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CAPÍTULO 3 A EFICÁCIA TEMPORAL DAS DECISÕES NO

3.1 SISTEMA AMERICANO

3.1.2 O retorno à doutrina retroativa

Entretanto, na década de 1980, a Suprema Corte se afastou dessa abordagem

sobre a eficácia temporal das decisões de inconstitucionalidade, tanto no âmbito cível quanto

no criminal

275

.

Na seara criminal, impende destacar a decisão proferida em Griffith v.

Kentucky (1987)

276

, no qual se afirmou que uma nova regra de conduta para as condenações

criminais se aplica retroativamente a todos os casos, estaduais ou federais, pendentes de

julgamento ou ainda não finais

277

.

A Suprema Corte sustentou, por ocasião do julgamento em referência, que a

análise das condenações finais deve ser diferente da análise das condenações pendentes ao

prazo não observado da demanda de Huson. Cabia à Suprema Corte decidir, então, se Rodrigue v. Aetna Casualty & Surety Co. (1969) retroagiria ou não para alcançar Chevron Oil Co. v. Huson (1971). Considerando que o acidente havia ocorrido mais de 3 (três) anos antes do anúncio da decisão em Rodrigue v. Aetna Casualty & Surety Co. (1969), e que a demanda havia sido ajuizada mais de 1 (um) ano antes desse julgamento, não havendo como prever a mudança de entendimento jurisprudencial, a Corte decidiu que a nova regra não deveria atingir Chevron Oil. Co. v. Huson (1971) (UNITED STATES OF AMERICA. Chevron Oil Co. v. Huson. 404 U.S. 97 (1971). Supreme Court. Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/404/97/case.html>. Acesso em: 22 set. 2007).

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TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. V. I, 3. ed., Nova York: The Foundation Press, 2000, p. 219-220.

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Em 1982, Randall Lamont Griffith, homem negro, foi condenado por diversos crimes a 20 (vinte) anos de prisão. Em decorrência das rejeições de jurados realizadas pela acusação, nenhuma pessoa negra remanesceu no Júri. O advogado do acusado manifestou sua preocupação com o fato de Griffith ser processado por um Júri composto em sua totalidade por pessoas brancas, e solicitou que a acusação esclarecesse as razões para a recusa de todos os 4 (quatro) jurados negros. Diante do indeferimento da solicitação, o advogado requereu a dispensa do grupo escolhido, alegando que a conduta da acusação na utilização de suas oportunidades de recusa de jurados violava os direitos constitucionais de Griffith, mas a Corte negou a moção. Após a condenação, Griffith impetrou um writ of certiorari perante a Suprema Corte. Na pendência do julgamento do seu requerimento, a Suprema Corte proferiu decisão em Batson v. Kentucky (476 U.S. 79 - 1986), deferindo pleito idêntico ao formulado por Griffith. Considerando que Batson e Griffith foram submetidos à mesma situação, processados perante a mesma Corte e pelo mesmo advogado de acusação, e que apenas por casualidades do processo judicial a revisão de jurisprudência ocorreu por ocasião do julgamento de Batson v. Kentucky (1986), a Suprema Corte concedeu o writ em Griffith v. Kentucky (1987), anulando o julgamento (UNITED STATES OF AMERICA. Griffith v. Kentucky. 479 U.S. 314 (1987). Supreme Court. Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/479/314/case.html>. Acesso em: 22 set. 2007).

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Em Linkletter v. Walker (1965), a Corte sustentou que a não retroatividade da nova regra se aplicava às condenações finais e àquelas pendentes de revisão direta.

tempo da nova decisão, sob pena de violar normas que devem orientar os julgamentos

constitucionais.

Em primeiro lugar, consignou-se que a natureza da judicial review exige que a

Corte julgue casos e controvérsias específicos, que se tornarão, assim, veículos para o anúncio

de uma nova regra. Por esta razão, à Corte é vedado simplesmente “pescar” um caso dentre os

diversos em fase de apelação, usá-lo como veículo para pronunciar novos standards

constitucionais, e em seguida permitir que os demais casos similares prossigam sem ser

afetados pela nova regra.

Além disso, a aplicação seletiva de novas regras violaria o princípio do

tratamento similar aos acusados em situação semelhante. Assim, o problema de não fazer

retroagir aos casos pendentes seria a efetiva injustiça que resulta quando a Corte escolhe qual

dos muitos casos similares será o “chance beneficiary” da nova regra, ainda que essa

representasse uma clara ruptura com o passado

278

.

A questão da retroatividade no âmbito cível foi estabelecida em Harper et al.

v. Virginia Department of Taxation

279

, em que a Corte sustentou que, quando uma corte

federal aplica uma nova regra material de direito federal aos que perante ela litigam, a essa

regra deve ser atribuído efeito retroativo para atingir todos os casos ainda pendentes de

julgamento, assim como todos os eventos, ainda que anteriores à data do anúncio da regra.

Desta forma, a Suprema Corte decidiu não ter autoridade constitucional nos

casos cíveis e criminais para desconsiderar a regra corrente ou para tratar diferentemente os

litigantes na mesma situação

280

.

Entretanto, isso não significa um abandono da limitação dos efeitos da

retroatividade no sistema americano. Com efeito, em diversos casos, a Suprema Corte excluiu

278

Conforme observa Laurence H. Tribe, a não retroatividade no âmbito civil continuaria a ser governada pelos parâmetros firmados em Chevron Oil. Co. v. Huson (1971), entendimento posteriormente mantido em American Trucking Ass'ns v. Smith (496 U.S. 167 – 1990), mas aqui já por uma Corte estreitamente dividida (TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. V. I, 3. ed., Nova York: The Foundation Press, 2000, p. 220). 279

Em Davis v. Michigan Dept. of Treasury (489 U.S. 803 – 1989), a Suprema Corte invalidou a prática do Estado de Michigan de taxar rendimentos de aposentadoria pagos pelo Governo Federal, ao tempo em que isentava tais verbas quando pagas pelo Estado ou suas subdivisões políticas. O Estado da Virgínia possuía estatuto semelhante, e após o julgamento de Davis v. Michigan Dept. of Treasury (1989), Harper e outros 420 (quatrocentos e vinte um) servidores e militares federais aposentados ingressaram com demanda judicial pleiteando a restituição dos valores descontados com base na referida legislação. O pleito foi negado, e esta decisão mantida pela Suprema Corte da Virgínia, sob o fundamento de que os valores tinham sido pagos antes do julgamento de Davis v. Michigan Dept. of Treasury (1989), razão pela qual se aplicavam ao caso as considerações feitas em Chevron Oil. Co. v. Huson (1971), e que impediam a produção de efeitos retroativos pela nova regra. Estendendo ao âmbito cível as considerações firmadas em Griffith v. Kentucky (1987), a Suprema Corte reformou a decisão e determinou a análise do pedido de restituição formulado pelos requerentes (UNITED STATES OF AMERICA. Harper et al. v. Virginia Department of Taxation. 509 U.S. 86 (1993). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/509/86/case.html>. Acesso em: 22 set. 2007).

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da nova regra as condenações definitivamente julgadas, tal como ressalta Laurence H.

Tribe

281

.

Saliente-se, por oportuno, que esse recuo no posicionamento antes adotado

pela Suprema Corte não deve ser visto como uma negação da legitimidade da técnica de

limitação de efeitos no direito norte-americano. Com efeito, a análise dos precedentes acima

leva a crer que o problema norte-americano foi a fixação de regras gerais, sem considerar as

peculiaridades de cada seara do Direito (Penal, Cível etc.), bem como um equívoco na

ponderação dos bens e interesses envolvidos em cada caso concreto.

Com efeito, em Linkletter v. Walker (1965) e nos demais casos criminais

mencionados, manteve-se uma série de condenações (pendentes e definitivas) baseadas em

provas obtidas ilicitamente, sob o fundamento da necessidade de assegurar a administração da

justiça. Caberia indagar, então, se, após a aplicação do princípio da proporcionalidade,

ponderando-se os bens envolvidos (direito a um julgamento criminal justo e proteção da

administração da justiça), chegar-se-ia a mesma solução adotada pela Suprema Corte

282

.

Deve-se questionar, assim, até que ponto essa generalização, para não dizer

excesso, na aplicação da eficácia prospectiva não contribuiu para a atual rejeição pela

Suprema Corte dos Estados Unidos.

Após essa reflexão sobre o sistema norte-americano, impende analisar a

eficácia temporal da decisão no modelo austríaco.