÍA, Eduardo García. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 141.

controle jurisdicional de constitucionalidade introduzido pela Lei Fundamental de 1949

179

. A

base para o sistema adotado foi o modelo kelseniano, com a introdução, entretanto, de alguns

elementos do americano

180

.

O órgão superior da justiça constitucional alemã é o Tribunal Constitucional

Federal (BverfG), previsto na Lei Fundamental de 8 de maio de 1949, instituído pela Lei de

12 de março de 1951, e que começou a funcionar na então República Federal Alemã em

setembro do mesmo ano

181

. Na maioria dos Estados Federados existem, ainda, tribunais

constitucionais estaduais, que garantem a observância do direito constitucional dos

respectivos Estados

182

.

O Tribunal Constitucional Federal é, perante todos os outros órgãos

constitucionais, um tribunal da Federação, autônomo e independente (§1, da Lei do Tribunal

Constitucional Federal)

183

, sobretudo em razão da posição jurídica dos seus juízes, regulada

separadamente da posição dos demais, e de possuir orçamento próprio

184

.

179

HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 45. No mesmo sentido, BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Lisboa: Almedina, 1994, p. 11-12; AHUMADA RUIZ, Maria Angeles. La jurisdicción constitucional en Europa: bases teóricas y políticas. Madrid: Thomson Civitas, 2005, p. 26-28; 39-40. Consoante observa Leda Boechat Rodrigues, a reorganização do sistema judicial foi um dos principais pilares da política Aliada decidida em Potsdam, depois da derrota de Hitler em 1945; “o futuro governo da Alemanha Ocidental devia ser federal, democrático e constitucional. E isso implicava, acima de tudo, comenta Donald P. Kommers, um judiciário independente, bem como a adoção do controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e dos atos executivos”. Com efeito, “pela sua própria natureza, o poder conferido ao Judiciário de anular decisões dos outros ramos do governo tende a trazer para a arena judicial conflitos que, de outro modo, teriam de ser resolvidos politicamente. Por isso mesmo, a criação da Corte Constitucional Federal, após a promulgação da Lei Fundamental de Bonn (23 de maio de 1949), marcou uma reviravolta na tradição legal e na prática institucional germânicas” (RODRIGUES, Leda Boechat. A Corte de Warren. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, p. 13).

180

Conforme salientou Eduardo García de Enterría, o modelo kelseniano é o que se tinha mais à mão, ante a dificuldade de se acolher o sistema americano originário, cheio de convenções, práticas e suposições, como produto vivo de uma história perfeitamente singular e própria (ENTERRÍA, Eduardo García. La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 141-142).

181

FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 63. 182

ZEIDLER, Wolfgand. A justiça constitucional no quadro das funções do estado: em especial tipos, conteúdos e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Relatórios Nacionais, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 51.

183

HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e legislação pertinente no direito comparado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 67.

184

O tribunal divide-se em duas seções, cada uma das quais com 8 (oito) membros; 3 (três) membros de cada seção são eleitos entre juízes dos tribunais supremos da Federação. A duração do cargo é de 12 (doze) anos, não sendo possível a reeleição. Todos os juízes constitucionais devem ter completado 40 anos de idade. A sua atividade judicial é incompatível com qualquer outra atividade profissional, exceto a de professor de direito em universidades alemãs. A eleição dos juízes corresponde em partes iguais ao Bundestag e ao Bundesrat, requerendo uma maioria de dois terços, o que obriga os partidos a estabelecerem acordos. O Presidente e o vice- Presidente do Tribunal são eleitos alternadamente pelo Bundestag e pelo Bundesrat, sendo notória a interferência dos partidos políticos (HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 34).

Dentre as atribuições do Tribunal Constitucional, destacam-se: (1) tribunal

eleitoral, em sede de apelação; (2) tribunal supremo de justiça ou tribunal repressivo; (3)

tribunal federal, solucionando os litígios em se que opõem a Federação e os Estados, assim

como os Estados entre si; (4) julgamento dos conflitos entre órgãos constitucionais da

Federação; (5) julgamento do recurso de amparo; (6) controle abstrato e concreto da

constitucionalidade das normas

185

.

Merece destaque, primeiramente, o recurso de amparo (também chamado

recurso ou queixa constitucional), introduzido pela Lei do Tribunal Constitucional Federal de

1951, e consagrado na Lei Fundamental em 1969 (art. 93, al. 1, 4a e 4b)

186

.

O recurso de amparo pode ser apresentado por cada cidadão, sob o fundamento

de ter sido lesado pelo poder público em um direito fundamental ou a este análogo (direito à

audiência, por exemplo)

187

.

O recurso pode ser dirigido contra qualquer ato do poder público, em especial

medidas da Administração, ou qualquer decisão dos tribunais, desde que esgotadas as vias de

recurso ordinariamente admitidas (princípio da subsidiariedade). Em situações excepcionais,

admite-se a apresentação da queixa diretamente contra uma norma jurídica, exigindo-se,

dentre outros pressupostos, que o recorrente sofra prejuízo atual e direto decorrente da lei, não

lhe sendo exigível, neste caso, a busca de uma solução pelas vias normais

188

. Nessa última

185

Sobre este ponto, conferir: FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 67-71; HÄBERLE, Peter. p. 35-36.

186

Art. 93. (1) O tribunal constitucional federal decide: (…) 4a. sobre recursos constitucionais, que podem ser promovidos por cada um com a afirmação de estar violado pelo poder público em um dos seus direitos fundamentais ou em um dos seus direitos contidos no artigo 20, alínea 4, artigos 33, 38, 101, 103 e 104 da lei fundamental; 4b. sobre recursos constitucionais de municípios e de grêmios de municípios, por causa da violação do direito 166 à auto-administração segundo o artigo 28, por uma lei, em leis estaduais, contudo, somente à medida que não pode ser promovido recurso no tribunal constitucional estadual (…) (ALEMANHA. Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha de 23 de maio de 1949. In: HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e legislação pertinente no direito comparado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 136). Segundo Peter Häberle, o recurso de amparo previsto na Lei Fundamental alemã tem o seu “irmão” nos procedimentos de recurso de amparo da América Latina (HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 48).

187

A enumeração legal não limita realmente a admissibilidade dos recursos, pois o Tribunal Constitucional considera que os direitos constitucionais formam um ordenamento jurídico objetivo que deve ser interpretado não como uma série de garantias concretas, mas como um sistema coerente e completo de valores que aponta para a proteção da dignidade da pessoa humana e para seu livre desenvolvimento. Desta forma, o recurso constitucional pode invocar a violação de outras disposições da Constituição (FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 72-75).

188

“§90. (1) Cada um pode, com a afirmação de estar violado pelo poder público, em um dos seus direitos fundamentais ou em um dos seus direitos contidos no artigo 20, alínea 4, artigo 33, 38, 101, 103 e 104, da lei fundamental, promover o recurso constitucional no tribunal constitucional federal; (2) Se contra a violação é admissível a via jurídica, então o recurso constitucional somente após o esgotamento da via jurídica pode ser promovido. O tribunal constitucional federal pode, contudo, decidir de imediato um recurso constitucional promovido antes do esgotamento da via jurídica, quando ele tem importância geral ou quando ao promovente do recurso nasceria uma desvantagem grave e inevitável, caso ele fosse remetido primeiro à via jurídica” (ALEMANHA. Lei do Tribunal Constitucional Federal. In: HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e

hipótese, o recurso de amparo se assemelha a um mecanismo de controle de

constitucionalidade das normas jurídicas, na medida em que o acolhimento da queixa enseja a

declaração de nulidade da norma (§ 95, al. 3, Lei do Tribunal Constitucional Federal)

189

.

Qualquer pessoa é legitimada para manejar o recurso de amparo, na medida em

que possua capacidade para ser titular de direitos fundamentais ou de direitos equiparáveis a

estes

190

.

Saliente-se, ademais, que o recurso de amparo não se equipara a uma ação

popular

191

, apenas sendo admitido quando esteja em causa uma determinada posição jurídica

do recorrente, afigurando-se insuficiente a simples violação a prescrições objetivas do direito

constitucional

192

.

Desta forma, para a admissão do recurso de amparo o requerente deve estar

afetado pessoal (a norma, decisão judicial ou ato singular deve estar dirigida diretamente ao

requerente), atual (a afetação não pode estar virtualmente no futuro) e imediatamente (a

norma se intromete na posição do requerente, sem necessidade de que o “mandato legal”

implique uma transformação através de um regulamento, ato administrativo ou ato de

execução do Executivo)

193

.

Se a lesão a direitos fundamentais provém diretamente da lei, o prazo para a

interposição do recurso é de 1 (um) ano a contar da data de entrada em vigor da norma; se a

legislação pertinente no direito comparado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 107-108). Sobre a matéria, conferir: ZEIDLER, Wolfgand. A justiça constitucional no quadro das funções do estado: em especial tipos, conteúdos e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Relatórios Nacionais, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 53-54.

189

ALEMANHA. Lei do Tribunal Constitucional Federal. In HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e legislação pertinente no direito comparado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 112.

190

Nesse contexto, os estrangeiros têm legitimação na medida em que possam apelar a um direito fundamental de que sejam titulares. Os cidadãos da União Européia estão sendo progressivamente igualados aos alemães. As garantias da Convenção Européia de Direitos Humanos ou dos pactos de direitos humanos das Nações Unidas excedem os direitos fundamentais reconhecidos na Lei Fundamental e não podem ser protegidos pela via do recurso de amparo. Ressalte-se, outrossim, que só excepcionalmente as pessoas coletivas de direito público são titulares de direitos fundamentais e, deste modo, estão legitimadas para interpor o recurso de amparo, como é o caso das universidades e das faculdades, ou das emissoras de rádio (HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 51). 191

HÄBERLE, Peter. op. cit., p. 52. 192

Ressalte-se, contudo, que o significado prático desta limitação é restringido pelo fato de a jurisprudência do Tribunal Constitucional interpretar o art. 2, al. 1, da Lei Fundamental, no sentido de que “a liberdade do desenvolvimento da personalidade” ali mencionada não se esgota numa liberdade geral de atuação, abrangendo também a prevenção jurídico-fundamental de os indivíduos não serem onerados com desvantagens não fundamentadas na ordem constitucional. Por isso, no âmbito da “queixa constitucional”, admite-se o controle, por exemplo, de uma alegada falta de competência legislativa como vício formal de uma lei (ZEIDLER, Wolfgand. A justiça constitucional no quadro das funções do estado: em especial tipos, conteúdos e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Relatórios Nacionais, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 54).

193

violação se revela no momento da aplicação da lei pela Administração ou pelo juiz, o prazo é

de 1 (um) mês, a partir da notificação do demandante ou da publicação da decisão (§93, al. 1 e

3, da Lei do Tribunal Constitucional Federal)

194

.

Ao decidir o recurso de amparo, o Tribunal Constitucional não se configura

como uma instância de super-revisão. Com efeito, examina as decisões dos tribunais que

esgotam a via judicial em última instância, mas apenas segundo o critério especial da Lei

Fundamental, cabendo ao tribunal cuja decisão tenha sido anulada proferir novo julgamento

(art. 95, al. 2, Lei do Tribunal Constitucional Federal)

195

.

Ressalte-se, por oportuno, a importância do recurso de amparo, que converteu

o Tribunal Constitucional Federal em um “tribunal do cidadão”, desenvolvendo uma relevante

função integradora dos cidadãos e de proteção das minorias (sobretudo em razão do acesso

gratuito e sem a intervenção obrigatória de advogado), e promoveu, ademais, um estímulo à

aceitação da Lei Fundamental pelo povo e o amadurecimento de um “efeito educativo geral”

relativamente aos órgãos do Estado (devido ao seu efeito vinculativo), apesar da baixa

percentagem de êxito desse recurso

196

.

No que pertine ao controle de constitucionalidade de normas, cabe referir,

inicialmente, que este pode ser exercido a priori ou a posteriori.

O controle a priori (preventivo) somente é admitido em uma hipótese,

estabelecida pela jurisprudência: análise prévia (antes de sua promulgação) pelo Tribunal

Constitucional de leis de aprovação de tratados internacionais

197

.

O controle a posteriori (repressivo), por sua vez, pode ser abstrato ou

concreto

198

.

194

ALEMANHA. Lei do Tribunal Constitucional Federal. In: HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e legislação pertinente no direito comparado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 108-109.

195

HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 45.

196

HÄBERLE, Peter. op. cit., p. 49-53. 197

Não está previsto um controle preventivo. A única exceção, estabelecida pela jurisprudência, respeita a leis de aprovação de tratados internacionais cuja constitucionalidade pode ser objeto de fiscalização logo que o processo legislativo se conclua, mas antes da entrada em vigor de tais leis – isto para que não haja vinculação internacional antes da apreciação da constitucionalidade. A possibilidade, originalmente prevista na lei, de recurso a um parecer do Tribunal Constitucional Federal foi rapidamente abolida face a dificuldades respeitantes aos efeitos vinculativos de tais decisões (ZEIDLER, Wolfgand. A justiça constitucional no quadro das funções do estado: em especial tipos, conteúdos e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Relatórios Nacionais, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 52)

198

O controle de normas pode ser efetuado “abstratamente”, desprendido de um caso particular a ser decidido, ou “concretamente”, isto é, em conexão com um caso particular, para cuja decisão importa a validez da norma a ser examinada (HESSE, Konrad. Elementos de Direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. da 20ª ed. por Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998, p. 494).

No controle abstrato, o Tribunal Constitucional, a pedido do Governo Federal,

do Governo de um Estado Federado ou de um terço dos membros do Parlamento, decide,

independentemente de um litígio concreto, sobre a compatibilidade formal ou material do

direito federal ou do direito dos Estados federados com a Constituição (e da consonância do

direito estadual com o restante do direito federal)

199

. O exercício do controle abstrato é

privativo do Tribunal Constitucional Federal

200

.

O controle concreto é exercido por meio da questão de inconstitucionalidade,

que se verifica quando um juízo ordinário concluir pela inconstitucionalidade da norma que

deve aplicar em um processo perante ele instaurado, hipótese na qual deverá suspender o

processo e recorrer ao Tribunal Constitucional Federal ou estadual (conforme se tratar de uma

violação da Lei Fundamental ou de uma Constituição estadual)

201

. A corte constitucional deve

apenas deliberar sobre a constitucionalidade do ato normativo, cabendo ao órgão de origem o

julgamento do caso concreto

202

.

Cabe ressaltar, neste ponto, que, enquanto no quadro do controle abstrato o

monopólio do Tribunal Constitucional para o exame e reprovação da norma é amplo, no

controle concreto se restringe ao juízo de reprovação, na medida em que cada juízo ordinário

pode decidir pela validade da lei ou ato normativo

203

.

199

Na prática, quem recorre ao controle abstrato é freqüentemente a oposição política no Parlamento, ou o Governo de um Estado Federado dirigido por um partido da oposição. Por isso, segundo a crítica, o controle abstrato seria a mera continuação no Tribunal Constitucional dos confrontos políticos, suscitada por aqueles que perderam no Parlamento. Critica-se, ainda, a necessidade de o Tribunal Constitucional decidir sobre a constitucionalidade das normas jurídicas sem dispor de material suficiente para saber como determinada norma é aplicada na prática e quais efeitos daí decorrem (ZEIDLER, Wolfgand. A justiça constitucional no quadro das funções do estado: em especial tipos, conteúdos e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas. Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha. In: Relatórios da VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, 2ª parte, Relatórios Nacionais, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 52-53). Por essas razões, Peter Häberle aponta a questão da derrogação do amplo controle abstrato de normas como um dos temas para a reforma do sistema de controle de constitucionalidade alemão. Entretanto, como observa o referido autor, o fato de terem sido ditadas pelo procedimento previsto no art. 93.1.2 da Constituição importantíssimas decisões tanto relativas aos direitos fundamentais, como ao federalismo, advoga a favor de sua manutenção (HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 61).

200

HÄBERLE, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 20-21, jan.-jun. 2001, p. 46.

201

Antes de 1956, somente os Tribunais superiores podiam remeter diretamente ao Tribunal Constitucional; os demais tribunais só poderiam fazê-lo por intermédio dos referidos tribunais superiores. A partir de 1956, autorizou-se todos os tribunais e juízes ordinários a submeterem seus casos ao Tribunal Constitucional, e hoje quase a totalidade das remissões são levadas a cabo pelos juízes (FAVOREU, Louis. Los Tribunales Constitucionales. Barcelona: Ariel, 1993, p. 72-75).

202

ZEIDLER, Wolfgand. op. cit., p. 53. 203

HESSE, Konrad. Elementos de Direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. da 20ª ed. por Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998, p. 496.